domingo, 7 de abril de 2013

POEMAS

VERISSIMO*
 

"Prezado M:

Recebi o e-mail com seu mais novo poema e entendo seu entusiasmo. Realmente, é um raro exemplo de exteriorização poética da angústia moderna, a começar pela reiteração inicial:
'Eu mato, eu mato...'.

A brutal assertiva evoca à perfeição a têmpera destes dias, o nosso 'zeitgeist'. Perderam-se as ilusões com a justiça, com as esperanças de regeneração e com todas as instâncias jurídicas. Vivemos num deserto de valores morais. O poeta não diz 'eu reprimendo', 'eu castigo', 'eu mando prender', 'eu condeno'. Diz e repete 'eu mato'. Que retribuição se pode esperar onde a justiça não faz justiça e a cadeia não segura o ladrão? O poeta ameaça fazer sua própria justiça porque não existe outra. Revertemos ao animal primevo com as presas à mostra, num ricto de vingança selvagem. Uma hiena ganindo entre as ruínas de uma civilização falida.

Segue o poema:

'... quem roubou minha cueca...'.

Há aqui algo que evoca Eliot, com seu constante recurso ao aparentemente banal - no caso, a cueca - em contraponto a alusões clássicas e míticas, e que acabou sendo um viés da poesia moderna (Auden, Drummond). Não seria, talvez, demais ler a cueca como metáfora. A cueca representa o que temos de mais íntimo, recôndito, profundo. O que temos de mais nosso. O que o 'zeitgeist' nos roubou. Ou seja: a nossa alma. Onde está 'cueca' leia-se 'alma'. Sem a cueca ficamos nus. Sem a alma também estamos reduzidos a apenas nosso corpo.

Mas quem roubou a nossa cueca/alma? Quem trouxe nosso corpo desprotegido para este deserto? 

Quem merece a raiva do poeta?

Que a raiva é merecida fica evidente na última linha do verso:

'... pra fazer pano de prato!'.

A suprema degradação. Nossa alma secando pratos. O fim de uma geração que conseguiu chegar à Lua mas se perdeu no caminho da privada. Quem é o culpado? Também queremos ganir de indignação como o poeta mas não sabemos em que direção. Para o alto? Para o lado? Para que lado? Quem, afinal, roubou nossa cueca pra fazer pano de prato?

Mas, enfim, poesia é isso mesmo, não é não? Perguntas sem respostas. Se houvesse resposta não seria poesia. Só me resta invejar o seu poder de síntese e a síntese do seu poder, que reduz toda a condição humana a um verso singelo, e o Universo a um gemido terminal. 
Parabéns!

E um grande abraço do L."

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"Prezado L:

Gostei muito do que você escreveu sobre o verso que mandei, mas preciso fazer uma confissão: mandei o verso errado. Queria que você comentasse o poema caudal em 170 estrofes que me custou quase um ano de trabalho mas me atrapalhei (sou um pré-eletrônico, você sabe) e acabei mandando a letra de uma antiga marchinha de carnaval que, sei lá por que, meu neto de 12 anos armazenou no meu laptop. Mas obrigado assim mesmo. Grande abraço, M." 
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* Luis Fernando Veríssimo. Escritor gaúcho. Cronista.
Fonte:  http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,poemas,1018027,0.htm
Imagem da Internet

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