Mais do que só relaxar e combater o estresse, cientistas vêm
mostrando que a meditação tem a capacidade de mudar
a estrutura e as
funções cerebrais, favorecendo a atenção plena e a habilidade de foco.
(foto: Michell Joyce CC BY-NC 2.0)
Em entrevista à CH, a bióloga Elisa Kozasa e o
neurocientista Luiz Eugênio Mello apresentam seus resultados de pesquisa
sobre a ação do estado meditativo no cérebro e falam sobre a aplicação
dessa prática no sistema público de saúde.
Originalmente ligada às práticas religiosas orientais, a meditação é
hoje objeto de estudo da ciência e recomendada como terapia complementar
para muitas condições médicas. No Brasil, é oferecida pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) desde 2006. Muito mais que apenas relaxar e
combater o estresse, cientistas vêm mostrando que a prática meditativa
tem a capacidade de mudar a estrutura e as funções cerebrais,
favorecendo a atenção plena e a habilidade de foco.
Pesquisas desenvolvidas no Brasil investigam esses efeitos da
meditação e tentam entender suas vantagens. Nesta entrevista, a bióloga
Elisa Kozasa, do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert
Einstein, e o neurocientista Luiz Eugênio Mello, da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), à frente desses estudos, falam sobre seus
resultados mais recentes na busca por compreender a ação do estado
meditativo no cérebro e discutem a aplicação dessa prática no sistema
público de saúde.
Ciência Hoje: Vocês vêm estudando os efeitos da
meditação sobre o cérebro humano há mais de 10 anos. O que têm observado
de mais interessante?
Kozasa: Publicamos um estudo na NeuroImage,
bastante citado, em que comparamos pessoas que meditam com regularidade
e pessoas que não meditam durante uma tarefa de atenção sustentada. Os
dois grupos foram pareados por escolaridade, idade e gênero. Não
diferenciamos o tipo de meditação que eles praticavam. Eram pessoas que
meditavam há pelo menos três anos, três vezes por semana por meia hora
no mínimo.
Havia pessoas que meditavam todos os dias, mais de uma hora. Esse
critério mínimo foi estabelecido a partir de conversas com meditadores
experientes. Observamos que quem não medita precisa ativar mais áreas
cerebrais do que quem medita para ter o mesmo desempenho em uma tarefa
de atenção. Enxergamos bem essa diferença em exames de neuroimagem
funcional feitos nos dois grupos no Hospital Israelita Albert Einstein. É
como se as pessoas que meditam regularmente tivessem um cérebro mais
eficiente para desempenhar atividades que requerem atenção.
Quando falam de meditação, a que se referem exatamente? O que
caracteriza a meditação? Basta sentar e prestar atenção na respiração?
Kozasa: Não há consenso na literatura sobre o que é
meditação, mas basicamente são práticas em que se treina a atenção
sustentada e se desenvolve certo nível de relaxamento físico e mental
autoinduzido. O grande ganho das práticas de meditação é treinar a
atenção, mas não a ‘atenção tensa’ e sim uma ‘atenção relaxada’, que
permite ao indivíduo poder sustentar esse estado por longos períodos de
tempo.
Então, outras práticas que envolvam atenção, como fazer origami, por exemplo, podem ter o mesmo efeito que a meditação clássica?
Mello: Há
várias evidências que sugerem existir outras formas de meditar. Quando
se está fazendo crochê ou pescando, por exemplo, concentrado numa dada
atividade e a desempenhando conscientemente, há uma analogia com o
processo de meditação. Mas não chegamos a fazer um estudo para comparar
pessoas que meditam com aquelas que fazem esse tipo de atividade para
saber se o efeito é o mesmo.
Kozasa: Há muitas questões ainda a ser analisadas.
Uma delas é saber as diferenças entre práticas meditativas variadas. Os
leigos podem pensar que meditar é só sentar de pernas cruzadas e prestar
atenção na respiração, mas não é só isso. Existem diferentes técnicas
de meditação. Hoje se fala, inclusive, no conceito de meditação
informal, ou de práticas de mindfulness (atenção plena), que
têm sido trazidas ao Ocidente. São estratégias que saem da meditação
formal, sentada, e envolvem atividades cotidianas, mantendo a atenção
naquela ação. As pessoas as praticam mesmo sem saber o que é mindfulness. Uma coisa é meditar e outra, o estado meditativo, que talvez possa ser atingido por meio dessas outras práticas informais.
O que acontece em nível fisiológico no cérebro de quem medita? Algum hormônio é liberado, alguma área específica é ativada?
Kozasa: Isso varia de acordo com o tipo de
meditação. Fizemos um estudo em que tentamos ver se havia diferenças
estruturais no cérebro das pessoas que meditam e não apenas diferenças
funcionais, como observamos antes. Para isso, usamos um programa de
computador desenvolvido pelo João Ricardo Sato, da Universidade Federal
do ABC, que nos permitiu classificar os cérebros de meditadores e não
meditadores com base em imagens estruturais cerebrais obtidas por
ressonância magnética. Para nosso espanto, verificamos, com quase 95% de
acurácia, que era possível distinguir o cérebro de uma pessoa que
meditava do de outra que não o fazia. Foram considerados os volumes de
121 regiões do cérebro; algumas das regiões que mais se diferenciaram
foram tálamo, giro pré-central, giro frontal inferior e o córtex
entorrinal.
O que representam essas alterações cerebrais?
Kozasa: O tálamo é um ‘relê’ sensorial, que deixa
passar ou bloqueia as informações enviadas pelos sentidos. Uma das
habilidades desenvolvidas no processo de meditação é aprender a
direcionar a atenção para um foco mais específico, em vez de receber de
forma automática os dados sensoriais e responder a eles do mesmo modo.
Em um estudo, usamos um teste de atenção e controle de impulsos.
Mostramos aos voluntários palavras referentes a cores, mas pintadas de
outra cor, como ‘vermelho’ escrito em azul, e as pessoas tinham que
dizer a cor que viam e não a palavra. Essa tarefa exige atenção e
controle de impulsos, habilidades desenvolvidas à medida que se treina a
prática meditativa. Ao contrário do que parece, ficar sentado mantendo
um foco de atenção não é um processo passivo, é ativo e exige
aprendizado.
Mello: A questão do tálamo é muito importante. Nosso
sistema nervoso é bombardeado com informações de toda natureza a todo
instante. Essas informações podem ou não ganhar acesso ao córtex
cerebral e despertar uma reação. Se ouço o barulho de uma bomba, como
ele é intenso e eu o catalogo de um modo específico no meu cérebro,
tenho que prestar atenção. Se me for infligido um estímulo nocivo que
provoque dor, ele também tem que chamar a atenção. Há um experimento
fascinante para explicar a atenção. Imagine uma audiência sentada para
assistir a uma aula. Se forem crianças de dois anos, elas não ficam
sentadas por muito tempo. Se forem adolescentes, vão ficar um pouco
mais. Se forem adultos jovens, mais ainda. Isso tem a ver com o
amadurecimento do sistema nervoso.
Mello: A capacidade de atenção não nasce pronta, vai se desenvolvendo naturalmente
A capacidade de atenção não nasce pronta, vai se desenvolvendo
naturalmente. Se a aula for interessantíssima, essa população de adultos
jovens ficará imóvel por manter atenção completa na aula. Mas, à medida
que o tempo passa, mesmo que a atenção seja completa, as pessoas
começarão a se mexer e a se distrair. Isso acontece porque, quando
ficamos imóveis em cima do corpo, ocorre o que chamamos de escara de
decúbito. Qualquer paciente que ficar deitado no hospital tem que ser
virado, senão surgem escaras. Assim também é conosco: quando sentados ou
deitados nos mexemos porque os receptores do nosso corpo começam a
enviar sinais ao tálamo avisando que a circulação sanguínea não está
adequada.
Mesmo inconscientemente, o nosso tálamo filtra a informação e a envia
para o córtex, que toma a decisão de se mover. O tálamo é esse filtro
que controla a informação que chega ao sistema nervoso. A única
informação que não passa pelo crivo do tálamo para chegar ao córtex é a
olfativa. Todas as outras informações sensoriais passam por ele.
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Reportagem Por: Sofia Moutinho,
Fonte: Ciência Hoje/ RJ Publicado em 20/05/2014
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Atualizado em 20/05/2014
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