Martha Medeiros*
Sempre me fascinou a maneira como tanta gente recebe
amigos em casa de forma absolutamente desestressada. As visitas chegam
sem avisar, abrem a geladeira, se esparramam no sofá e está tudo certo,
desde que sejam íntimas. Se não forem íntimas, tornam-se.
Nesse aspecto, minha educação foi mais cerimoniosa. Gosto de ser avisada que virão à minha casa, até para ter tempo de me preparar: comprar algumas flores, abastecer a geladeira, deixar a música no ponto. Adoro receber, desde que me deem a chance de esperar meus convidados como acho que devo. Na contramão da maioria das pessoas, prefiro a previsibilidade ao ataque surpresa.
Não sei de onde vem essa formalidade, deve ser cultura familiar. Lembro de ouvir recomendações quando criança: trate bem as visitas. Mesmo eu não conhecendo alguns amigos dos meus pais, era obrigatório ir até a sala, de pijama e dentes escovados, cumprimentar os adultos e dar boa-noite. Podia ser aborrecido, mas não havia negociação. Então, ficou incrustada em mim essa reverência prestada a todos os que nos visitam – mandam os bons modos oferecer ao menos um copo d’água, convidar para sentar, ser atencioso e procurar causar uma boa impressão.
Talvez seja por isso que a cada vez que ouço a notícia de que um turista estrangeiro sofreu alguma selvageria em nosso país, sou tomada pela vergonha. Óbvio que qualquer crime, contra qualquer pessoa, é chocante e inadmissível, mas o turista atacado me parece ainda mais indefeso do que nós: ele não conhece as manhas das nossas cidades, não fala nosso idioma, está aqui apenas para se divertir, e de repente sofre um assalto brutal e tem sua dignidade profundamente atingida, como foi o caso do casal de namorados que há poucos dias entrou numa van em Copacabana e acabou sofrendo abusos por seis horas nas mãos de delinquentes.
Cadê o copo d’água, a atenção?
É só assistir aos telejornais para perceber que o Brasil não mudou tanto quanto apregoa. Manicure mata criança, motorista atropela e foge, torcedores se agridem. E proliferam os roubos de carros, arrastões em restaurantes, depredação de caixas eletrônicos. Difícil nossas atrações turísticas competirem com o produto brasileiro mais divulgado lá fora: a violência.
Claro que existe o vice-versa: nem sempre brasileiros são recebidos no Exterior com tapete vermelho, como demonstram os casos de deportações sumárias e assassinatos inexplicáveis, a exemplo do garoto que recebeu vários eletrochoques disparados por policiais canadenses ou o famoso episódio envolvendo Jean Charles, que foi abatido a tiros num metrô de Londres.
Mas não atenua. Sigo muito envergonhada. Se vieram pacificamente até a nossa casa e abrimos a porta, que façamos a gentileza de deixar o cachorro preso.
Nesse aspecto, minha educação foi mais cerimoniosa. Gosto de ser avisada que virão à minha casa, até para ter tempo de me preparar: comprar algumas flores, abastecer a geladeira, deixar a música no ponto. Adoro receber, desde que me deem a chance de esperar meus convidados como acho que devo. Na contramão da maioria das pessoas, prefiro a previsibilidade ao ataque surpresa.
Não sei de onde vem essa formalidade, deve ser cultura familiar. Lembro de ouvir recomendações quando criança: trate bem as visitas. Mesmo eu não conhecendo alguns amigos dos meus pais, era obrigatório ir até a sala, de pijama e dentes escovados, cumprimentar os adultos e dar boa-noite. Podia ser aborrecido, mas não havia negociação. Então, ficou incrustada em mim essa reverência prestada a todos os que nos visitam – mandam os bons modos oferecer ao menos um copo d’água, convidar para sentar, ser atencioso e procurar causar uma boa impressão.
Talvez seja por isso que a cada vez que ouço a notícia de que um turista estrangeiro sofreu alguma selvageria em nosso país, sou tomada pela vergonha. Óbvio que qualquer crime, contra qualquer pessoa, é chocante e inadmissível, mas o turista atacado me parece ainda mais indefeso do que nós: ele não conhece as manhas das nossas cidades, não fala nosso idioma, está aqui apenas para se divertir, e de repente sofre um assalto brutal e tem sua dignidade profundamente atingida, como foi o caso do casal de namorados que há poucos dias entrou numa van em Copacabana e acabou sofrendo abusos por seis horas nas mãos de delinquentes.
Cadê o copo d’água, a atenção?
É só assistir aos telejornais para perceber que o Brasil não mudou tanto quanto apregoa. Manicure mata criança, motorista atropela e foge, torcedores se agridem. E proliferam os roubos de carros, arrastões em restaurantes, depredação de caixas eletrônicos. Difícil nossas atrações turísticas competirem com o produto brasileiro mais divulgado lá fora: a violência.
Claro que existe o vice-versa: nem sempre brasileiros são recebidos no Exterior com tapete vermelho, como demonstram os casos de deportações sumárias e assassinatos inexplicáveis, a exemplo do garoto que recebeu vários eletrochoques disparados por policiais canadenses ou o famoso episódio envolvendo Jean Charles, que foi abatido a tiros num metrô de Londres.
Mas não atenua. Sigo muito envergonhada. Se vieram pacificamente até a nossa casa e abrimos a porta, que façamos a gentileza de deixar o cachorro preso.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: Zero Hora on line, 03/04/2013
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