Por Michel Aires de Souza
A partir da
segunda metade do século XX a civilização ocidental passou por mudanças
profundas na cultura. O mundo físico e simbólico do homem moderno
transformou-se de tal maneira que, se um paciente entrasse em coma na
década de quarenta e acordasse na década de setenta, ele ficaria
perplexo com as mudanças. Ao sair do hospital perceberia de imediato que
as pessoas usavam blue jeans e não mais terno e chapéu. Ficaria
impressionado ao ver jovens com cabelos compridos usando roupas
coloridas e psicodélicas. Ficaria admirado com uma Ferrari 365GT bem
diferente do Ford Cabriolet de sua época. Também se encantaria com a TV
em cores, com os milhares de eletrodomésticos, as modernas geladeiras e o
rádio tocando rock and roll. Ficaria chocado com as mudanças nas
relações entre as pessoas, na conduta sexual e nos padrões de
comportamento. Para Hobsbawn “a revolução cultural de fins do século XX
pode assim ser mais bem entendida como o triunfo do indivíduo sobre a
sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres
humanos em texturas sociais. Pois essas texturas consistiam não apenas
nas relações de fato entre seres humanos e suas formas de organização,
mas também nos modelos gerais dessas relações e os padrões esperados de
comportamento (…)” (HOBSBAWN, 2001, p.328).
Essa revolução cultural não
aconteceu por causa do avanço das novas tecnologias ou por causa de
mudanças nas estruturas sociais, mas decorreu de uma mudança nos padrões
de conduta sexual da juventude. Foi a liberalização sexual entre as
décadas de 60 e 70 que acabou por modificar o comportamento, as relações
entre os indivíduos e os padrões morais de conduta colocando o
individuo como o centro da nova sociedade de consumo que estava se
constituindo.
Para Hobsbawn (2001, p.
314), a melhor abordagem dessa revolução cultural, que começou na década
de 60 e se estendeu até a década de 70, pode ser mais bem compreendida
através da família e da casa, isto é, através de relações entre os sexos
e as gerações. Aquele casamento formal, de um casal com filhos, que
durava toda vida, cujo chefe de família era o homem começou a se
desintegrar. As mudanças que aconteceram foram mundiais. Por exemplo, na
Inglaterra e no País de Gales existia em 1938 um divórcio para cada 58
casamentos. Já nos anos 80 existia um divórcio para cada 2,2 casamentos.
Nos países fortemente católicos como Bélgica, França e Países Baixos
entre as décadas de 70 e 80 o número anual de divórcios por mil
habitantes triplicou. Nessa época o parto de mães solteiras também
começou a se multiplicar. Na Suécia dos anos 80 metades dos partos eram
de mães solteiras. Nos Estados Unidos em 1991 quase 70% de todas as
crianças negras eram de mães solteiras.
Outro fato bastante importante
mostrado por Hobsbawn (2001, p. 316) é a quantidade de pessoas vivendo
sós. No começo do século até o final da década de 50 existiam apenas 6%
de pessoas vivendo sós na Inglaterra, mas nos anos 60 já eram quase 22%
das casas. Nesse período metade das casas das grandes cidades do
ocidente eram de pessoas vivendo sozinhas. O número de casas com um
casal e filhos estava cada vez mais se retraindo. Só nos Estados Unidos,
entre as décadas de 60 e 80, essas famílias caíram de 44% de todas as
casas para 29%.
A década de 60 representou um período de grande liberdade sexual para as mulheres, jovens e homossexuais. Os seres humanos não precisavam mais se preocupar com o diagnóstico de Freud de
que a liberdade sexual seria incompatível com a vida civilizada. Os
indivíduos não precisavam mais sublimar seus desejos e impulsos para a
manutenção da civilização. O mundo estava em constante mudança, com
grande abundância material, transformação tecnológica e inovação
cultural.
No centro dessa nova liberdade
estava o jovem, que representou papel crucial nas mudanças que o mundo
estava sofrendo. Foi nessa época que surgiu a pílula anticoncepcional, o
amor livre e os movimentos de emancipação feminina. Era a época de
Monterrey, da Woodstock, das comunidades Hippies e dos dramáticos
protestos contra a guerra do Vietnam que culminou nos movimentos de
liberdade no ano 1968. Os jovens através de seu estilo de vida
desafiaram os sistemas de valores estabelecidos. Eles questionavam
abertamente as autoridades e buscavam construir uma nova cultura. “A
partir de um certo momento começou a ser cada vez mais comum o emprego,
em contextos diversos, da expressão conflito de gerações. Falar então
de conflito de gerações era tocar em um problema essencialmente
político. Não se tratava de um fenômeno episódico e particular, mas de
um foco importante de contestação social de nossa época. O espaço
privado e íntimo da família – palco por excelência destes conflitos –
ganhava ares de arena política. Houve quem dissesse que a ‘revolução’
havia chegado às salas de visitas de algumas das mais pacatas famílias
burguesas ou mesmo sentado à mesa de jantar. Ao invés de encontrar seu
inimigo de classe no operariado das fábricas – afirmam alguns -, a
burguesia o encontrava na figura de seus filhos cabeludos (PEREIRA,
1988, p. 25).
Naquela época surgiram às vozes
da cultura jovem na literatura, na música e no cinema. Na literatura
surgiram nomes como Jack Keruac, Ginsberg, Gregory Corso, Bukoviski. Na
música surgiram Bob Dylan, Janis Joplin, Brian Jones, Bob Marley. No
cinema James Jean e James Hopper tornaram se ícones da expressão
cultural juvenil. Muitos desses ídolos foram vítimas de seus estilos de
vida. Era uma nova cultura do individualismo, um novo romantismo, onde
viver intensamente seguindo seus próprios sonhos era um imperativo
categórico.
O jovem cada vez mais tomava
consciência de si mesmo como ser autônomo livre e autor de sua vida. A
liberdade significava se desvencilhar dos valores, das normas e das
imposições da cultura vigente e poder escolher sua própria vida,
seguindo seu próprio caminho. Os valores gregários, os bons costumes, a
moralidade, a família, a igreja cada vez mais perdia espaço para a
liberdade individual. Estava surgindo novos modos de pensar, de agir e
de se relacionar com o mundo, assim como novos significados, valores e
símbolos que substituíam os antigos da cultura ocidental. “Não se
tratava da revolta de uma elite que, embora privilegiada, visasse uma
redistribuição da riqueza social e do poder em favor dos mais humildes.
Nem de uma revolta de ‘despossuídos’. Ao contrário. Era justamente as
camadas altas e médias dos grandes centros urbanos que, tendo pleno
acesso aos privilégios da cultura dominante, por suas grandes
possibilidades de entrada no sistema de ensino e no mercado de trabalho,
rejeitava essa mesma cultura de dentro. E mais. Rejeitavam-se não
apenas os valores estabelecidos, mas basicamente, a estrutura de
pensamento que prevalecia nas sociedades ocidentais” (PEREIRA, 1988,
p.23).
Os jovens conscientes de si
mesmos cada vez mais começavam a se tornar interessante para as
indústrias de bens de consumo. A indústria fonográfica foi uma das
primeiras a fazer fortunas com a venda de discos de rock, que vendia
quase toda sua produção para os jovens. Nessa época começou a se
popularizar as indústrias de cosméticos, de cuidados com os cabelos e de
higiene pessoal. A cultura juvenil “tornou-se dominante nas ‘economias
de mercados desenvolvidas’, em parte porque representava agora uma massa
concentrada de poder de compra, em parte porque cada nova geração de
adultos fora socializada como integrante de uma cultura juvenil
autoconsciente, e trazia as marcas dessa experiência (…)” (HOBSBAWN,
2001, p.320).
A década de 60 representou uma
época industrialização, onde a energia era abundante e barata, com
grandes invenções, sobretudo no campo da microeletrônica. As indústrias
de eletrônicos e de produção de automóveis prosperaram, surgindo daí as
grandes multinacionais. “Em termos econômicos, um dos fatores
fundamentais dessa prosperidade foi justamente a incrível expansão
dessas grandes companhias, favorecidas pela ação dos principais Estados
capitalistas. Atraídas por mão de obra barata e abundante ou por grandes
mercados potenciais e, logicamente, por garantias políticas, as
multinacionais, sobretudo americanas, atravessaram todas as fronteiras
nacionais – realizando o que se chamou de internacionalização da
economia -, dominando a economia mundial e ligando o mundo em dimensões
planetárias” (PAES, 1995, p.12).
Os jovens ajudaram a
internacionalizar a economia. Foi graças a eles que a cultura americana
começou a se expandir. O blue jeans, a moda e o rock começaram a se
mundializar. A música americana passou a ser ouvida por jovens do mundo
todo. O cinema americano já era sucesso mundial distribuindo suas
produções em vários países. Através da musica e do cinema o novo estilo
de vida juvenil e as ideias de liberdade começaram a influenciar toda
uma geração de jovens pelo mundo. Foi somente nessa época que surgiu
nas universidades americanas uma vasta população de jovens como um grupo
etário de potenciais consumidores. A partir disso a indústria da musica
e da moda começaram a crescer e os jovens tornaram-se seus portas
vozes. A moda surge como o estilo de rua das classes operárias e
camponesas, como os jeans americanos, a roupa do dia-a-dia. Nas lojas
também surgiram à moda étnica, roupas indianas, túnicas, kitsch, retrô.
“Foi a descoberta desse mercado jovem (…) que revolucionou o comércio da
música popular e, na Europa, o mercado de massa das indústrias da moda”
(HOBSBAWN, 2001, p.321).
O indivíduo torna-se para as
grandes indústrias uma promessa de felicidade. Novos produtos
diferenciados surgem para atingir essa nova clientela: carros,
eletrodomésticos, móveis, roupas, produtos de beleza são criados
pensando unicamente no gosto individual. Com o fim da escassez de
cosméticos do pós-guerra, a beleza e a aparência torna-se o foco
principal das grandes indústrias de beleza. A maquiagem nesse período é
extremamente valorizada. Empresas como a Revlon, Helena Rubinstein,
Elizabeth Arden e Estée Lauder gastam milhares de dólares em
propagandas. Mulheres como Grace Kelly, Audrey Hepburn, Marilyn Monroe e
Brigitte Bardo tornam-se ícones de sensualidade e beleza.
A cultura jovem criou novos
modos de comportamento, novos costumes, novos hábitos e novos símbolos
culturais de identidade que influenciaram toda uma geração de adultos
nos centros urbanos. Concomitante a essa revolução cultural juvenil a
prosperidade do pós-guerra possibilitou, “o acesso crescente a uma
multiplicidade de bens materiais e culturais; bens que eram
frequentemente vislumbrados não só como portadores de maior conforto e
comodidade, mais ainda de uma vida melhor. Era a chamada sociedade de
consumo e do avanço tecnológico (…)”. (PAES, 1995, p. 13). Com o
avanço da renda e a proliferação de produtos diversificados o consumidor
começou a exigir produtos específicos para atender às necessidades e
desejos individuais. O indivíduo ganhou voz e tornou-se rei, podendo
escolher e até demandar que as indústrias fabriquem produtos mais
específicos para as necessidades individuais. O indivíduo tornou-se, portanto, o centro da nova cultura consumista que estava se desenvolvendo.
Foi a partir da década de 60 que a
produção em massa se generalizou. Com isso, surgiu uma multiplicidade
de bens materiais e culturais que geram conforto, comodidades e uma vida
melhor para uma grande massa de consumidores. Os valores individuais
como liberdade, independência, autoafirmação, singularidade, felicidade
individual, saúde, satisfação, prazer da cultura juvenil foram cooptados
pelas grandes indústrias. A partir daí se encorajou, se promoveu e se
reforçou um estilo de vida individualista e consumista.
Bibliografia
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das letras, 2001
PAES, Maria H.S. A década de 60:rebeldia, contestação e repressão política. São Paulo: Ática, 1995.
PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. 8ª edição. Brasiliense. São Paulo, 1988.
-----------
* Prof. Filosofia.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/17/06/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário