Carlos Alberto Di Franco*
Paul Johnson (foto) é um dos grandes historiadores e intelectuais contemporâneos. Autor do extraordinário Tempos Modernos: o Mundo dos Anos 20 aos 80,
seus textos são sempre provocadores. Dono de cultura invejável e
sinceridade afiada, Johnson não sucumbe aos clichês vazios. Em seu livro
Os Heróis, ele destaca a importância das lideranças morais.
"Os heróis", diz Paul Johnson, "inspiram, motivam. (...) Eles nos
ajudam a distinguir o certo do errado e a compreender os méritos morais
da nossa causa." Os comentários de Johnson trazem à minha memória um
texto que exerceu forte influência no rumo da minha vida: Amar o Mundo Apaixonadamente,
homilia proferida por São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei e
primeiro grão-chanceler da Universidade de Navarra, durante missa
celebrada no câmpus daquela prestigiosa instituição. São Josemaría -
cuja festa a Igreja celebra no dia 26 de junho - foi um mestre na busca
da santidade no trabalho profissional e nas atividades cotidianas.
Propunha, naquela homilia vibrante e carregada de atrevimento,
"materializar a vida espiritual". Queria afastar os cristãos da tentação
"de levar uma espécie de vida dupla: a vida interior, a vida de relação
com Deus, por um lado; e, por outro, diferente e separada, a vida
familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas".
O cristianismo encarnado nas realidades cotidianas, eis o miolo da
proposta de São Josemaría. "Não pode haver uma vida dupla, não podemos
ser esquizofrênicos, se queremos ser cristãos", sublinha. E, numa
advertência contra todas as manifestações de espiritualismo mal
entendido e de beatice, afirma de modo taxativo: "Ou sabemos encontrar o
Senhor na nossa vida de todos os dias ou não o encontraremos nunca".
"A vocação cristã consiste em transformar em poesia heroica a prosa
de cada dia". A vida, o trabalho, as relações sociais, tudo o que compõe
o mosaico da nossa vida é matéria para ser santificada. São Josemaría,
um santo alegre e otimista, olha a vida com uma lente extremamente
positiva: "O mundo não é ruim, porque saiu das mãos de Deus". O
autêntico cristão não vive de costas para o mundo nem encara o seu tempo
com inquietação ou nostalgias do passado. O verdadeiro cristão não vive
focado no retrovisor. "Qualquer modo de evasão das honestas realidades
diárias é para os homens e mulheres do mundo coisa oposta à vontade de
Deus". A luta do nosso tempo, com suas luzes e suas sombras, é sempre o
desafio mais fascinante.
O pensamento de São Josemaría Escrivá, apoiado numa visão
transcendente da vida e, ao mesmo tempo, com os pés bem fincados na
realidade material e cotidiana, consegue, de fato, captar plenamente a
contextura humana e ética dos acontecimentos. Ele tem, no fundo, a
terceira dimensão: a religiosa e ética - e somente com esse foco é
possível entender plenamente o mundo em que vivemos. Na verdade, o
esgotamento do materialismo histórico e a crescente frustração do
consumismo hedonista prenunciam uma mudança comportamental: o mundo está
sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas.
Articular verdade e liberdade é, talvez, um dos mais interessantes
recados de São Josemaría. Insurge-se, vigorosamente, contra o
clericalismo que se oculta na mentalidade de discurso único, na injusta
dogmatização das coisas que são legitimamente opináveis. São Josemaría
afirma que um cristão não deve "pensar ou dizer que desce do templo ao
mundo para representar a Igreja", nem que "as suas soluções são as
soluções católicas para aqueles problemas". Por defender esse
pluralismo, sofreu incompreensões, até mesmo de algumas pessoas da Cúria
Romana, que entendiam, por exemplo, que na Itália os católicos tinham o
dever de votar no Partido da Democracia Cristã.
São Josemaría não deixa de enfatizar o valor insubstituível da
liberdade - particularmente a liberdade de expressão e de pensamento -
contra todas as formas de intolerância e sectarismo. Para ele, o
pluralismo nas questões humanas não é algo que deva ser tolerado, mas,
sim, amado e procurado.
A sua defesa da liberdade, no entanto, não fica num conceito
descomprometido, ele mergulha na raiz existencial da liberdade: o amor -
amor a Deus, amor aos homens, amor à verdade. E sua defesa da fé e da
verdade não é, de fato, "antinada", mas a favor de uma concepção da vida
que não pretende dominar. Ao contrário, é, sim, uma proposta que
convida a uma livre resposta de cada ser humano.
Seus ensinamentos se contrapõem a uma tendência cultural do nosso
tempo: o empenho em confrontar verdade e liberdade. Frequentemente, as
convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de
fundamentalismo. Tenta-se impor, em nome da liberdade, o que poderíamos
chamar de dogma do relativismo. Essa relativização da verdade não se
manifesta apenas no campo das ideias. De fato, tem inúmeras
consequências no conteúdo ético da informação.
A tese, por exemplo, de que é necessário ouvir os dois lados de uma
mesma questão é irrepreensível, não há como discuti-la sem destruir os
próprios fundamentos do jornalismo. Só que passou a ser usada para
evitar a busca da verdade. A tendência a reduzir o jornalismo a um
trabalho de simples transmissão de diversas versões oculta a falácia de
que a captação da verdade dos fatos é uma quimera. E não é. O bom
jornalismo é a busca apaixonada da verdade.
A figura de São Josemaría Escrivá, o seu amor à verdade e a sua
paixão pela liberdade tiveram grande influência em minha vida pessoal e
profissional. Amar o Mundo Apaixonadamente não é apenas um
texto moderno e forte. Sua mensagem, devidamente refletida, serve de
poderosa alavanca para o exercício da nossa atividade profissional.
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* DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
E-MAIL: FRANCO@IICS.ORG.BR
E-MAIL: FRANCO@IICS.ORG.BR
Fonte: Estadão on line, 11/06/2012
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