Paulo Ghiraldelli Jr.*
Estamos
em um país em que a direita é doida e a esquerda é cansativa. Refiro-me
à esquerda e à direita “culturais” ou acadêmicas – filosóficas, digamos
assim. Um exemplo? Respectivamente Luís Felipe Pondé e Renato Janine
Ribeiro, para ficar com filósofos que gostam de fazer aquilo que também
gosto, que é o debate na mídia, algo necessário, principalmente em um
país como o nosso. No que eles diferem, caracteristicamente? É fácil
mostrar.
Diante de uma propaganda de cerveja que
exibe mulheres lindas e seminuas Renato Janine pode escorregar aqui e
ali, mas ao final acabará cedendo às feministas que porventura exijam
que o comercial deixe de ser veiculado. Por sua vez, imagino que Pondé
tentará mudar as características das mulheres, fazendo-as vestir aqueles
típicos “óculos PUC” ou “óculos USP” (retangulares, de borda preta), de
modo a deixá-las com um ar intelectualizado, para então pô-las a maior
parte do tempo bebendo cerveja de quatro, diante de alguns brutamontes
do meio popular prontos para as segurarem pelos cabelos.
E eu, o que faria? Faço diferente, deixo essa baboseira de lado e bebo a cerveja com as mulheres!
Mas, eles não! E eis aí a direita e a
esquerda. A primeira faz alguns adolescentes de 20 ou 25 anos rirem de
um modo justificável para os pais, professores universitários exigentes,
pois ao invés de estarem assistindo o “Pânico na TV” podem ver o que
queriam ver e dizer que estavam lendo um filósofo, o Pondé. A segunda
faz algumas meninas e meninos de classe média, completamente
dessexualizados, a apelar para a censura a partir de um filósofo, Renato
Janine Ribeiro, e assim não ferir os brios dos pais, professores
universitários, que dizem que porque foram contra a Ditadura Militar
jamais advogariam a censura.
Assim,
a direita faz os jovens retardatários rirem do “politicamente correto”
como se tal coisa fosse uma novidade e uma rebeldia. Por sua vez, a
esquerda coloca os jovens, também retardatários, mas com problemas de
repressão sexual talvez até maior que os da direita, a se mostrarem
sensíveis ao “politicamente correto” em uma época que tal coisa, nos
Estados Unidos, já foi peneirada de modo a se saber o que é aproveitável
e o que não é. Essa direita e essa esquerda agem não segundo posturas
filosóficas, mas põem seus intelectuais como arautos ideológicos. Ao
invés de avisar os jovens que esse debate já passou, reiteram as
posições que já eram piadas no “Seinfeld”, há mais vinte anos, e, então,
atingem de fato um público que deveria saber que o debate já foi embora
(temos internet, que deveria entre outras coisas nos atualizar!), mas
que efetivamente não sabe. Por que não sabe? Porque é um público que,
como juventude desses tempos mais recentes, fez um péssimo ensino médio
(mesmo que particular!), e usa a internet para falar com o coleguinha de
escola, não para ler o noticiário cultural do exterior ou para
conversar com colegas de cursos similares no exterior (coisa que a minha
geração fazia com cartas ou tentava, a todo custo, por meio de viagens
impossíveis).
Nossos filósofos conservadores e não
conservadores agem uns pelo descabelamento e outros pelo tédio, mas
acabam fazendo algo bem parecido. Ao invés de resgatar a juventude para
os dias dela mesma, agem quase que como a Veja e os teóricos do
MST, que apesar de gostos diferentes dizem a mesma coisa, pois são os
únicos que, com Niemeyer de padrinho, acreditam que “o comunismo vive e
vencerá”. Fidel e Raul Castro não acreditam mais nisso, e Saramago
morreu.
É interessante que no meio disso tudo,
alguns jovens comecem a se desgarrar dos intelectuais de esquerda e de
direita do mesmo modo que já se desgarraram da esquerda e da direita
políticas (ou seja, as de partidos). O movimento da “Marcha das Vadias”
é, no mundo todo, um sintoma disso. No Brasil também. As moças saem e
mostram os peitos. Chamam a si mesmo de “vadias”. Antes de querer mais
moralismo como proteção, o que exigem é o respeito mesmo sendo
completamente amorais (ou imorais!). Respeito com a mulher extrapola
ideologias e, com isso, ficam para trás Pondé, Renato Janine, o PSDB, o
PT e o moralismo envolvido nisso tudo. É como se a própria “Marcha das
Vadias” (Slutwalk) quisesse fazer filosofia nas ruas, escapando
do fato das ruas estarem sempre ocupadas por ideologias. A “Marcha das
Vadias” foi alegre, ousada, linda, e recuperou algo bom de todos os
movimentos sociais quando eles ainda se imaginam com o frescor
filosófico, e não com o ranço ideológico, ou seja, quando podem mostra a
capacidade nossa de fazer gerar novos vocabulários. Trazer o termo
“slut” ou “vadia” para o interior de novos “jogos de linguagem” foi só
um exemplo, mas há muitos outros a se lembrar nessa guerra semântica que
é a parte sempre mais notável dos movimentos sociais quando eles têm
vivacidade.
Eu teria ficado triste se esse ano a
“Marcha” não tivesse vingado. Eu iria achar que Pondé e Janine,
reiterando enunciados e idéias velhas e carcomidas, dariam o tom para
nossas conversas éticas, especialmente no que diz respeito às mulheres.
Ficar-se ia no “politicamente incorreto” e no “politicamente correto”
(1), com uma conversa de avós tricoteiras em alpendre de fazenda. Mas
não! Ocorreu o novo, e essa mulherada “vadia” os deixou chupando o dedo.
Agora, como gosto de mulher e de filosofia muito mais que de direita e
esquerda, e de tricô não entendo nada, eu adorei. Amei!
(1) Para acrescentar ao detalhe de como Janine e Pondé estão “velhinhos”, digamos assim, basta notar que os Contos de Fadas Politicamente Corretos,
que é uma tremenda crítica humorística ao “politicamente correto” (e
boa, porque não o reduz), foi publicado nos Estados Unidos em 1994 e
traduzido no Brasil pela Ediouro em 1995! O livro é de James Finn
Garner!
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* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2012/06/23/
jÁ ENTENDEMOS QUE VC GOSTA DE MULHER, AFIRMA TANTAS VEZES NO TEXTO QUE PARECE UMA NECESSIDADE SUBCONSCIENTE...
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