Michel Aires de Souza*
Adorno
em seu ensaio “Teoria da Semicultura”, ao analisar o mundo físico e
simbólico da cultura norte-americana, percebeu nela uma “carência de
imagens”. Na idade média as imagens sagradas, os cultos, o folclore, os
ritos que revestiam a existência de cores, assim como as imagens
irracionais da religião se extinguiram, deixando o homem carente delas. A
partir disso, a vida perdeu encantamento e sentido. Com o
desenvolvimento do mundo capitalista a vida foi modelada pela
equivalência e pelas relações de troca. A vida se viu “desconsolada”. O
homem teve necessidade de uma nova mitologia, ele precisou substituir as
imagens e formas através da indústria cultural: “(…) os meios de
massa adotaram uma mitologia substitutiva que em nada se compara aos
fatos de um passado bem próximo ainda. As estrelas de cinema, as canções
de sucesso com suas letras e seus títulos irradiam um brilho igualmente
calculado. (…) Por vezes semblantes femininos – muito cuidados e quase
sempre de uma beleza estonteante – se explicam por si mesmos como
pictografia da semiformação. (…) A semiformação não se confina meramente
ao espírito, adultera também a vida sensorial” (ADORNO, 1996, p.467).
Foi por meio das imagens criadas pela indústria cultural que o mundo
foi ideologizado. Essa ideologização da vida tem sua origem nos
movimentos totalitários. Hitler com o objetivo de reforçar seu ideário
político na mentalidade do povo alemão, fez uso das imagens através do
cinema e do rádio. A partir daí a “indústria cultural” encontrou nas
imagens sua expressão mais influente. O embelezamento da vida; os
rituais de limpeza; o culto ao corpo belo, forte e saudável; as imagens
de uma raça pura tornaram-se a ideologia do totalitarismo. Foi através
dessa ideologização da vida que seis milhões de judeus morreram nos
campos de concentração.
Segundo Sontag (1981, p 147) uma sociedade torna-se moderna quando uma
de suas principais atividades passa a ser a produção e o consumo de
imagens, quando as imagens passam a determinar nossas exigências com
repeito à realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas da
experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia,
à estabilidade política e à busca da felicidade individual.
As imagens do cinema, da televisão, das novas tecnologias da informação
substituíram as imagens da cultura autêntica. A cultura tornou-se
semicultura. A realidade tornou-se hiper-realidade. As imagens
veiculadas pelas diversas mídias, em particular, pela televisão, produz
no indivíduo semiformado uma espécie de hiper-realidade, cujo objetivo é
criar um estado de delírio, de catarse. Quando Adorno pensou a ideia
de esquematismo kantiano no seu ensaio “Indústria Cultural”, seu
objetivo foi demonstrar que a cultura de massa produz através das
imagens uma falsa consciência da realidade. Ela produz uma espécie de
engenharia do real. ”A função que o esquematismo kantiano ainda
atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a multiplicidade
sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria
cultural. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao
cliente (…). O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria
cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a
rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este
pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção
quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com
que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna
hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem
ruptura do mundo que se descobre no filme” (ADORNO, 1985, p.103-4).
Se o diagnóstico acima é correto, como desvincular as imagens de seu
conteúdo ideológico? Essa é a grande pergunta que nós educadores
devemos nos colocar. É o postulado primeiro de qualquer aprendizagem que
envolva imagens. Isso significa que as imagens devem ser
“desideologizadas”. Toda imagem deve se mostrada naquilo que é, em sua
finalidade, em seus contextos, seja ele histórico, político ou cultural.
A imagem deve ser analisada sempre em sua intencionalidade. Não há
imagem neutra, isso porque “a câmera define a realidade de dois modos
indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade industrial avançada:
como seus óculos (para as massas) e como objeto de vigilância (para os
dirigentes). A produção de imagens fornece também uma ideologia
dominante. A transformação social é substituída por uma transformação
das imagens. A liberdade de consumir uma pluralidade de imagens e bens
equivale à própria liberdade. A contração da liberdade de opção política
em liberdade de consumo econômico exige a produção ilimitada e o
consumo de imagens” (SONTAG, 1981, p 171). É nesse sentido que o aluno
deve aprender a selecionar, recuperar e decodificar as informações da
imagem. Ele deve aprender a distinguir a representação da realidade.
Isso significa que a falsa realidade mostrada através das imagens deve
ser desconstruída, desromantizada, e desmistificada. A maior liberdade
social e a autonomia de pensamento dependem disso.
Bibliografia
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de janeiro: Jorge Zarhar, 1985.
_______. Teoria da Semicultura. In: Revista “Educação e Sociedade”. Campinas: n. 56, ano XVII, dezembro de 1996, pág. 388-411.
Sontag, Susan. Ensaios sobre a Fotografia. Trad. Joaquim Paiva. Ed. Arbor, RJ, 1981.
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* Professor Filosofia.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2012/06/17/
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