sábado, 23 de junho de 2012

Os roteiros de viagem de Allen

AP / AP
Allen em filmagem na Itália: "Gosto de dormir na minha cama e de ter as farmácias 
com as quais estou familiarizado por perto"
 
Woody Allen nunca gostou de fazer as malas. "Sempre tive verdadeira aversão por viagens", conta o nova-iorquino de 76 anos. Até 2005, o diretor obstinado em vender neuroses só deixava sua adorada Manhattan e caía na estrada para excursionar com a sua banda, a New Orleans Jazz Band, uma de suas paixões. "Mas não passo de um clarinetista amador tolerado pela plateia, que é simpática comigo por me conhecer do cinema", diz Allen, persuadido nos últimos anos a filmar fora de casa. "Tive de enfrentar o medo de voar, o que não quer dizer que tenha conseguido superá-lo. Sempre acho que o avião vai cair."
Ao cruzar fronteiras, o cineasta seguiu rumo à Europa, tendo Londres como destino recorrente. Foi lá que rodou "Ponto Final - Match Point" (2005), "Scoop - O Grande Furo" (2006), "O Sonho de Cassandra" (2007) e "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" (2010). "Passei a filmar na Europa simplesmente porque o dinheiro começou a vir de lá. Como eu poderia ter recusado a proposta tentadora de Londres, que me ofereceu verba para rodar na cidade?", comenta o cineasta, sempre visto com os óculos de armação preta.
O passaporte de Allen também recebeu carimbos da Espanha, ao filmar "Vicky Cristina Barcelona" (2008); da França, palco de "Meia-Noite em Paris" (2011); e mais recentemente da Itália, onde se passa a ação de "Para Roma, com Amor", que chega aos cinemas brasileiros no dia 29. A empreitada na terra de Federico Fellini, uma das fontes onde Allen bebe desde o início da carreira, é um mosaico de personagens insólitos - cujas histórias têm Roma como cenário, sem necessariamente se entrelaçar.
Enquanto circula por pontos turísticos da cidade, a câmera do diretor segue os passos de um romano pacato (Roberto Benigni) que vira uma celebridade instantânea - sem motivo nenhum para tanto. Há também o arquiteto americano (Alec Baldwin), que assombra um jovem (Jesse Eisenberg) com o coração dividido entre a namorada (Greta Gerwig) e a melhor amiga dela (Ellen Page). Até Allen volta a trabalhar diante das câmeras, vivendo mais um tipo inseguro, desastrado e que fala demais. Seu personagem é um diretor de ópera aposentado que decide agenciar o futuro sogro de sua filha, um cantor de rara qualidade de voz que só consegue cantar embaixo do chuveiro.
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Benigni no papel de um romano que fica famoso de repente e Penélope Cruz em "Para Roma, com Amor": 
"Apesar de sempre estar acompanhada de muitos inconvenientes, a fama é uma bênção", diz Allen
 
"A Europa tem sido uma mãe generosa comigo. Nos Estados Unidos, os executivos gostam de se intrometer. Querem ler o roteiro, ajudar na escolha dos atores, acompanhar diariamente o que foi filmado e dar palpites em tudo. Não gosto de trabalhar assim", afirma o vencedor de quatro Oscars - melhor direção e roteiro por "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977) e melhor roteiro por "Hannah e Suas Irmãs" (1986) e "Meia-Noite em Paris" (2011). Ao explorar os ângulos de várias cidades estrangeiras, Allen abriu as portas para o resto do mundo. "Hoje tenho várias ofertas para filmar em diferentes países, inclusive no Brasil. O Rio está no topo da nossa lista", diz ele, em suíte do hotel Beverly Wilshire, em Los Angeles, onde recebeu a reportagem do Valor e de um jornal do México. A seguir, as respostas de Allen às perguntas do Valor.

Valor: Não é irônico o fato de o senhor estar rodando seus últimos filmes no exterior, considerando a sua ojeriza por viagens?
Woody Allen: É. Jamais gostei mesmo. Mas a minha mulher [a coreana Soon-Yi Previn, 35 anos mais nova] adora viajar. Minhas filhas [Bechet, de 13 anos, e Manzie, de 12, que o casal adotou] também se divertem. Eu continuo não gostando, mas me acostumei com a ideia de sempre passar os verões fora de casa, filmando em algum lugar. Se alguém me perguntar onde prefiro estar, claro que a resposta é a mesma: em casa, no meu ambiente. Gosto de dormir na minha cama e de ter as farmácias com as quais estou familiarizado por perto.

Valor: No ano passado, sua irmã [Letty Aronson], produtora de seus filmes, esteve no Rio para sentir o clima da cidade. O que aconteceu com a ideia de filmar no Brasil?
Allen: Está ainda em consideração. Há uma grande chance de eu filmar lá, ainda que não tenhamos fechado nenhum acordo até o momento. Isso deve acontecer. É uma das ideias mais promissoras entre os convites de países estrangeiros que recebemos.

Valor: Há rumores de falta de financiamento para o seu filme no Rio...
Allen: Não tem nada a ver com dinheiro. O problema maior é encontrar uma história para ser rodada no Rio. Preciso de uma trama muito boa para justificar a filmagem lá. Obviamente é mais duro para mim pensar em argumento ambientado em cidade onde nunca estive. No meu processo, o roteiro é sempre a parte mais interessante, mas, ao mesmo tempo, mais desafiadora.

Valor: O Brasil não tem o mesmo histórico cinematográfico da França ou da Itália, países com os quais o senhor deve ter uma relação mais estreita. Talvez o Brasil seja exótico demais para Woody Allen?
Allen: [Risos] Exótico, com certeza. Mas no bom sentido. O Brasil desperta uma imagem romântica na cabeça das pessoas, o que pretendo aproveitar no filme. De fotografias, imagens de arquivo e filmes antigos, tenho a impressão de ser um país quente, aconchegante e de muita alegria, mesmo sem nunca tê-lo visitado. Outros países da América do Sul não têm isso. Ninguém pensa em romance quando considera a Colômbia. Quando você diz a palavra Brasil a um americano, ele automaticamente pensa nas praias e na beleza natural, cenário para uma ótima história de amor. É o que pretendo fazer.

Valor: De preferência, embalada por bossa nova?
Allen: Sem dúvida. Sempre gostei muito desse movimento musical. Certamente vou incluir bossa nova na trilha sonora, coisa que já fiz mesmo quando o filme foi ambientado em Nova York [um exemplo é "Tudo Pode Dar Certo", de 2009, no qual Allen usou a canção "Desafinado", de Tom Jobim e Newton Mendonça].

Valor: Gostou de algum filme brasileiro recente?
Allen: O último que me impressionou foi "Cidade de Deus", um filme excelente.

Valor: Pela imagem que o cinema brasileiro exporta, por vezes violenta, não teria medo de filmar no Rio?
Allen Tenho consciência da imagem perigosa do Rio. Mas isso não me impedirá de filmar lá, se os meus planos se concretizarem. Nova York também tem essa reputação, mas é preciso saber diferenciar o que lemos nos jornais da situação real. Houve uma época em que os turistas chegavam a Nova York alarmados, pensando que seriam roubados imediatamente. Mas conosco, os moradores da cidade, nunca acontecia nada. Pode ser que, ao chegar ao Rio e perguntar sobre a violência, haverá moradores que não saberão do que estou falando. Minha irmã passou uma semana no Rio e gostou muito.

Valor: Quando o senhor pretende visitar o Rio? Será só depois de seu próximo filme, a ser rodado em San Francisco, não?
Allen: Ainda não tenho planos para o Rio, pois já começo a filmar em agosto em San Francisco [projeto ainda sem título, com Cate Blanchett e Alec Baldwin no elenco]. Infelizmente os EUA têm poucas cidades charmosas e interessantes. Nova Orleans é uma delas, mas é quente demais no verão. Escolhi San Francisco porque precisava de uma cidade americana que não fosse Nova York para rodar uma história mais dramática e séria. Mas não adianta me pedir para contar a história... Sou inseguro demais para dividi-la com alguém nesse estágio preliminar.

Valor: "Para Roma, com Amor" foi criticado pelos italianos por jogar com os clichês. Como recebeu a reação?
Allen: Talvez eles estejam certos, do seu ponto de vista. Os italianos conhecem Roma muito melhor do que eu. Meu olhar ao filmar em outras cidades sempre será o de um turista americano. E o mesmo acontece quando algum cineasta estrangeiro filma em Nova York. Nós, os locais, costumamos achar que ele não entendeu nada [risos].

Valor: O filme também brinca com a ideia de celebridade instantânea, dando a impressão de que o senhor não acha ser famoso tão ruim assim.
Allen: Apesar de sempre estar acompanhada de muitos inconvenientes, a fama é uma bênção. Essa é a verdade. Ao medir os prós e contras, há sempre mais vantagens. Hoje, depois de tudo o que vivi, chego à conclusão de que é melhor ser uma celebridade do que não ser.

Valor: Quais são os maiores inconvenientes?
Allen: Você não tem vida particular. Tudo o que faço está sempre sob escrutínio, o que me obriga a me vigiar constantemente. Adoraria ter uma existência normal, sem que as pessoas ficassem me pedindo coisas o tempo todo. É bom ser requisitado, mas, por outro lado, triste, já que muitas vezes tenho de dizer não. Jamais conseguiria dizer sim a todos os convites e pedidos que recebo. Prefiro quando me deixam quieto, na minha casa.

Valor: O que faz quando está em casa?
Allen: Gosto de assistir aos jogos de basquete e de beisebol. Também toco clarineta e vou ao cinema, além de brincar bastante com as minhas filhas. O problema é que, depois de duas semanas só fazendo isso, tenho vontade de voltar a escrever, o que acabo fazendo. É por isso que rodo um filme por ano, o que não representa muito trabalho. Quando me comparo aos cidadãos que realmente pegam no pesado todos os dias, reconheço que levo uma vida vergonhosamente ociosa.
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Fonte:  http://www.valor.com.br/cultura/2723868/os-roteiros-de-viagem-de-allen

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