Guerra acadêmica sobre a evolução da ética
RESUMO O biólogo americano E. O. Wilson causa celeuma ao
argumentar, em livro, em favor da "seleção de grupo", forma de seleção
natural que afeta grupos, e não indivíduos. Ao minimizar importância da
tradicional "seleção de parentesco", Wilson propõe uma nova visão sobre a
trajetória evolutiva de insetos e humanos.
REINALDO JOSÉ LOPES
EDWARD OSBORNE Wilson, 82, nunca foi um sujeito modesto, embora
quase todos os que o conhecem façam questão de louvar a gentileza um
tanto antiquada do biólogo, um dos derradeiros exemplares de "cavalheiro
do Sul" dos EUA (ele nasceu no Alabama).
Em livro que acaba de ser lançado, o pesquisador da Universidade Harvard
-uma das maiores autoridades mundiais em formigas e "bicampeão" do
Prêmio Pulitzer- decidiu revisar sua própria (e grandiosa) explicação
sobre as raízes da natureza humana.
Em obras como "Sociobiology: The New Synthesis", de 1975, Wilson já
explorava o foco da discórdia atual: por que, afinal, somos (ao menos de
vez em quando) altruístas? Para ele, a explicação mais correta está na
"seleção de grupo", ideia com fedor de heresia para uma parcela
importante dos teóricos da evolução.
Seus adversários enxergam a evolução como um jogo cujos protagonistas
são indivíduos ou genes -jamais grupos. Essa também era a opinião dele
em "Sociobiology". Agora, no entanto, Wilson discorda.
"Indivíduos egoístas se saem melhor do que indivíduos altruístas. Mas
grupos de altruístas vencem grupos de egoístas. Todo o resto é
comentário", resume ele no recém-lançado "The Social Conquest of Earth"
[a conquista social da Terra, ed. Liveright, 352 págs., R$ 80].
De leitura agradável e clara, o livro foi escrito para divulgar as novas
ideias do cientista para o grande público. A edição brasileira está
prevista para o segundo semestre, pela Companhia das Letras, que ainda
lançará, no ano que vem, "O Superorganismo - A Beleza, a Elegância e a
Esquisitice das Sociedades dos Insetos".
PARENTESCO
Wilson ainda faz questão de cutucar outro vespeiro caro aos biólogos evolutivos: o conceito de seleção de parentesco.
Grosso modo, ele pode ser descrito como a versão evolutiva do nepotismo.
Ajuda a expressar como sacrifícios feitos em favor de parentes podem
ser uma estratégia vencedora no jogo da evolução, mesmo quando o
indivíduo que arrisca a sua vida nem chega a deixar descendentes
diretos.
Bobagem, diz Wilson: tanto comportamentos observados na natureza quanto
modelos matemáticos -que supostamente mostrariam a importância da
seleção de parentesco- podem ser explicados de outras maneiras. Por
exemplo, pelo conceito de seleção de grupo.
A seleção de parentesco, escreve ele, é "uma construção matemática
fantasma, impossível de ser expressa de maneira que faça algum sentido
biológico realista."
Para alguns, a briga põe mais coisas em jogo do que a ortodoxia da
teoria evolutiva. Decidir a disputa também ajudaria a determinar se,
afinal, o altruísmo puro, desinteressado, faz parte da nossa herança
genética -ou não passa de um belo manto para o mais rasteiro
favorecimento de parentes.
"Isso é ciência com altas implicações existenciais", escreveu o
neurocientista e divulgador científico Jonah Lehrer na revista americana
"New Yorker".
Dois anos atrás, ao apresentar uma prévia de suas teses em artigo
publicado na revista científica "Nature", Wilson despertou tamanha ira
que 130 dos mais renomados biólogos do mundo mandaram uma carta tentando
refutá-lo. O debate continuou, com réplica e tréplica na "Nature" e na
internet, e ainda não amainou de todo.
"Ed sempre teve um viés favorável à seleção de grupo, embora trate o
tema de forma extremamente confusa. Nada mudou [na pesquisa sobre
evolução] para justificar a ênfase que ele vem dando à ideia agora", diz
Robert Trivers, pesquisador da Universidade Rutgers (EUA), um dos
críticos mais ferrenhos da guinada.
Outros, porém, saem em defesa de Wilson. "O que a gente está vendo é
pura resistência paradigmática. Thomas Kuhn ia adorar presenciar isso",
diz Charbel Niño El-Hani, do Laboratório de Ensino, Filosofia e História
da Biologia da Universidade Federal da Bahia.
Historiador da ciência americano, morto em 1996, Kuhn postulou que as
grandes mudanças na ciência só acontecem aos trancos e barrancos, quando
uma antiga visão de mundo (o tal paradigma) é suplantada por outro
paradigma, inconciliável com o anterior.
Para El-Hani, muitos dos que se opõem a reconhecer um possível papel
relevante da seleção de grupo o fazem por mero conservadorismo: "Muita
gente veio com a conversa de que o Wilson endoidou ou está gagá. São os
filhos se sentindo traídos pelo Grande Pai".
HAMILTON
Expressão matemática bastante simples, a regra de
Hamilton é considerada a base do pensamento quantitativo sobre seleção
de parentesco. A álgebra é do britânico William Donald Hamilton
(1936-2000), antigo aliado de Wilson e um dos biólogos evolutivos mais
admirados do século 20.
A expressão, C
Se a conta parece um pouco abstrusa, podemos compreendê-la a partir de
uma anedota, anterior ao trabalho de Hamilton e que acabou por
inspirá-lo.
Certa vez perguntaram ao também britânico John Burdon Sanderson
(conhecido como "JBS") Haldane (1892-1964), outro gigante da biologia
evolutiva, se ele seria capaz de dar a vida para salvar um irmão. Ele
fez uma conta rápida e respondeu que seria capaz de se sacrificar
alegremente não por um, mas por dois irmãos. Ou por oito primos, tanto
fazia.
Por trás da piada está o fato de que criaturas que se reproduzem por
meio do sexo, como nós e a vasta maioria dos reinos animal e vegetal,
possuem "fatias" genéticas de si mesmas espalhadas pelo genoma de seus
parentes.
Lembre-se de que seres humanos normais, por exemplo, possuem 23 pares (a
palavra-chave aqui é "pares") de cromossomos, as estruturas enoveladas
que abrigam o DNA. Um dos membros de cada par é legado pelo pai; o outro
vem do genoma materno.
Isso significa que, a cada geração, quando óvulos e espermatozoides são
produzidos, ocorre uma nova divisão, meio a meio, do material genético
que será passado para os filhos.
Grosso modo, uma menina carrega 50% do genoma de sua mãe (a conta é a
mesma para irmãos, desde que sejam filhos do mesmo pai e da mesma mãe),
enquanto uma neta tem 25% do DNA de sua avó. Primos em primeiro grau
compartilham entre si 12,5% de seu material genético -e por aí vai.
Portanto -e adicionando uma dose de dramalhão mexicano à brincadeira de
JBS-, só fará sentido usar o seu corpo como escudo para proteger o seu
irmão dos disparos de um bandido caso você saiba de antemão que seu
irmão terá, no futuro, quatro filhos ou mais. Isso porque "quatro
sobrinhos" (25%+25%+25%+25%) = 100% "você".
O DNA que caracteriza o seu organismo, em outras palavras, será mantido
no grande caldeirão genético da nossa espécie graças ao seu ato heroico,
ainda que você pereça sem deixar descendentes.
Claro que esse é o cenário extremo, hollywoodiano, em que a seleção de
parentesco poderia favorecer comportamentos altruístas. Nesses casos, o B
(de "benefício") da regra de Hamilton é simples: garantir a
sobrevivência de membros da família.
Mas mesmo ações bem mais modestas, como tomar conta de um neto ou
sobrinho quando a filha ou a irmã precisam ir para o trabalho, podem
trazer uma contribuição pequena, mas não desprezível, para a aptidão
geral da família -"aptidão" entendida como a capacidade de sobreviver e
deixar descendentes viáveis, a medida primordial do sucesso evolutivo.
A formulação da regra de Hamilton, originalmente publicada em artigos no
periódico científico "Journal of Theoretical Biology", em 1964, a
princípio quase caiu no vazio. Wilson foi um dos poucos partidários de
primeira hora.
Em seu último livro, ele conta ter defendido Hamilton "diante de uma
plateia em grande parte hostil", num encontro da Real Sociedade
Entomológica de Londres, em 1965. A seleção de parentesco é uma das
estrelas de um dos livros do biólogo a receber o Pulitzer, "On Human
Nature" (sobre a natureza humana), de 1979.
Defender esse tipo de ideia nos anos 1970 não era exatamente um passeio
no parque. Acusado de achar que os genes controlavam o comportamento
humano como se as pessoas fossem robôs e de até de apoiar o racismo e a
extrema direita, Wilson chegou a ser atacado durante uma conferência
científica -ativistas derramaram um jarro de água gelada na cabeça dele.
O biólogo Nelio Bizzo, hoje professor de ensino de ciências na USP,
estudante de pós-graduação no começo dos anos 1980, lembra como as
implicações políticas da obra de Wilson geravam polêmica.
"Cursei a disciplina de sociobiologia durante o mestrado e, no trabalho
final, levantei a conjectura de que, se as ideias de Wilson estivessem
corretas, o editor do livro deveria ser parente dele. Quase fui
reprovado", conta.
"Acho que a carga ideológica da seleção de parentesco era evidentemente
muito grande, pois era uma justificativa muito forte para uma série de
práticas sociais moralmente inaceitáveis, como o racismo e a xenofobia",
diz Bizzo. "Talvez o Wilson seja descendente de uma família que possui
um gene que faz as pessoas pensarem que tudo é genético", ironiza.
Apesar do debate político, para muitos a regra de Hamilton parecia unir e
explicar, num único conjunto conceitual e com economia, uma série de
fenômenos biológicos aparentemente disparatados.
EUSSOCIALIDADE
O caso mais importante tinha a ver com o estilo de
vida bizarro de certos insetos, como formigas, abelhas e vespas, todos
membros da ordem dos himenópteros. Muitos desses animais adotaram a
eussocialidade (do grego "eu", "verdadeiro", ou "sociedades
verdadeiras", cuja complexidade pouco deve à da sociedade humana).
A praxe nos grupos de insetos eussociais é que a reprodução seja
monopólio de uma única rainha, enquanto as demais fêmeas do grupo,
divididas em castas de operárias, soldadas etc., nunca deixam
descendentes diretos -e são em certa medida descartáveis.
Para Hamilton e companhia, uma pista crucial para entender a estrutura
social desses insetos está no sistema que usam para determinar o sexo
dos indivíduos, conhecido como haplodiploide.
Começando pelo fim: "diploides" são os organismos com dois conjuntos de
cromossomos, como os humanos, as abelhas rainhas e as abelhas operárias.
Criaturas haploides têm um só conjunto de cromossomos -é o caso dos
zangões.
Rainhas e operárias nascem da união entre fêmeas e machos, tal como nós.
Já os zangões são fruto da partenogênese (literalmente, "nascimento
virgem"), vindo ao mundo a partir de óvulos não fertilizados, botados
pelas rainhas.
Essa "esquisitice" teria uma consequência intrigante para a regra de
Hamilton. Por terem só uma cópia de cada cromossomo, os zangões legam
sempre os mesmos genes para suas filhas, a não ser que ocorram mutações
(se o genoma deles fosse como o nosso, duas filhas poderiam herdar, cada
uma, um cromossomo diferente).
Por isso, duas abelhas filhas do mesmo pai e da mesma mãe estão
geneticamente muito mais próximas uma da outra do que irmãos mamíferos:
compartilham 75% de seus genes. No entanto, o grau de compartilhamento
entre essas fêmeas e suas mães ou filhas ainda é o tradicional: 50%.
Quanto aos zangões, justamente pela presença de um único conjunto de
cromossomos no genoma deles, o compartilhamento cai para 25%.
Esses fatos simples, vistos pelo prisma da seleção de parentesco,
pareciam explicar o porquê da rainha solitária, destinada a trazer ao
mundo uma multidão de operárias depois de um único voo nupcial com
zangões. A monarca não passaria de uma máquina de fazer súditas, as
quais teriam muito mais "interesse" em produzir irmãs geneticamente
parecidas com elas mesmas do que em criar suas próprias filhas e filhos.
BRECHAS
O poder explicativo da seleção de parentesco teria
ajudado, portanto, a resolver o enigma da origem de alguns dos animais
mais bem-sucedidos da história da Terra. Afinal, embora formigas,
abelhas e vespas eussociais correspondam a apenas dezenas de milhares
entre cerca de 1 milhão de espécies de insetos conhecidas, esses bichos
não têm rival em número de indivíduos. Apenas as formigas correspondem a
um quarto do total da biomassa (o "peso" somado dos seres vivos) de
animais.
No entanto, uma praga devoradora de celulose sempre rondou essa
ortodoxia: o cupim. Mais aparentados às baratas, esses animais são
diploides, tal e qual mamíferos como nós, e mesmo assim são adeptos
refinados da eussocialidade. Em seu novo livro, Wilson mapeia o avanço
da pesquisa nas últimas décadas, revelando, em várias espécies, clara
adoção da vida eussocial sem o arranjo genético peculiar de abelhas e
formigas.
São seres como besouros, camarões e até roedores que habitam o subsolo
africano, entre eles o rato-toupeira-pelado (Heterocephalus glaber).
Mesmo no caso de abelhas e formigas, o mais comum é que a rainha se
acasale com múltiplos machos, anulando o efeito de proximidade genética
entre irmãs que poderia ser gerado pela haplodiploidia "de um marido
só".
O resultado desse novo conjunto de dados, argumenta Wilson, é que a
associação entre haplodiploidia e vida eussocial "deixou de ter
significância estatística".
SELEÇÃO DE GRUPO
Para Wilson, é muito mais simples pensar em
termos de seleção de grupo. Examinando o que há de comum entre os vários
tipos de espécies eussociais, ele afirma que esse estilo de vida
depende de vários pré-requisitos para emergir.
Um deles é a existência de um ninho "fortificado", facilmente defensável -um protótipo de colmeia ou formigueiro, digamos.
Outro passo crucial é quando modificações comportamentais, provavelmente
ligadas a mutações, levam os filhotes, ao se tornarem adultos, a deixar
de se dispersar e criar seus próprios ninhos, permanecendo com a
família e cuidando dos irmãos que vão nascendo. Dados experimentais
mostram que, nesses casos, estabelece-se uma divisão de trabalho natural
dentro da colônia, com o aparecimento de formas rudimentares de rainhas
e operárias.
Nesse contexto, afirma o biólogo, ganha a corrida evolutiva o ninho que
funcionar como a unidade reprodutiva mais azeitada -e a divisão de
trabalho e coesão proporcionadas pela vida eussocial representariam
enorme vantagem para os grupos altruístas, diz ele.
O argumento já seria suficientemente ambicioso se a proposta fosse
explicar apenas os insetos sociais, que são a especialidade de Wilson.
Mas ele também classifica os seres humanos como mamíferos eussociais,
ainda que de natureza bem distinta da dos ratos-toupeira-pelados.
Apoiando-se em dados arqueológicos e paleoantropológicos, ele vê os
hominídeos (ancestrais do homem) passando pelo processo de criação de
"ninhos" defensáveis ao adotarem o hábito de montar acampamentos de
caçadores-coletores. Assim como nas espécies eussociais, os acampamentos
abrigavam múltiplas gerações de indivíduos aparentados e lançavam mão
da divisão de trabalho para obter alimentos, defender-se de grupos
vizinhos e atacá-los.
"Invenções" tipicamente humanas, como a linguagem complexa, a arte e a
religião, seriam meios refinados para maximizar a coesão interna dos
grupos e prepará-los para o confronto com os demais.
"A questão é que os seres humanos não apresentam a divisão reprodutiva
de trabalho que vemos nos insetos", ressalva Klaus Hartfelder, biólogo
da USP de Ribeirão Preto que estuda o genoma das abelhas.
Para Wilson, as tendências altruístas humanas no interior dos grupos são
contrabalançadas pela seleção natural agindo nos indivíduos, com cada
um tentando maximizar seu próprio potencial reprodutivo à custa dos
demais.
O resultado é uma visão decididamente dualista da natureza humana: a
seleção de grupo é a mãe do que chamamos de virtudes, diz Wilson; a
seleção natural "individual", a fonte de todos os vícios. Ser humano
significa estar dilacerado por essas tendências opostas a cada momento
da vida.
RENASCIMENTO
Uma coisa é certa: os últimos anos viram um
renascimento dos estudos sobre seleção de grupo, embora a maioria dos
biólogos ainda relute em aceitá-la.
"Vinte anos atrás, a crítica à seleção de grupo era feroz. Era
considerado 'naïf' [ingênuo] ter ideias desse campo", conta Diogo Meyer,
biólogo evolutivo da USP. "O campo amadureceu, deixou de ser anátema.
Mas demonstrações teóricas e empíricas fortes a favor da seleção de
grupo ainda são modestas".
Uma objeção tradicionalmente levantada pelos que duvidam da seleção de
grupo tem a ver com a relativa vulnerabilidade das sociedades de
altruístas ao chamado "mutante egoísta". Num grupo em que predominam
altruístas, um sujeito desse tipo teria uma grande vantagem reprodutiva
em relação aos demais, e aquela população logo seria "invadida" e
dominada por descendentes dele.
Desde o fim dos anos 1990, no entanto, trabalhos de pessoas como David
Sloan Wilson (não é parente do outro Wilson) usaram modelos matemáticos
para mostrar que, em determinadas condições, a seleção de grupo pode
ocorrer. "Pode ser um evento raro", diz Gustavo Caponi, professor de
filosofia e história da ciência da Universidade Federal de Santa
Catarina. "Mas a evolução tem tempo de sobra para eventos raros
acontecerem."
Tais condições envolveriam, por exemplo, grupos relativamente bem
separados e homogêneos, de modo que a diversidade de comportamento fosse
menor no interior dos grupos do que entre um grupo e outro.
Para Charbel El-Hani, esse tipo de contexto pode favorecer a aplicação
que Wilson faz da seleção de grupo à evolução humana. "As culturas
humanas conseguem criar esse cenário", diz ele, ressaltando, no entanto,
que outros fatores igualmente importantes devem ter influenciado a
trajetória evolutiva de nossa espécie.
El-Hani lembra que até a avicultura fornece indícios em favor da seleção
de grupo: "Descobriu-se que, depois de um certo limiar, era muito
difícil aumentar a produção de ovos de galinha. É que, quando os
criadores selecionavam individualmente as galinhas mais produtivas,
essas acabam sendo também as 'nasty chickens' [galinhas malvadas], que
destruíam os ovos das outras." Quando a seleção passou a ser feita pelos
grupos que mais botavam ovos, a produtividade voltou a subir.
Apesar da crescente adesão à ideia de seleção de grupo, Wilson parece
pisar em terreno mais pantanoso quando diz que a seleção de parentesco
inexiste ou é desimportante.
Mesmo entre os supostamente harmoniosos himenópteros, conflitos de
interesse genético ocorrem com frequência, lembra Klaus Hartfelder,
referindo-se ao seu campo de especialidade, as abelhas domésticas. As
operárias, célebres por sua esterilidade, ainda assim são capazes de
produzir ovos por partenogênese, e uma rainha pode se acasalar com 20
machos diferentes antes de "constituir família". "O que acontece é que
as operárias tendem a destruir os ovos botados por outras operárias cujo
pai não é o mesmo que o delas", conta Hartfelder. Coisas parecidas
também se dão com formigas.
A acidez do debate está longe de amainar, mas o biólogo da USP vê com
tranquilidade a briga. "Essas posições fortes são importantes, é assim
que a ciência avança." E, se Wilson estiver certo, talvez esse seja mais
um resultado dos profundos instintos tribais que a evolução inscreveu
certa vez nos corações de um punhado de primatas bípedes.
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ILUSTRAÇÕES ANDRÉ FARKAS
Fonte: Folha on line, 24/06/2012
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