Todos os anos, pelo menos na Itália, são publicados muitos livros dedicados à relação entre ciência e fé. Esse assunto, considerado como "quente" e também um pouco pruriginoso, por causa das tempestades midiáticas cíclicas como as tempestades tropicais, mantém sempre desperta a atenção de leitores e editores. Não se pode inscrever esse fenômeno como uma simples moda passageira, até porque as modas, por si mesmas, não explicam nada, um pouco como quando as crianças perguntam o motivo das boas maneiras a se usar na mesa, e os adultos respondem "É assim que se faz e deu".
A análise é de Martino Doni, publicada no jornal Il Manifesto, 21-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao invés, é preciso tentar sondar de perto essas publicações. Elas, na maior parte dos casos, estão viciadas por condicionamentos ideológicos, por tensões internas e externas que levam a se militar pró ou contra alguma coisa. Inúmeros são os livros escritos por cientistas seculares que, com maior ou menor bom senso, se dirigem contra um verdadeiro ou suposto obscurantismo desenfreado.
Muitos são também aqueles escritos por homens da Igreja ou teólogos, que, por sua vez, em boa ou má-fé, se voltam contra um verdadeiro ou suposto cientificismo desenfreado. Às vezes, também se leem debates abertos entre uns e outros, cartas cruzadas em que as posições se misturam e se mediam reciprocamente.
Uma tentativa interessante nesse sentido é, provavelmente, o livro-entrevista de Philippe Harrouad, que se encontrou com Luc Montagnier, descobridor do vírus HIV e Nobel de medicina, e Michel Niaussat, monge cisterciense com 20 anos de experiência como capelão da prisão de Le Mans (Il Nobel e il Monaco. Dialoghi sul nostro tempo, traduzido por Monica Minati, Ed. Giunti, 2012).
Uma tentativa interessante, dizíamos, mas um pouco mais: o livro é um diálogo franco e sincero, mas a sua orientação é muito "jornalística" para chegar lá onde deveria, e o "nosso tempo" continua realmente apenas no título, enquanto aquilo que passa pelas páginas é a atmosfera um pouco crepuscular de dois idosos combatentes sediados em campos muito distantes.
Na verdade, quando se fala de fé e de ciência, trata-se quase sempre de diálogos entre surdos. Permanece constantemente clara a sensação de um profundo dissídio. Talvez seja justamente essa conflitualidade latente que torna um assunto como esse – decisivamente para paladares refinados – tão afortunado do ponto de vista dos meios de comunicação e não só. A incomunicabilidade, desde sempre, cria facções em luta, e isso produz efervescência, faz espumar o cinzume dos debates nos jornais.
São muito raros, ao invés, os casos em que tal dissídio, tal cisão se expressa dentro de uma única pessoa. Casos em que o discurso científico e o da fé saem, embora dilacerados e atribulados, pela mesma voz. Então, talvez, o centro das atenções é menos evidente, a voz é mais sutil, menos reboante, talvez mais sofrida e partícipe: como sempre, distante dos holofotes, adquire-se uma luminosidade própria, que os holofotes jamais darão.
Uma dessas vozes, hoje, é a de Michael Heller, cuja limpidez cristalina foi reunida, traduzida e editada por Giulio Brotti, para confluir em um volume ágil agradável, de capa muito simples e de título inequívoco: La scienza e Dio (Ed. La Scola, 175 páginas).
Bastaria a biografia de Heller para encher mais de um tomo da enciclopédia: sacerdote católico, nascido em Tarnów, na Polônia, em 1936, cosmólogo, filósofo, físico, matemático, vencedor do tão discutido quanto ilustre prêmio Templeton em 2008, inteiramente dedicado ao Centro de Pesquisa Nicolau Copérnico de Cracóvia, por ele fundado e dedicado justamente à teologia e à ciência natural.
O que chama a atenção em Heller é sobretudo a sua rejeição ao "concordismo", como diz Brotti, ou seja, a moda (essa sim) um pouco cansativa de liquidar questões controversas com fórmulas do tipo "dizemos a mesma coisa, só que com palavras diferentes". Concordismo e perseguição, por outro lado, têm o mesmo valor absoluto, muda apenas o sinal. Remover os problemas não serve. É preciso, ao invés, reconhecê-lo e elaborá-los com a devida honestidade.
Portanto, lendo a entrevista, capta-se muito bem a simplicidade evangélica que esse homem extraordinário conseguiu alcançar. Além de alguns obstáculos inevitáveis – e que sejam abençoados os obstáculos –, a conversa se distende ao longo das páginas com extrema clareza, provocando tanto as cordas da racionalidade e do rigor, quanto as da emotividade e do transporte. Mérito também, sem dúvida, da inteligência do entrevistador, que conseguiu organizar a massa de material de modo a torná-la imediatamente fruível até mesmo pelo leitor não especialista.
Simplicidade evangélica, portanto. Com efeito, não é fácil fazer ciência e fazer-se entender, especialmente quando estão em jogo questões de fé: Jesus não era um cientista e não deixou instruções a propósito. E então? Heller conta como esse tipo de esquizofrenia que ele sofria na juventude – quando tinha que se submeter aos ditames tomistas e ptolomaicos das faculdades teológicas pré-conciliares, ou quando tinha que enfrentar o dogma materialista da ditadura comunista – foi não tanto resolvido, mas sim reelaborado graças a uma vocação específica.
Assim como a clerical, a científica também é uma vocação: o mistério do cosmos e da natureza solicita e estimula as inteligências, exatamente como o mistério da fé. É um tema antigo que acompanhou toda a cultura europeia na Idade Média, mas que, quando surge nos nossos tempos, se apresenta com uma veste nova que leva à maravilha: mas como, não estávamos na época do desencanto? Qual mistério?
Heller, que viveu tanto a ciência quanto a fé até o fim, explica que não se trata de extrapolar um sentido estranho às práticas da pesquisa científica, mas que é preciso buscar o sentido dentro dessas mesmas práticas. Não filosofia da ciência, portanto, mas sim filosofia na ciência.
Ao contrário de muitos autointitulados especialistas em bioética, Heller não impõe diktats moralistas à pesquisa, mas deixa que surja a racionalidade da escolha ética, na convicção de que a própria realidade tem uma coerência própria que deve ser compreendida, não imposta ou colada de um modo acomodatícia.
Por isso, um dos "heróis" de Heller é Arquimedes, que não se contentou com o esquematismo platônico dominante nos seus tempos e colocou em primeiro plano a experiência mecânica, para depois harmonizá-la com a geometria. Da mesma forma, a cosmologia científica contemporânea, pelo menos da teoria do Big Bang em diante, não pode ser usada, segundo Heller, como argumento contra as questões da fé, exatamente como seria insensato sacudir as primeiras páginas do Gênesis para calar os cientistas: não são tanto duas posições contrapostas, mas sim duas modalidades de emersão de uma racionalidade profunda que a ciência e a fé são chamadas a sustentar, preservar e difundir.
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Fonte: IHU on line, 24/06/2012
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