domingo, 17 de junho de 2012

Machado e o sensacionalismo

Juremir Machado da Silva*
<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Tudo parece se repetir como novidade. O novo não passa, na maioria das vezes, de uma nova roupagem do velho. Temos hoje uma disciplina chamada Crítica de Mídia. Ela foi criada por Balzac e Machado de Assis. O crítico de mídia Balzac pode ser lido em "Os Jornalistas". É dele esta frase definitiva: "Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la". Machado de Assis, que não chegou a ser um modelo de combate à escravidão, mandou melhor na denúncia do sensacionalismo jornalístico da sua época. Criticou, por exemplo, um "erotismo de publicidade". Nada se inventa.

Machado de Assis mostrou a sua verve crítica em "Balas de Estalo" e outros textos. Roberto Ramos, em "Os Sensacionalismos do Sensacionalismo" (Sulina), cita Machado de Assis, como outros autores também o fazem, como um pioneiro. Machado detonou a cobertura da Guerra de Canudos, as sucessivas expedições fracassadas do Exército brasileiro para tentar desbaratar um bando de sertanejos. Antes do coice dado por Machado, o enviado especial cobria o confronto sem sair de Salvador. Faria escola. No futuro, não seriam poucos correspondentes de guerra a ficar confortavelmente instalados em seus hotéis imaginando as cenas das frentes de batalha. O professor Marcos Fabrício Lopes da Silva, em "Machado de Assis, Crítico da Imprensa Sensacionalista", revela o quanto o posicionamento do escritor mudou a cobertura do fato.

Marcos Fabrício explica: "Machado dedicou uma série de crônicas para tratar desse espinhoso assunto, sendo a última delas um divisor de águas para o fazer jornalístico em tempos de guerra. Salienta o cronista que Antônio Conselheiro, sem direito à defesa, foi tachado de ''fanático'', ''salteador'', ''inimigo número um da República'', e a imprensa abraçou esses rótulos com base apenas em fontes do governo, sem investigar se tais avaliações tinham fundamento ou não, sem ouvir e publicar a versão dos sertanejos. Quanto a isso, Machado se posicionou de forma explícita e incisiva: protesto contra a perseguição que se está fazendo à gente de Antônio Conselheiro". Os jornais foram obrigados a se mexer. O Estado de S. Paulo mandou um certo Euclides da Cunha para o "centro das operações". Um outro episódio apareceu.

Ficou marcado, nas palavras de Marcos Fabrício, o grito do escritor convertido em intelectual, aquele que atua fora da sua especialidade, na "esfera pública": "Machado foi ousado ao denunciar que ''nenhum jornal mandou ninguém aos Canudos'' e aproveitou a oportunidade para apontar um caminho em prol de uma apuração verdadeiramente qualificada dos acontecimentos: o envio, para a região do semiárido baiano, de ''um repórter paciente e sagaz, meio fotógrafo ou desenhista, para trazer as feições do conselheiro e dos principais subchefes'' e que pudesse construir, assim, a ''verdade inteira'' sobre os fatos". Na época, ainda se acreditava na "verdade inteira dos fatos". Hoje, como método para mostrar a parcialidade da mídia, decretou-se que a verdade é impossível. Fica então o paradoxo: o lamento e a crítica feroz por não se produzir algo impossível.
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* Escritor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER  
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 16/06/2012

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