ÉPOCA ouviu quatro dos dez brasileiros que contribuem com a Dignitas, organização suíça que cobra cerca de R$ 15 mil para fazer suicídio assistido. Eles aceitaram contar por que decidiram encomendar a própria morte
"Há quatro anos, eu estava andando na rua quando desmaiei, caí e
quebrei uma costela. Investigando a causa daquele desmaio, descobri que
tenho ateromatose, uma doença degenerativa que entope minhas artérias
carótidas e aorta. Isso prejudica o fluxo de sangue e oxigênio para meu
cérebro, provocando desmaios e a morte de células nervosas. A
ateromatose é imprevisível. Posso ter um derrame, dentro de um mês ou 15
anos, e perder a consciência de quem sou para sempre. Logo que fui
diagnosticada, me inscrevi na Dignitas. Eu conhecia e admirava o
trabalho do americano Jack Kevorkian, o Dr. Morte, que auxiliava seus
pacientes terminais a morrer. Fiquei aliviada ao descobrir uma
organização capaz de fazer isso, mesmo que eu tivesse de viajar até a
Suíça. Não sei se usarei o serviço algum dia, mas é um conforto ter essa
opção. Tenho duas filhas maravilhosas. Uma é mais emotiva e não gosta
de tocar no assunto. Mas nenhuma das duas se opõe à minha decisão. Caso
eu tenha algum problema grave, com sequelas, elas sabem onde encontrar
uma pasta com declarações escritas sobre o meu desejo de cometer
suicídio assistido e ser cremada.
Antes, eu era muito ativa. Hoje em dia, tudo é devagar por causa dessa
doença. Tenho sono o tempo todo. Sinto dor para engolir. Às vezes, não
consigo me equilibrar. Sei que há uma cirurgia para tratar da
ateromatose. Mas é um risco. De dois conhecidos que fizeram, um morreu
durante a operação e outro ficou com sequelas graves. Como qualquer
outra pessoa, adoraria morrer dormindo, de enfarte, daqueles
fulminantes. Mas nada me garante esse destino, e eu tenho pavor de
perder o controle do meu cérebro. Sei bem como é acompanhar alguém que
sofreu disso. Antes de morrer, minha mãe passou três anos delirando num
leito de hospital, sem reconhecer pessoas e falar coisa com coisa. Foi
terrível. Proibi minhas filhas de a visitarem. As duas tinham que
guardar somente lembranças boas da avó, que não parecia mais um ser
humano. Quero livrar as minhas filhas dessa dor. Para mim, a morte é o
final feliz. Você e seu sofrimento não existem mais. As pessoas próximas
ficam tristes, passam por um período de luto e depois sentem saudade.
Frequento médicos e faço exames regularmente. Não deixei de fumar um
maço de cigarros por dia. Não há muito o que fazer nesse estágio da
vida. Daqui pra frente, o que vier é lucro. Já deixei tudo pronto para
elas. Não tenho mania de morte. Sou bem-humorada. Faço um esforço danado
para realizar tudo o que ainda posso. Ultimamente, ando atarefada com a
reforma do meu apartamento. Não entendo quando alguém sonha viver até
os cem anos e não imagina a qualidade de vida e limitações que teria
nesta idade. Experimentei muito mais do que várias pessoas de 90 anos.
Não fiquei na janela olhando a vida. Aproveitei minha juventude, peguei
muito sol, viajei pelo mundo, namorei, casei, me divorciei e trabalhei
duro. Não me sinto uma suicida. Jamais pularia da janela. Cada um de nós
é diferente e tem a suas crenças. O que serve para mim pode não servir a
mais ninguém. Respeito isso. Não sou dona da verdade. Mas sou dona da
minha vida.
"Até agora não tive nenhuma doença grave. Cadastrei-me no serviço da
Dignitas para apoiar a causa. Não tenho medo de comentar abertamente
minha visão sobre suicídio assistido. Cada um tem direito de decidir a
respeito da própria vida. Meus irmãos me entendem e apoiam. Já meus pais
nem gostam de ouvir. Posso entendê-los. Não é natural perder o próprio
filho. Só não quero que me vejam como louco. Se eu tivesse uma doença
crônica ou problema físico incurável, certamente usaria o serviço. A
clínica faz algo nobre ao oferecer essa oportunidade para quem está
sofrendo. Mas eu espero, de verdade, não precisar usar o serviço."
"Na escola, eu lutava judô e era a atleta da sala. Depois, me formei em
Educação Física e pratiquei todo tipo de esporte. Malhava e corria
diariamente, pegava onda quase todo fim de semana e participei de
maratona. Tudo acabou há três anos. Dei um mergulho no mar, de um lugar
alto, não vi que a água estava rasa e caí de cabeça num banco de areia.
Quebrei uma vértebra na coluna cervical e fiquei tetraplégica. Desde
então, só consigo mexer a cabeça.
A lesão não tem cura. Passei meses fazendo um tratamento experimental,
nos Estados Unidos, e não melhorei. Centenas de médicos testam novos
métodos e técnicas de cirurgias pelo mundo, cobram caro e não oferecem
resultados. Conheço muita gente que viajou, pagou e se frustrou. Por
isso, não me arriscaria a fazer uma cirurgia que pode não dar resultado.
E o risco de que eu falo não é risco de vida ou financeiro, é o risco
de me decepcionar. Fiquei muito tempo achando que as coisas iriam
melhorar e acontecer. Pesquisei muito o assunto e sei que a perspectiva
não é boa.
Há muita esperança em células-tronco, mas nada palpável até
agora. Um cientista brasileiro, Miguel Nicolelis, quer usar a robótica
para fazer um tetraplégico dar o pontapé inicial na Copa de 2014. Isso
não me anima, não quero usar um exoesqueleto e sair na rua igual ao
Robocop. Quero restaurar a função ativa da minha musculatura. Eu faço
fisioterapia, a única coisa que posso fazer. De segunda à sexta,
participo de sessões para não deixar meus músculos atrofiarem e vou ao
psicólogo e psiquiatra, uma vez cada. Eu não sou uma pessoa depressiva
ou bipolar, nunca tive tendência para isso. Tento viver minha vida, saio
bastante com meus amigos e família. Estou trabalhando numa empresa,
onde uso um computador e telefone com adaptações, mas tudo é difícil.
Ainda mais quando vejo a vida das pessoas andando e a minha, parada.
Eu não consigo nem comer e escovar os dentes por conta própria. É muito
penoso, passivo. Como posso esperar viver uma vida plena e longa se
sempre estarei dependendo de alguém? É impossível, inviável e
intolerável. Eu tinha uma vida plena até o dia do meu acidente. É fácil
me dizer que devo tocar a vida. Não. Eu posso desejar uma qualidade de
vida que eu não tenho e não sou obrigada a aceitar aquilo. É difícil
para quem está de fora entender. As pessoas são egoístas, só pensam no
quanto elas vão sofrer se você for embora. Não conseguem ter ideia do
seu sofrimento. Gostaria que a minha decisão fosse respeitada. Eu entrei
em contato com a Dignitas há um ano e meio. Fiquei aliviada em
descobrir que lá não é um açougue. Eles se importam, querem saber o que
você sente. Com a Dignitas, passei a ter uma alternativa, uma saída.
Senti uma paz impressionante ao me cadastrar lá.
Eu sei que não vou envelhecer assim. O suicídio é uma coisa que vai
acontecer na minha vida e eu espero que não demore. É algo que precisa
ser bem trabalhado em família, porque eu não quero que eles sofram com
isso. Principalmente meus pais, ainda mais minha mãe, que me carregou no
ventre. É muito complicado. Queria organizar uma reunião familiar com
um psicólogo para discutir a situação. Não quero fazer nada em
desarmonia, não é justo. Eu tive a sorte e oportunidade de ir atrás de
tudo possível para melhorar, e mesmo assim não tenho perspectiva. É por
isso que vou até a Suíça."
"O suicídio marcou minha infância. Quando eu era pequeno, um primo mais
velho tentou se matar com um tiro no peito e não conseguiu. Eu
acompanhei suas sessões diárias de fisioterapia no hospital, por meses,
sem perguntar nada. Até hoje não sei qual foi seu motivo. Eu
simplesmente ficava olhando para seu rosto, curioso para saber o motivo
daquela atitude. Eu achava o suicídio uma coisa medonha, mas tinha certo
fascínio. Minha visão a respeito do tema melhorou ao passo que
envelheci e amadureci. Comecei a entender que existem vários tipos de
suicídio e suicidas. Ano passado, vi uma reportagem na televisão e
fiquei impressionado com o depoimento de um membro da Dignitas. Ele
havia sido diagnosticado com uma doença grave que não tinha ainda
manifestado os sintomas. Mesmo assim, estava indo para a clínica morrer.
Fiquei impressionado com a convicção da pessoa e me inscrevi na clínica
na mesma hora.
O suicídio não precisa ser uma coisa trágica. Pode ser calmo, bem
pensado e com dignidade. No meu caso seria mais fácil tomar uma decisão
dessas, já que não tenho filhos nem esposa. Já fui religioso, hoje sou
ateu. Eu não tenho problema algum de saúde, nunca desejei me matar e nem
teria coragem de pular de um prédio ou dar um tiro no peito. Adoro
viver. Mas, se a vida em algum momento se tornar um fardo para mim, ela
não terá mais sentido e eu vou procurar uma forma digna e decente de
morrer. As pessoas não fazem seguro de vida? Vejo a Dignitas como um
seguro de morte."
Stephen Hawking: “Não importa quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar”
No debate sobre a morte digna, o físico defende a poderosa vontade de viver
Quando era um estudante de 21 anos, Stephen Hawking descobriu que
sofria de esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que mata as
células nervosas responsáveis pelo controle da musculatura. Na previsão
dos médicos, ele teria alguns meses de vida, nos quais assistiria o
corpo fugir progressivamente de seu controle. Contra fortes evidências,
apostou na vida – e se tornou protagonista de uma história fantástica.
Aos 70 anos, já se casou duas vezes, teve três filhos e três netos,
experimentou a gravidade zero num voo sub-orbital, acrescentou dados
novos à teoria da relatividade de Einstein e popularizou a ciência
ao escrever livros como Uma breve história do tempo (1988) e O universo numa casca de noz
(2001). “Não posso dizer que a doença foi uma sorte, mas hoje sou mais
feliz do que era antes do diagnóstico”, afirma, em entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA - O senhor de considera uma pessoa de sorte, apesar de sua condição física. Por quê?Stephen Hawking –
Eu não tenho muita coisa boa para dizer da minha doença, mas ela me
ensinou a não ter pena de mim mesmo e a seguir em frente com o que eu
ainda pudesse fazer. Estou mais feliz hoje do que quando era saudável.
Tenho a sorte de trabalhar com Física teórica, uma das poucas áreas em
que a minha deficiência não atrapalha muito.
ÉPOCA - O senhor acha que viveu até hoje uma vida boa? Por quê?
Hawking – Quando minha doença foi diagnosticada, nem eu nem meus médicos esperavam que eu viveria mais 45 anos. Acho que meu trabalho científico me ajudou a seguir adiante. Na primeira hora, eu fiquei deprimido. Mas a doença avançou mais devagar do que eu esperava. Comecei a aproveitar a vida sem olhar para trás. Minha doença raramente atrapalhou meu trabalho. Isso porque tive sorte de encontrar a Física teórica, uma profissão em que minha doença quase não atrapalha. Faço meu trabalho dentro da minha cabeça. Na maioria das profissões, teria sido muito difícil.
Hawking – Quando minha doença foi diagnosticada, nem eu nem meus médicos esperavam que eu viveria mais 45 anos. Acho que meu trabalho científico me ajudou a seguir adiante. Na primeira hora, eu fiquei deprimido. Mas a doença avançou mais devagar do que eu esperava. Comecei a aproveitar a vida sem olhar para trás. Minha doença raramente atrapalhou meu trabalho. Isso porque tive sorte de encontrar a Física teórica, uma profissão em que minha doença quase não atrapalha. Faço meu trabalho dentro da minha cabeça. Na maioria das profissões, teria sido muito difícil.
ÉPOCA – Depois do diagnóstico, o senhor pensou em abandonar a própria vida?
Hawking – Eu acho que as pessoas têm o direito de encerrar a própria vida, se quiserem. Mas eu acho que seria um grande erro. Não importa quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar. Enquanto há vida, há esperança.
Hawking – Eu acho que as pessoas têm o direito de encerrar a própria vida, se quiserem. Mas eu acho que seria um grande erro. Não importa quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar. Enquanto há vida, há esperança.
ÉPOCA – O senhor teme a morte? Por quê?
Hawking – Medo de morrer eu não sinto, se é essa a pergunta, mas também não tenho pressa. Tem muita coisa que eu quero fazer antes.
Hawking – Medo de morrer eu não sinto, se é essa a pergunta, mas também não tenho pressa. Tem muita coisa que eu quero fazer antes.
ÉPOCA – O que o senhor ainda espera da vida?
Hawking – Todos nós vivemos com a perspectiva de morrer no fim. Comigo é exatamente igual, a diferença é que eu esperava a morte bem mais cedo. Mais ainda estou aqui. Antes de morrer, espero nos ajudar a entender o universo.
Hawking – Todos nós vivemos com a perspectiva de morrer no fim. Comigo é exatamente igual, a diferença é que eu esperava a morte bem mais cedo. Mais ainda estou aqui. Antes de morrer, espero nos ajudar a entender o universo.
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/06/
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