segunda-feira, 11 de junho de 2012

Entre deserto e cidade: a relação do monge com o mundo.

  Enzo Bianchi*


A longa experiência do monaquismo – que nos contextos históricos, geográficos e culturais mais disparatados soube repropor com renovado frescor a memória da koinonia, a comunhão descrita nos Atos dos Apóstolos – também chegou a inscrever em um sistema jurídico a dinâmica humana da convivência, soube elaborar "uma arte da comunhão", uma obra voltada a "ordenar o amor".

Nesse sentido, é na perspectiva da communitas a ser criada, protegida e alimentada que encontra o seu significado não tanto a ascese monástica individual, mas sim a disciplina comunitária: ou, melhor, é talvez justamente essa busca da communio pluralis que constitui o específico da ascese cenobítica.

Ora, a comunidade, para se tornar autêntica comunhão, deve ter o seu próprio centro fora de si: não pode ser um fim em si mesma. Daí deriva a necessidade "ontológica" da abertura ao outro, seja através da hospitalidade – a disponibilidade a acolher, na gratuidade e na ação de graças, a visita de quem chega ao mosteiro, no próprio espaço de vida cotidiano –, seja a capacidade de se abrir ao diálogo com o diferente, o estranho, até mesmo com o potencial "inimigo" com relação ao qual nos fazemos "próximos" naquele "caminho" que o cristianismo antigo identificava com o seguimento do Senhor Jesus.

E isso sem estratégias particulares, mas simplesmente vivendo dia após dia como irmãos/irmãs que se amam ou, melhor, que aprendem a se amar como Cristo os ama. Desde sempre, esse é um anúncio do Evangelho dentre os mais eloquente: "Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros" (Jo 13, 35).

Então, as comunidades monásticas, na sua própria fraqueza, poderão ser sinais, oásis de esperança para todos: em um mundo em que a transmissão da cultura, da conduta cotidiana e da religião está ameaçada por uma globalização mal gerida, as comunidades monásticas poderiam contribuir para aquela incessante refundação de que as grandes civilizações, e a Igreja em particular, têm uma necessidade vital.

O monasticismo sempre nasceu como realidade às margens do corpo eclesial e social: até a localização geográfica – nos confins do império e nas periferias das cidades – é significativa de uma atitude espiritual: o mosteiro se coloca no espaço entre o deserto e a cidade, capaz de um olhar sobre as duas realidades, voltado à sua escuta e portador de uma palavra a eles endereçada.

Mas não é fácil ser e permanecer "marginal": somos constantemente tentados pelo isolamento e pelo refugiar-se em um sectarismo presunçoso, ou pela inserção confusa na instituição eclesiástica. Se essa distância dialética da marginalidade não for salvaguardada, o monaquismo perde sentido e, então, de nada valem os frutos dessa sua liberdade responsável.

Redescoberta na sua autenticidade, ao invés, a marginalidade própria do monaquismo ajuda aquela distância amorosa que, sozinha, permite odiar a mundanidade, mas amar as pessoas, odiar o pecado, mas amar o pecador. Arte difícil de adquirir, mas o cristão, e ainda mais o monge, não pode dela se isentar.

Insiste-se muito hoje na necessidade de passar para uma nova espiritualidade ou, melhor, para um novo modo de criar espaço para a ação do Espírito de Deus no mundo. E essa "espiritualidade" – à qual os monges não podem permanecer indiferentes, sob pena de se tornar um vestígio arqueológico, embora precioso – envolve a capacidade de conjugar fidelidade à terra e fidelidade ao céu, solidariedade com as pessoas e desejo de Deus.

Os monges deverão fazer isso do seu próprio modo, não seguindo a última novidade no campo ecológico ou nas estratégias de presença do mercado, nem cortejando personagens de sucesso para atrair as multidões, mas retornando às fontes, redescobrindo nos Padres e nos autores monásticos aquela compaixão para com os seres humanos, aquele desejo de discernir o rosto de Deus no irmão, aquela capacidade de escuta daquilo que arde no coração até do pior pecador, aquela solidariedade amorosa para com todas as criaturas, animadas e inanimadas, que escreveram as páginas mais luminosas da história do monaquismo e do cristianismo.
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* O monge italiano Enzo Bianchi, prior da Comunidade de Bose, irá palestrar no dia 18 de junho no Festival de Ravenna sobre o tema Monaquismo e sociedade civil. Segundo ele, a "marginalidade" própria do monaquismo ajuda aquela distância amorosa que permite odiar a mundanidade, mas amar as pessoas, odiar o pecado, mas amar o pecador.
O texto foi publicado no jornal Corriere della Sera, 02-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.--
Fonte: IHU on line, 11/06/2012
Imagem da Internet
 

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