Jornalista David Quinn: um ponto de vista peculiar sobre os abusos sexuais
Num país onde a Igreja está sob ataque, tanto externamente, pela
mídia secularista, quanto internamente, pela corrupção do clero,
milhares de católicos de todo o mundo se reuniram nesta semana para
celebrar a Eucaristia.
Durante o 50º Congresso Eucarístico Internacional, que acontece em
Dublin, na Irlanda, o jornalista David Quinn, diretor do Iona Institute e
colaborador dos jornais Irish Independent e Irish Catholic,
falou com ZENIT sobre a crise atual da Igreja Católica no país e sobre a
percepção da Igreja pela opinião pública, com base na mídia laicista.
Quinn também é palestrante no Congresso Eucarístico.
Algumas pessoas afirmam que os abusos do clero são um sintoma de décadas de negligência por parte da Igreja. Pode nos esclarecer esta perspectiva?
Quinn: Depois da independência, em 1922, a Irlanda tentou se auto-afirmar de forma vistosa e decidiu que uma boa maneira de fazer isso era se tornando ultra-católica em termos de identidade. O nacionalismo e o catolicismo estavam muito misturados e a Igreja Católica se tornou extremamente poderosa, social e politicamente. Às vezes, até autoritária.
Tudo isso, mesmo sem considerarmos ainda os escândalos, foi criando muita repercussão, e a situação começou a entrar em curto circuito nos anos 1960. Uma parte da reação excessiva contra o autoritarismo do passado foi representada pelo medo substancial dos bispos de exercer a autoridade. Os escândalos seriam uma parte de tudo isso. Por exemplo, o relatório da diocese de Dublin, que foi encomendado pelo governo, o chamado Relatório Murphy, apontou que, ao contrário das suposições correntes, uma das razões para a explosão dos escândalos foi o abandono do Direito Canônico. Os bispos, em outras palavras, decidiram se mostrar "pastorais", ou seja, enxergar os sacerdotes como vítimas dos seus impulsos, e os mandaram fazer terapia em vez de puni-los, preferindo classificá-los como "doentes" e não como “culpados”.
Além disso, tivemos uma catequese muito deficiente, uma liturgia inadequada, e uma tendência a evitar toda forma de controvérsia: discrição acima de tudo. Em última análise, acabou se afirmando uma espécie de religião do "eu estou bem, você está bem", baseada na idéia de que o propósito da vida é ficar de bem com as pessoas e ser o menos exigente possível.
Os escândalos sexuais foram parar no centro das atenções da mídia. Por que a Igreja está no meio deles?
Quinn: Obviamente, todo o noticiário sobre a Igreja nos últimos 20 anos foi dominado pelos abusos sexuais. Os abusos atingiram o pico entre 1965 e 1985. A maioria aconteceu naqueles vinte anos. Não por acaso é justamente o período em que o Direito Canônico foi abandonado e a situação saiu de controle. Os culpados não só não foram denunciados à polícia, como nem sequer houve a capacidade de gerenciá-los dentro da Igreja. Mas esses casos só vieram à tona recentemente: na década de 1990 foi descoberto o que tinha acontecido nos anos 70 e 80. E até hoje estamos vivendo com o peso do legado terrível daqueles anos.
A opinião pública, geralmente, percebe os escândalos como um evento que está em andamento agora, e considera que a Igreja não é capaz de proteger as crianças. As pessoas não estão entendendo que os crimes ocorreram em sua maioria naquelas duas décadas, entre 1965 e 1985. Já faz um certo tempo. O Instituto Iona, que eu dirijo, encomendou uma pesquisa e descobriu que os irlandeses em geral acreditam que um em cada quatro padres abusou de uma criança. Ou seja, de cada cem, eles acham que 25 cometeram abusos. E eles pensam que a idade média das crianças vítimas é de cinco anos. Não existe uma verdadeira compreensão do fenômeno e não há interesse nenhum da mídia em promover essa compreensão. A cobertura deste fenômeno aplica dois pesos e duas medidas. Quando certas organizações não-eclesiásticas não têm condições de oferecer nenhuma proteção para as crianças, não se fala sobre elas do mesmo jeito que se falaria se elas fossem da Igreja, nem se nota a mesma indignação nas pessoas. As pessoas dizem que esperam uma atitude mais elevada por parte da Igreja. A minha resposta é: "Muito bem, mas a sua indignação se reduz pela metade quando as falhas são do Estado em vez da Igreja? Por que você não tem nem 10% dessa indignação nesses casos?". Eu digo tudo isto com uma certa hesitação, já que a Igreja merece mesmo muitas das críticas que recebeu. Mas, sem dúvida, também é verdade que foram aplicados dois pesos e duas medidas.
[A segunda parte da entrevista com David Quinn será pública amanhã, quarta-feira, 13 de junho]
(Tradução:ZENIT)
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Reportagem por Ann Schneible
Fonte: DUBLIN, terça-feira, 12 de junho de 2012 (ZENIT.org) -
Quinn também é palestrante no Congresso Eucarístico.
Algumas pessoas afirmam que os abusos do clero são um sintoma de décadas de negligência por parte da Igreja. Pode nos esclarecer esta perspectiva?
Quinn: Depois da independência, em 1922, a Irlanda tentou se auto-afirmar de forma vistosa e decidiu que uma boa maneira de fazer isso era se tornando ultra-católica em termos de identidade. O nacionalismo e o catolicismo estavam muito misturados e a Igreja Católica se tornou extremamente poderosa, social e politicamente. Às vezes, até autoritária.
Tudo isso, mesmo sem considerarmos ainda os escândalos, foi criando muita repercussão, e a situação começou a entrar em curto circuito nos anos 1960. Uma parte da reação excessiva contra o autoritarismo do passado foi representada pelo medo substancial dos bispos de exercer a autoridade. Os escândalos seriam uma parte de tudo isso. Por exemplo, o relatório da diocese de Dublin, que foi encomendado pelo governo, o chamado Relatório Murphy, apontou que, ao contrário das suposições correntes, uma das razões para a explosão dos escândalos foi o abandono do Direito Canônico. Os bispos, em outras palavras, decidiram se mostrar "pastorais", ou seja, enxergar os sacerdotes como vítimas dos seus impulsos, e os mandaram fazer terapia em vez de puni-los, preferindo classificá-los como "doentes" e não como “culpados”.
Além disso, tivemos uma catequese muito deficiente, uma liturgia inadequada, e uma tendência a evitar toda forma de controvérsia: discrição acima de tudo. Em última análise, acabou se afirmando uma espécie de religião do "eu estou bem, você está bem", baseada na idéia de que o propósito da vida é ficar de bem com as pessoas e ser o menos exigente possível.
Os escândalos sexuais foram parar no centro das atenções da mídia. Por que a Igreja está no meio deles?
Quinn: Obviamente, todo o noticiário sobre a Igreja nos últimos 20 anos foi dominado pelos abusos sexuais. Os abusos atingiram o pico entre 1965 e 1985. A maioria aconteceu naqueles vinte anos. Não por acaso é justamente o período em que o Direito Canônico foi abandonado e a situação saiu de controle. Os culpados não só não foram denunciados à polícia, como nem sequer houve a capacidade de gerenciá-los dentro da Igreja. Mas esses casos só vieram à tona recentemente: na década de 1990 foi descoberto o que tinha acontecido nos anos 70 e 80. E até hoje estamos vivendo com o peso do legado terrível daqueles anos.
A opinião pública, geralmente, percebe os escândalos como um evento que está em andamento agora, e considera que a Igreja não é capaz de proteger as crianças. As pessoas não estão entendendo que os crimes ocorreram em sua maioria naquelas duas décadas, entre 1965 e 1985. Já faz um certo tempo. O Instituto Iona, que eu dirijo, encomendou uma pesquisa e descobriu que os irlandeses em geral acreditam que um em cada quatro padres abusou de uma criança. Ou seja, de cada cem, eles acham que 25 cometeram abusos. E eles pensam que a idade média das crianças vítimas é de cinco anos. Não existe uma verdadeira compreensão do fenômeno e não há interesse nenhum da mídia em promover essa compreensão. A cobertura deste fenômeno aplica dois pesos e duas medidas. Quando certas organizações não-eclesiásticas não têm condições de oferecer nenhuma proteção para as crianças, não se fala sobre elas do mesmo jeito que se falaria se elas fossem da Igreja, nem se nota a mesma indignação nas pessoas. As pessoas dizem que esperam uma atitude mais elevada por parte da Igreja. A minha resposta é: "Muito bem, mas a sua indignação se reduz pela metade quando as falhas são do Estado em vez da Igreja? Por que você não tem nem 10% dessa indignação nesses casos?". Eu digo tudo isto com uma certa hesitação, já que a Igreja merece mesmo muitas das críticas que recebeu. Mas, sem dúvida, também é verdade que foram aplicados dois pesos e duas medidas.
[A segunda parte da entrevista com David Quinn será pública amanhã, quarta-feira, 13 de junho]
(Tradução:ZENIT)
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Reportagem por Ann Schneible
Fonte: DUBLIN, terça-feira, 12 de junho de 2012 (ZENIT.org) -
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