Sempre adorei televisão. Lá em casa ninguém era tão chegado quanto
eu, desde criança. Quando comecei a faculdade de jornalismo e minha mãe
vinha reclamar porque eu não saía da frente da telinha no final de
semana, minha desculpa era sempre a mesma: “Sou uma comunicadora. Tenho
que ver o que passa na TV”. Ou então: “Até pra falar mal a gente tem que
ter conhecimento de causa”.
Porque
pelo menos 50% do que eu via na televisão era ruim. Era apelativo, era
de mau gosto, parecia mais deseducar do que ensinar algo de útil. Mas o
que é bom gosto? E a TV tem a função de educar?
Essas eram questões que sempre me acompanhavam. E são algumas que o
projeto Sonhar TV aborda e tenta deixar mais claro pra todo mundo.
Começou com um site (www.sonhar.tv),
com depoimentos de diversas pessoas relacionadas ao universo
televisivo, e deu mais um passo na última semana, com a realização do 1º
Seminário Sonhar TV, realizado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
Tadeu Jungle iniciou brilhantemente o dia, provocando o público
presente com interrogações fundamentais para a discussão sobre o futuro
da televisão: com tanta notícia e conteúdo, a conta vai fechar?; o
mercado será dono do conteúdo?; o merchandising será dominante?; como a
sociedade pode se mobilizar para construir uma TV melhor?; o que virá
depois do FB e Twitter?; onde estamos e para onde estamos indo?
“O futuro é criado a partir da tradição. Se não soubermos o que
somos, não vamos conseguir inovar”, lembrou o curador do projeto Sonhar
TV, Newton Cannito, ainda na mesa de abertura do evento, ao lado de
Paulo Schmidt, diretor presidente do Grupo INK, da professora Maria Dora
Mourão, presidente da Sociedade de Amigos da Cinemateca, de Carlos
Wendel de Magalhães, diretor executivo da Cinemateca Brasileira, e da
Secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Ana Paula Santana.
“A TV brasileira é uma das indústrias que menos tem retorno de
inovação, porque o modelo de negócios é muito fechado. Mas a TV é um
ambiente que exige muita criatividade e coragem. O público não é um só,
existem segmentos. Televisão é diálogo, mas alguns dilemas travam o
debate”, completou Cannito, lembrando ainda que as pessoas falam que TV é
entretenimento como se fosse uma coisa negativa, errada. “Mas
entretenimento é preciso. A TV não deve ter a educação como único
paradigma. É cultura, entretenimento. Getúlio tentou fazer que o cinema
fosse educativo, não deu certo. Cada um é o que é.”
Mas a TV dá informação e constrói caráter, na medida em que as
crianças brasileiras passam mais de cinco horas na frente da televisão,
como afirmou a secretária Ana Paula Santana. “A internet não vai
substituir a televisão, porque ela é o único meio capaz de criar o
hábito no telespectador”, apontou.
Para ela, digital é somente uma nova forma de produção, exibição e
fruição. Não é movimento, não é conceito. É forma, é instrumento. “O que
a sociedade que utiliza esse formato deve pensar é na inovação que
criou o digital, para criar novas ideias, e não replicar ideias antigas
numa nova forma. É isso que é evolução criativa e é o que a gente
busca”, concluiu.
O empresário Luis Calainho, da L21Participações, encerrou a primeira
parte do evento apresentando qual seria o seu modelo de TV dos sonhos.
“Não dá pra deixar o comercial de lado, mas vamos pensar num comercial
diferente. A intenção da minha TV dos sonhos é uma TV que inspire as
pessoas. A programação hoje praticamente entorpece a pessoa.
Essencialmente, não promove questionamento, mudança. A TV tem um poder
imenso e, se o país quer crescer, tem que inspirar as pessoas”, afirmou.
Liquidificador – Diretor da Central Globo de
Comunicação, Luis Erlanger abriu os trabalhos na parte da tarde com a
afirmação de que a televisão é um eletrodoméstico, que muito se
assemelha a um liquidificador. Além de ser o segundo mais vendido no
Brasil – só perdendo para o fogão.
Em uma apresentação cheia de provocações, criticou a venda de horário
na TV e a classificação indicativa “impositiva”, afirmou que a TV deve
ser laica e que “jornalismo é o Roda Viva, não o Jornal Nacional”, e
disse que um dos maiores aliados na divulgação do BBB são os blogs que
falam mal do programa. “Esses são espectadores fieis, assistem todo
dia”, disse. Também afirmou que, para ele, a rede mais individual é a
internet – “o paraíso da solidão compartilhada”.
“A rede social aproxima os distantes e distancia os próximos. Mas a
rede das redes é a televisão. O seu grande papel é ser cuidadora, uma
rede de proteção da sociedade, dando dados para que ela se defenda de
doença, governo, corrupção… e que dê sentimento de pertencimento e nos
defenda da solidão do indivíduo”, completou.
Para ele, é preciso definir o papel de cada linha de televisão. “A
televisão dos sonhos é a que seja plural, não só em termos de conteúdo,
livre e que tenha bem estabelecido o que é privado, público e estatal.
Cada qual tem que ser cobrada pelo papel que deve desempenhar. As regras
só vão funcionar legal quando estiver muito bem definido o papel de
cada uma das televisões.”
Crianças – Presidente do Midiativa, Centro
Brasileiro de Midia para Crianças e Adolescentes e diretora geral do
ComKids, Beth Carmona disse acreditar em uma TV que possa oferecer
conteúdos para interesses diferentes, com tons e abordagens diversos,
apresentando conteúdos para todos os gostos e públicos. “Já vemos canais segmentados, mas temos muitos caminhos a explorar. Essa TV ainda nos deve isso”, disse.
Nesse sentido, é imprescindível que haja produção em quantidade e de
qualidade feita especialmente para crianças. “Elas são volúveis,
exigentes e abertas às novidades. Quero cada vez mais trabalhar com essa
criança, que vai consumir audiovisual a vida inteira”, apontou,
lembrando que os programas nacionais infantis da TV Cultura tiveram a
felicidade de ter o input de produtores independentes. “Eles
contribuíram para o sucesso dessa programação, que foi muito
experimental e de risco, oferecendo programas pré-escolares às 19h. A TV
Cultura teve aí dois dígitos de audiência, o que nunca tinha
acontecido.”
Ao ouvir Beth Carmona falando sobre isso, foi inevitável pensar: se
os produtores independentes fizeram tanto pela TV Cultura e pela
programação infantil na nossa televisão, imaginemos o quanto ainda podem
fazer pela TV como um todo?
Para Beth, a TV é uma janela, que cria repertório comum entre todos,
por isso deve estimular o encontro, a troca de ideias, a conversa, o
debate. “É uma janela em movimento, que precisa ser reinventada
constantemente.”
Mas e a tal da qualidade? “Qualidade é um conceito subjetivo,
flexível, mutante e imprescindível”, afirmou. “Se pratica com boa
formação, criatividade, ética e profissionalismo. Qualidade se
transforma no tempo e no espaço e tem relação direta com o conteúdo em
que está inserido.”
Por isso, o produtor/diretor de TV deve ser um profissional completo e
complexo, buscando atualização constante e conhecimento de mundo. “A
cultura latino-americana passa longe da nossa tela. Vemos a TV do Japão,
mas não vemos a TV da Argentina”, alertou Beth.
A TV dos sonhos ou o sonho da TV? – Selecionado pela
revista americana Fast Company uma das 100 pessoas mais criativas no
mundo dos negócios, Lourenço Bustani fez uma apresentaçãoo repleta de
provocações: Quem são os integrantes do sistema da televisão? Que tipo
de interação conseguimos ver? É um sistema saudável ou em crise?
Para ele, a TV do futuro vai passar por mudanças tecnológicas, mas
também por uma nova consciência humanitária. “Tudo vai muito além da TV
em si”, afirmou, concluindo com outra provocação: “O que seria uma TV
onde todo mundo sai ganhando?”
Para o especialista em comunicação e entretenimento e diretor geral
do Annenberg Innovation Lab, Jonathan Taplin, a TV do futuro é a
transmídia. “O futuro é algo customizado. E tudo é TV (iPad, celular…). O
número de canais de TV vai diminuir, mas vai aumentar a possibilidade
de ver TV em outros dispositivos, via broadcast. Tablet cresce mais
rapidamente que celular, TV, videogame… se não nos ligarmos a isso, que
isso é a nova TV, estaremos perdendo”, afirmou.
O futuro da TV, segundo Taplin, também está relacionado à
interatividade de quem vê e comenta nas redes sociais. “Se a TV não
envolver cultura participativa, não é TV do futuro. Se não se envolver
com redes sociais, não é TV do futuro. Hoje as pessoas gastam muito do
seu tempo nas redes, mais que vendo TV. Nos EUA já se usa essa métrica
para medir a audiência dos programas”, contou.
Taplin acredita que o Brasil tem tudo para ser uma potencia mundial
no futuro da televisão, com todos os quilômetros de fibra ótica aqui
existentes. Mas isso só vai acontecer se o país disponibilizar essa
tecnologia para a população. “Se os brasileiros tivessem acesso a todos
os cabos de fibra ótica que existem aqui, o cinema e a TV seriam muito
melhor. Artistas e cientistas precisam conversar mais. Quando eles fazem
isso, coisas maravilhosas acontecem.”
Encerrando o seminário, o
jornalista e ensaísta colombiano Omar Rincón disse que a TV é uma
máquina: narrativa, industrial, emocional, social, política e de
produção da cultura popular contemporânea. “Passamos da audiência para
fãs cidadãos; de uma cultura letrada para uma cultura de
passagem/experiência; de uma sociedade de meios a uma de convergência de
telas; de uma sociedade de audiência para uma sociedade de expressão”,
indicou.
Para ele, a TV deve continuar sendo o lugar do popular. “Que tenha
mais gente de verdade e menos celebridade, que inove nos formatos, que
chegue às pessoas – mas não necessariamente que tenha um conteúdo
inteligente, que converse com o cidadão, que emocione, incomode.”
Eu saí da Cinemateca incomodada. Mas no bom sentido. Pareceu-me que,
mais do que nunca, somos muitos não só vendo e pensando a televisão, mas
caminhando para praticar uma televisão melhor.
Clique aqui para ler a entrevista com Newton Cannito sobre o projeto Sonhar TV.
http://www.culturaemercado.com.br/entrevistas/sonhar-tv-levanta-discussao-sobre-o-que-seria-a-televisao-ideal/
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* Mônica Herculano é jornalista e produtora cultural. Diretora de redação
de Cultura e Mercado e editora do www.uiadiario.com.br. Twitter:
@nicklanis
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Fonte: http://www.culturaemercado.com.br/
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