Eduardo Hoornaert*
Na
sexta-feira, 22 de junho, o presidente do Paraguay, Fernando Lugo, foi
destituído do governo por um processo sumário de impeachment longamente preparado
e articulado pelo poder legislativo daquele país. Esse acontecimento me leva a
refletir sobre a relação entre estômago e política. A muitos, essa relação deve
parecer estranha, mas ela é muito real. Pois o fato é que o presidente Lugo,
por mais que o desejasse, não conseguiu alimentar o estômago dos paraguaios
mais pobres. Eis o que declarou, no dia 26 de junho, um dos líderes dos
‘carperos’ (os ‘sem terra’ do Paraguay): ‘A gente mede qualquer decisão do
governo através do estômago’.
Ao
longo dos três anos de seu governo, Lugo não tinha condições de encher o
estômago dos paraguaios, pois ficou preso nas teias de um sistema político que
lhe era adverso. Ele ficou sem apoio por parte do congresso nacional,
majoritariamente composto de latifundiários ou seus representantes. Por sinal,
a maioria das boas terras do Paraguay está nas mãos de brasileiros, que, antes
do governo de Lugo, foram se aproveitando das oportunidades excepcionais de
fazer agro-negócio numa terra praticamente sem lei. Foram esses brasileiros
que, juntamente com os latifundiários paraguaios, ‘cozinharam’ lentamente a
panela de pressão que chegou ao ponto de fervura no dia 22 de junho e resultou
na violenta ejeção de Lugo da cadeira presidencial. Os mesmos hoje se apressam
a tentar justificar a legitimidade do governo golpista.
Ao
ler os noticiários sobre esses tristes acontecimentos no Paraguay, lembro-me de
uma declaração do político inglês Churchill, durante a segunda guerra mundial:
‘os governos sempre tomam as decisões erradas, até o momento em que se atinge o
estômago das pessoas. Aí as coisas mudam rapidamente’. Na segunda guerra
mundial, os ingleses só se uniram contra a ameaça nazista depois de sentir no
estômago o que estava acontecendo.
"É
aqui que entra o cristianismo.
O que se lamenta, neste momento,
é o silêncio das
autoridades eclesiásticas.
Elas não parecem preocupadas
com o estômago das
pessoas,
pensam em outros assuntos.
Para o papa de hoje, parece
que as pessoas
não têm estômago."
Essa
relação entre estômago e política nos mostra a precariedade do sistema político
hoje vigente no mundo inteiro. Esse sistema pensa em dinheiro, não em estômago.
Pensa-se em preservar os bancos, ou seja, o sistema de lucro que hoje toma
conta do mundo. Isso vai continuar até o momento em que o estômago das pessoas
é atingido diretamente. Aí pode haver uma explosão de resultados imprevisíveis.
Pois a história ensina que as reações do estômago são perigosas. É como
resposta ao grito do estômago dos alemães que Hitler conseguiu subir ao poder
nos anos 1930. Oxalá o mundo de amanhã encontre figuras como Churchill, Adenauer
e outros, que conseguem pensar no estômago das pessoas e fazer política para
alimentar as bocas das pessoas, não as caixas dos bancos. Nosso futuro é ao
mesmo tempo fascinante e ameaçador, ele pode dar no melhor ou no pior.
É
aqui que entra o cristianismo. O que se lamenta, neste momento, é o silêncio das
autoridades eclesiásticas. Elas não parecem preocupadas com o estômago das
pessoas, pensam em outros assuntos. Para o papa de hoje, parece que as pessoas
não têm estômago. Ele só fala nos perigos do ‘relativismo’, da ‘secularização’,
das ‘seitas’, como fica claro na programação do próximo sínodo dos bispos a ser
celebrado em Roma no mês de outubro. Onde está o papa João XXIII? Na noite do
dia 11 de outubro de 1962 (faz 50 anos!), depois de anunciar pela manhã a
abertura do concílio Vaticano II, ele falou à multidão que estava reunida na Praça
São Pedro e significativamente pensou no dia-a-dia das pessoas. Ele disse as
seguintes palavras: ‘Voltando para casa, vocês encontrarão as crianças.
Façam-lhes uma carícia e digam-lhes: Esta é a carícia do papa’. Eis o que nos
falta hoje: a carícia de um papa que pensa no estômago da gente! Quem quiser
conhecer melhor esse memorável discurso de João XXIII, consulte os trabalhos do
padre José Oscar Beozzo pelo Google. A carícia do papa no rosto das crianças! O
papa se sente bem quando pensa que as crianças dormem bem, ‘de estômago cheio’.
Hoje, somos carentes dessas palavras. Nunca mais ouvimos palavras desse tipo
saindo de Roma. Penso que o papa João XXIII foi o último papa em pensar em
carícia, beijo, estômago, boca e corpo, ou seja, nas necessidades básicas das
pessoas, em vez de pensar na preservação de seu poder.
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* Padre casado, belga, com mais de 5O anos
de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Mora em
Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do cristianismo
Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=68265
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