sábado, 30 de junho de 2012

Cuidado com os gurus

WALCYR CARRASCO*
 
Aconteceu há muitos anos. Estava relaxado numa poltrona, num sobrado em San Francisco, nos Estados Unidos. Uma senhora gorda, esparramada a minha frente, me induzia a um transe. Falava em inglês que reproduzo traduzido:
– Você está vendo uma luz. Aproxime-se. Deixe que o Ser tome conta de você.
– Simmmmm...
Eu me sentia vibrando com o Universo.
– Permita que o Ser responda pela sua boca.
Uma força tomou conta de meu corpo.
– Aqui estooou...
– As energias deste rapaz são puras, oh, Ser?
– Sim... ele é um iluminado – respondi, tomado de sabedoria.
– Deve receber as energias da senda?
– Ooohhhh... sim, sim.
– Devo fazer sexo com ele?
Despertei subitamente. Com os olhos semicerrados, observei a senhora de lábios brilhantes a minha frente.
– Nããããoooo.... vosso caminho é puro – continuei, em voz cavernosa.
– Oh, mas seria melhor para unir nossas energias.
– Não, não! – disse, mais preocupado.
Ela me despertou. “Como foi? Não lembro de nada”, disse. “Ainda há um caminho a trilhar”, ela respondeu.
Desisti dos próximos passos. Tive uma amiga chilena que largou marido e filhos para integrar-se a um templo em Los Angeles. Fazia parte dos eleitos de um guru para salvar a humanidade na guerra nuclear. Com meditação e exercícios, tais eleitos seriam transformados em pilha de energia positiva para reverter o Armagedon. A escolha movimentou um grande número de pessoas, de várias nacionalidades, interessadas em virar pilha. O desprendimento da vida material incluía limpar o templo, pois iluminados não contratam faxineiras. Cinco dias depois de deixar a família e o saldo bancário para trás, minha amiga esfregava o chão. De repente, sentiu duas mãos em seu traseiro. Era o guru.
– Mestre! Que é isso? – disse ela.
– Sou guru, mas também sou homem – ele respondeu, apertando um pouco mais.
A chilena fugiu com as malas pela neve.
Antes de continuar, quero deixar claro que sou espiritualista. Gosto de rezar. Acredito em outras vidas. Em energias positivas. Mas mantenho o espírito crítico. Gurus me assustam pelo poder que exercem sobre seus adeptos. E sempre há um candidato a guru por perto. “Conheço uma mulher que teve uma visão sobre você. Viu uma sombra muito negativa. Marque um encontro!”, me disse um amigo, dia desses.

 "Mas a grande pergunta ainda é: 
por que uma pessoa precisa de alguém que lhe 
diga como deve viver?"

Eles me assustam pelo poder exercido sobre os adeptos – e sempre há um candidato a guru por perto 
Corajosamente, recusei-me a conhecê-la. Não preciso de um baralho para saber a continuação. Ela me dirá o que devo ou não fazer com minha vida. Eu, hem! Candidatos a guru têm técnicas. Uma é avisar sobre riscos, como no meu caso. Outra, falar sobre reencarnações anteriores em que a nariguda de hoje foi a Maria Antonieta de ontem; e o baixinho, Alexandre, o Grande. Elogios disfarçados também valem. Um amigo conheceu uma senhora que olhou para seu rosto e disse:
– Você é uma alma antiga.
– Sim, sim! – disse animado.
– Tem uma missão nobre na Terra.
– Sempre acreditei nisso!
Quem não quer se sentir um anjo?
Há gurus de todos os estilos: hindu, budista, celta, bruxo medieval, Nova Era. Todos pregam o abandono da vida material e a completa submissão. Conheci uma mulher que, em prol do crescimento interior, mudou-se para uma comunidade em Campos do Jordão, São Paulo, abandonando a profissão. Anos depois, procurava emprego como doida. Um conhecido quase perdeu a mulher ao entrar numa seita que obrigava a castidade umas três vezes por semana. Outro se filiou a uma que praticava o sexo para a purificação. O grupo quase acabou no Brasil: os rituais se transformaram em farra, e veio o descrédito.
A intensidade do poder de um guru é inacreditável. Nem sempre seu interesse é o dinheiro. Há gurus que querem viver bem. Muitos não se preocupam com isso. Gostam de comandar vidas. Nem é preciso lembrar tragédias como a provocada pelo americano Jim Jones, que levou 918 pessoas ao suicídio em 1978. Nos Estados Unidos, há terapeutas especializados em tratar pessoas abduzidas por gurus e resgatadas pela família.
As religiões tradicionais saem ganhando, pois suas estruturas impedem o domínio absoluto de um mestre sobre o grupo. Mas a grande pergunta ainda é: por que uma pessoa precisa de alguém que lhe diga como deve viver?
De Jesus a Buda, os grandes mestres aconselham a busca interior como caminho de evolução. Tanto na vida prática como na espiritual. É uma prova de sabedoria. O melhor guru é o que cada um tem dentro de si.
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* Jornalista. Autor de livros, peças teatrais e novelas de televisão.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/vida/walcyr-carrasco/noticia/2012/06/cuidado-com-os-gurus.html
Imagem da Internet

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