O jeito que você administra sua vida financeira revela muito do seu inconsciente; dificuldades para lidar com a grana causam mais neuroses do que problemas sexuais, diz psicanalista
Diga-me como você usa o dinheiro e eu lhe direi quem você é.
Independentemente das taxas de juros ou das regras da poupança em vigor,
a forma como cada pessoa leva sua vida financeira está muito mais
ligada a aspectos de sua personalidade do que ela gostaria de imaginar.
Como ferramenta para desvendar o inconsciente, o dinheiro é o novo sexo,
segundo o psicanalista venezuelano Axel Capriles, autor de "Dinheiro -
Sanidade ou Loucura" (ed. Axis Mundi, 192 págs., R$ 32).
"O papel que a sexualidade desempenhou para a psicologia de Freud foi
trocado pelo complexo do dinheiro. Há muito mais loucuras e doenças
associadas ao dinheiro do que ao sexo", afirma o psicanalista.
AVAREZA
Embora não tenha dado essa mesma ênfase à força da moeda, Freud não
deixou de apontar o seu papel na mente e no comportamento humano. A
avareza, especialmente, foi objeto de estudo do pai da psicanálise.
Na teoria freudiana, a relação com o dinheiro está ligada à fase anal.
"As fezes são o primeiro objeto de troca, a primeira coisa que a criança
tem para negociar", diz o psicanalista Jorge Forbes.
Segundo Freud, o jeito que a criança negocia o afeto da mãe, retendo as
fezes, por exemplo, influencia a forma que ela vai lidar com sua vida
financeira no futuro.
Para Forbes, o trato com o dinheiro não é um carimbo para determinar um
tipo de personalidade, mas pode, sim, dar pistas de quadros
psicológicos.
Assim, uma neurose obsessiva pode se manifestar no pão-durismo; o desdém
pelo dinheiro pode ser uma histeria e o esbanjamento, um quadro
maníaco.
Mas essas patologias entram na conta-corrente de todo mundo? "São
extremos, mas essas características entram na vida cotidiana de cada um,
o que há é uma diferença de grau", diz Forbes.
CONTA CONJUNTA
Doenças à parte, alguns especialistas estudam problemas da vida comum -afinal, quem nunca se viu enrolado em dívidas?
A socióloga e consultora Glória Maria Garcia Pereira, autora de "As
Personalidades do Dinheiro" (ed. Campus, esgotado), afirma que há
padrões de personalidade inconscientes que determinam nossa relação com
dinheiro e que a chave para não sofrermos com a ciranda financeira é
descobri-los.
"Quando a pessoa compreende como [os padrões] funcionam, é um alívio
incrível. Não precisa mudar sua personalidade, mas aprender a lidar com
ela para não sair prejudicada."
A relações-públicas Carolina Decresci, 27, que levou mais de um ano para
sair do vermelho, descobriu o quanto era desorganizada na hora em que
sua dívida do cartão de crédito estourou.
"Minha conta bancária era como meu guarda-roupa, uma bagunça total. Mas
são coisas que só eu mexo, ninguém vê nem sabe o que está acontecendo."
Quando a situação ficou inadministrável, ela teve que tirar do armário
esse aspecto de sua personalidade. "Surpreendi as pessoas, achavam que
eu era tão certinha..."
ALÉM DA PLANILHA
Ao lidar com dinheiro, não dá para escapar da matemática de somas e
subtrações. Mas as contas não fecham só por uma questão de cálculo.
Entre as emoções que interferem no saldo final, culpa, medo e
autossabotagem são as mais comuns, segundo Christian Barbosa, consultor
em produtividade e administração do tempo.
Difícil é abrir esses dados na conta pessoal. "É mais fácil falar de
sexo do que de grana. Quando a pessoa fala de seu dinheiro, está expondo
suas competências e sua vida privada", diz a psicóloga Valéria
Meirelles, que prepara uma tese sobre o tema.
Já o psicanalista Jorge Forbes acha que tanto dinheiro quanto sexo
deixaram de ser tabus. "As pessoas falam abertamente só porque tratam o
sexo com objetividade e o dinheiro sem emoção, mas os dois carregam
sempre uma carga afetiva. As necessidades se resolvem na planilha, mas
os desejos, não."
O que não implica que só se resolvam com uma descida às profundezas do inconsciente ou das agências de proteção ao crédito.
As emoções do dinheiro estão ligadas à nossa disposição para correr
riscos, diz o neurocientista Álvaro Dias, do Laboratório de
Neurociências Clínicas da Unifesp. Ou a quanto o prazer de ganhar supera
o desprazer de perder.
Segundo Dias, os estudos mais recentes mostram que essas tendências são
flexíveis, mudam conforme o ambiente e as regras do jogo. Quer apostar?
Escravo
Ele vive para pagar contas e se sente obrigado a fazer o que não quer
por causa disso. Coloca-se no papel de vítima (do 'sistema', dos
patrões, da família, dos credores) e o dinheiro para ele se torna um mal
do qual não quer escapar. É movido por raiva e medo -a primeira por ter
de se submeter à 'escravidão' e o segundo por não saber como sobreviver
fora dela
Desligado
Não ligar para dinheiro pode até parecer uma vantagem, mas essa
característica costuma estar relacionada à imaturidade. O desligado não
honra compromissos e se acomoda no papel de dependente (econômico e
emocionalmente). Pode ser alguém realmente desapegado, mas também pode
ser um egoísta que não quer se comprometer com as necessidades dos
outros nem sofrer com as suas
Avarento
É a pessoa que nega, retém, não troca. Guarda para uma ocasião futura
que não chega, adiando um prazer imaginado, mas nunca usufruído. O medo
de perder e de sofrer é maior do que um incerto prazer obtido. Para
afastar esses medos, quer controlar tudo: ganhos e gastos. Costuma ser
inseguro e carregar sentimentos de culpa, porque, na cultura ocidental, a
avareza é moralmente condenada
REVOLTADO
Tem raiva do dinheiro (e da falta dele) e não gosta de falar no assunto.
Pode expressar imaturidade e dificuldade em lidar com limitações. Em
alguns casos, a revolta representa um desejo de autoafirmação; em
outros, reflete um ambiente cultural em que o dinheiro é considerado
algo 'sujo' e perverso
Esbanjador
Compra o que quer e o que não quer, tendo como bancar o gasto ou não. Se
está alegre e quer se divertir, gasta. Se está triste ou frustrado,
gasta mais ainda. É impulsivo e imediatista. É comum o gastador ser uma
pessoa extrovertida e se socializar facilmente, mas esse tipo de
personalidade financeira também pode ser um comportamento de pessoas
depressivas
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Reportagem por IARA BIDERMAN DE SÃO PAULO
Fonte: Folha on line, 12/06/2012
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