D. Gianfranco Ravasi*
O que me faz perceber se alguém passou através no fogo
do amor divino não é a maneira de falar de Deus mas como fala das
coisas terrenas. «Porque ficais a olhar para o céu?». O aviso do anjo
da ascensão de Cristo é significativo para exprimir o verdadeiro rosto
do cristianismo, que não é um impulso para descolar da realidade para
os céus míticos e místicos.
O Reino dos céus é, antes, transcendente, «celeste»,
mas «está no meio de vós», como dirá Jesus; encarna-se em Jerusalém,
isto é, na cidade das obras e dos dias. «Procurai as coisas do alto e
não as da terra»: o apelo paulino não significa alienação «celestial»
mas levar uma existência irradiada pelo Espírito de Deus («a vossa vida
está escondida com Cristo em Deus», continua o apóstolo), é tornar-se
criatura nova e não permanecer «homem velho» ligado ao peso das paixões
e vícios terrenos.
Belíssima é por isso a frase acima proposta por Simone
Weil, judia mas em profunda sintonia com o cristianismo. Podemos falar
de Deus através de um modo predicatório, retórico e grandiloquente, que
talvez atraia o ouvido mas não penetra o coração, fazendo-o vibrar. O
teste decisivo da autêntica espiritualidade é, em vez disso, quando se
fala e vive a realidade terrena irradiando luz, transfigurando-a em
Deus. O verdadeiro profeta é aquele que, como dizia um aforismo
rabínico, faz jorrar centelhas divinas das pedras.
A verdade sobre Deus entrelaça-se com a caridade; caso
contrário é uma especulação teórica ou ênfase espiritualista. É curioso
que em russo a palavra pravda significa «verdade» mas também «justiça». A verdade religiosa é também ação, a fé percorre o caminho da história e ilumina-a.
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* Presidente do Conselho Pontifício da Cultura
In Avvenire
Trad.: rjm
© SNPC (trad.) | 13.06.12
In Avvenire
Trad.: rjm
© SNPC (trad.) | 13.06.12
Fonte: http://www.snpcultura.org/falar_de_Deus.html
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