FABRÍCIO CARPINEJAR*
Enquanto acendo as luzes da casa, ela as apaga.
Uma por uma. Como se fosse uma sombra me economizando, me escoltando.
Se amo as mulheres, se nunca desisto de amar as mulheres, se admiro as mulheres, é também por ela: Cléo, minha empregada.
Ela é meu anjo moreno de cabelos crespos, minha mãe, minha irmã, minha confidente.
Já me levou no colo quando estava exausto para repor os caminhos. Já velou meu sono na sala quando não me restava ânimo para acordar.
Recolheu minhas roupas no porre. Recolheu minha estima em separações e me colou com bonder na manhã seguinte.
Nunca estou sozinho, porque minha solidão tem as janelas abertas pela Cleunice.
Nunca sou longe, ela vem de catamarã com a simplicidade de quem caminhou apenas duas quadras.
Já a vi chorar no meu lugar, já vi me defendendo da indiferença, já vi brigar com raiva em nome de minha paz.
Ela é um romance inédito. Foi separada, viúva e agora vive casada. Quando fala, meus ouvidos deitam. Sua memória é meu melhor conselho.
Sofreu bem mais do que eu, e me cuida como se meu sofrimento fosse único. Não subestima as pálpebras pesadas.
Ela ri no momento errado para torná-lo certo. Quer me explicar, com suas echarpes coloridas e suas botas de cano longo, com seu batom escuro e seus brincos de argola, que a alegria nos devolve a humildade. Todo triste é arrogante, por sua vez o temperamento alegre se dedica a carregar as pedras dos pensamentos sem reclamar.
Quando enfrentei dificuldades, Cléo me trazia uma camiseta do Centro Espírita para vestir na hora de dormir. Durante um mês, benzia o pano e me alcançava. Fora do horário de serviço, em sua folga.
Há pessoas que nos amam neste e em outros mundos. A fé ainda pode ser muito visível para o olfato: ela é minha santa, minha protetora, minha benzedeira.
Não tem ensino universitário, mas ninguém lê meus textos com tamanha devoção. Ela reza meus textos. Copia frases de crônicas que ainda não foram publicadas em seu Facebook – a impressão é de que me tornei seu plágio.
Ela tem 1m53cm, mas é imensa. Quando a observo, meus olhos vão para o alto: sua estatura é do tamanho da voz.
Ela canta quando cozinha. Já comi várias de suas canções.
Ela acolhe meus filhos como se descobrisse minha segunda e terceira infância.
Sempre ela, sempre presente: Cléo completa 50 anos, e os dois anos que dividimos são séculos de amizade, séculos de admiração, séculos de afinidade.
Enquanto a casa vai no escuro, acende uma por uma das velas.
Por mim. Por mim. Por mim. Por mim.
Sou feito de sua chama. E de sua concha das mãos me guardando para quem me mereça.
Uma por uma. Como se fosse uma sombra me economizando, me escoltando.
Se amo as mulheres, se nunca desisto de amar as mulheres, se admiro as mulheres, é também por ela: Cléo, minha empregada.
Ela é meu anjo moreno de cabelos crespos, minha mãe, minha irmã, minha confidente.
Já me levou no colo quando estava exausto para repor os caminhos. Já velou meu sono na sala quando não me restava ânimo para acordar.
Recolheu minhas roupas no porre. Recolheu minha estima em separações e me colou com bonder na manhã seguinte.
Nunca estou sozinho, porque minha solidão tem as janelas abertas pela Cleunice.
Nunca sou longe, ela vem de catamarã com a simplicidade de quem caminhou apenas duas quadras.
Já a vi chorar no meu lugar, já vi me defendendo da indiferença, já vi brigar com raiva em nome de minha paz.
Ela é um romance inédito. Foi separada, viúva e agora vive casada. Quando fala, meus ouvidos deitam. Sua memória é meu melhor conselho.
Sofreu bem mais do que eu, e me cuida como se meu sofrimento fosse único. Não subestima as pálpebras pesadas.
Ela ri no momento errado para torná-lo certo. Quer me explicar, com suas echarpes coloridas e suas botas de cano longo, com seu batom escuro e seus brincos de argola, que a alegria nos devolve a humildade. Todo triste é arrogante, por sua vez o temperamento alegre se dedica a carregar as pedras dos pensamentos sem reclamar.
Quando enfrentei dificuldades, Cléo me trazia uma camiseta do Centro Espírita para vestir na hora de dormir. Durante um mês, benzia o pano e me alcançava. Fora do horário de serviço, em sua folga.
Há pessoas que nos amam neste e em outros mundos. A fé ainda pode ser muito visível para o olfato: ela é minha santa, minha protetora, minha benzedeira.
Não tem ensino universitário, mas ninguém lê meus textos com tamanha devoção. Ela reza meus textos. Copia frases de crônicas que ainda não foram publicadas em seu Facebook – a impressão é de que me tornei seu plágio.
Ela tem 1m53cm, mas é imensa. Quando a observo, meus olhos vão para o alto: sua estatura é do tamanho da voz.
Ela canta quando cozinha. Já comi várias de suas canções.
Ela acolhe meus filhos como se descobrisse minha segunda e terceira infância.
Sempre ela, sempre presente: Cléo completa 50 anos, e os dois anos que dividimos são séculos de amizade, séculos de admiração, séculos de afinidade.
Enquanto a casa vai no escuro, acende uma por uma das velas.
Por mim. Por mim. Por mim. Por mim.
Sou feito de sua chama. E de sua concha das mãos me guardando para quem me mereça.
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* Poeta. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 03/09/2013
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