domingo, 17 de junho de 2012

O uso das imagens e os desafios para a educação.



Michel Aires de Souza*














 Adorno em seu ensaio “Teoria da Semicultura”, ao analisar o mundo físico e simbólico da cultura norte-americana, percebeu nela uma “carência de imagens”. Na idade média as imagens sagradas, os cultos, o folclore, os ritos que revestiam a existência de cores, assim como as imagens irracionais da religião se extinguiram, deixando o homem carente delas. A partir disso,  a vida perdeu encantamento e sentido.  Com o desenvolvimento do mundo capitalista a vida foi modelada pela equivalência e pelas relações de troca. A vida se viu “desconsolada”. O homem teve necessidade de uma nova mitologia, ele precisou substituir as imagens e formas  através da indústria cultural: “(…) os meios de massa  adotaram uma mitologia substitutiva que em nada se compara aos fatos de um passado bem próximo ainda. As estrelas de cinema, as canções de sucesso com suas letras e seus títulos irradiam um brilho igualmente calculado. (…) Por vezes semblantes femininos – muito cuidados e quase sempre de uma beleza estonteante – se explicam por si mesmos como pictografia da semiformação. (…) A semiformação não se confina meramente ao espírito, adultera também a vida sensorial” (ADORNO, 1996, p.467).
        Foi por meio das imagens criadas pela indústria cultural que o mundo foi ideologizado. Essa ideologização da vida tem sua origem nos movimentos totalitários. Hitler com o objetivo de reforçar seu ideário político na mentalidade do povo alemão, fez uso das imagens através do cinema e do rádio. A partir daí  a “indústria cultural”  encontrou nas imagens sua expressão mais influente. O embelezamento da vida; os rituais de limpeza; o culto ao corpo belo, forte e saudável; as imagens de uma raça pura tornaram-se a ideologia do totalitarismo. Foi através dessa ideologização da vida que seis milhões de judeus morreram nos campos de concentração. 
          Segundo Sontag (1981, p 147) uma sociedade torna-se moderna quando uma de suas principais atividades passa a ser a produção e o consumo de imagens, quando as imagens passam a determinar nossas exigências com repeito à realidade e são elas mesmas substitutas cobiçadas da experiência autêntica, tornam-se indispensáveis a boa saúde da economia, à estabilidade política e à busca da felicidade individual.
        As imagens do cinema, da televisão, das novas tecnologias da informação substituíram as imagens da cultura autêntica. A cultura tornou-se semicultura. A realidade tornou-se hiper-realidade. As imagens veiculadas pelas diversas mídias, em particular, pela televisão, produz no indivíduo semiformado uma espécie de hiper-realidade, cujo objetivo é criar um estado de delírio, de catarse.   Quando Adorno pensou a ideia de esquematismo kantiano no seu ensaio “Indústria Cultural”, seu objetivo foi demonstrar que a cultura de massa produz através das imagens uma falsa consciência da realidade. Ela produz uma espécie de engenharia do real.   ”A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a saber, referir de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é tomada ao sujeito pela indústria cultural. O esquematismo é o primeiro serviço prestado por ela ao cliente (…). O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir  rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção.  Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje  obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento  sem ruptura do mundo que se descobre no filme” (ADORNO, 1985, p.103-4).    
         Se o diagnóstico acima é correto, como desvincular as imagens de seu conteúdo ideológico?  Essa é a grande pergunta que nós educadores devemos nos colocar. É o postulado primeiro de qualquer aprendizagem que envolva imagens. Isso significa que as imagens devem ser “desideologizadas”. Toda imagem deve se mostrada naquilo que é, em sua finalidade, em seus contextos, seja ele histórico, político ou cultural. A imagem deve ser analisada sempre em sua intencionalidade. Não há imagem neutra, isso porque “a câmera define a realidade de dois modos indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade industrial avançada: como seus óculos (para as massas) e como objeto de vigilância (para os dirigentes). A produção de imagens fornece também uma ideologia dominante. A transformação social é substituída por uma transformação das imagens. A liberdade de consumir uma pluralidade de imagens e bens equivale à própria liberdade. A contração da liberdade de opção política em liberdade de consumo econômico exige a produção ilimitada e o consumo de imagens” (SONTAG, 1981, p 171). É nesse sentido que o aluno deve aprender a selecionar, recuperar e decodificar as informações da imagem. Ele deve aprender a distinguir a representação da realidade. Isso significa que a falsa realidade mostrada através das imagens deve ser desconstruída, desromantizada, e desmistificada.  A maior liberdade social e a autonomia de pensamento dependem disso.
Bibliografia
 ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de janeiro: Jorge Zarhar, 1985.
_______. Teoria da Semicultura. In: Revista “Educação e Sociedade”. Campinas: n. 56, ano XVII, dezembro de 1996, pág. 388-411.
Sontag, Susan. Ensaios sobre a Fotografia. Trad. Joaquim Paiva. Ed. Arbor, RJ, 1981.
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 * Professor Filosofia.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2012/06/17/

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