Alf Hornborg aborda criticamente a defesa da tecnologia como organização social, tese proposta por Bruno Latour
“Eu aprovo completamente o entendimento de Latour sobre a
tecnologia como uma organização social — se ele concordasse com tal
simplificação —, mas gostaria de convidá-lo para criticar a tecnologia
precisamente porque ela incorpora e reproduz relações sociais de
exploração”, sustenta Alf Hornborg, em entrevista concedida por e-mail à
IHU On-Line. “Ele tem mostrado como artefatos
materiais mediam e organizam relações sociais humanas, e que isto é a
diferença essencial entre sociedades humanas e sociedades de outros
primatas, mas não desfetichiza tais artefatos por expor suas funções
como instrumentos de poder e exploração”, complementa.
Para o pesquisador, a visão de que a tecnologia opera a partir de um
conjunto neutro de instrumentos, que visam a determinados objetivos
práticos, funciona com uma espécie de ideologia. “A tecnologia moderna é
um fetiche no mesmo sentido que o dinheiro e as mercadorias: objetos
materiais atribuídos com produtividade e agência autônoma, dissimulando
quanta produtividade e agência realmente derivam de relações desiguais
de troca”, argumenta o entrevistado.
Alf Hornborg é professor e coordenador do
departamento de Ecologia Humana da Universidade de Lund, Suécia.
Realizou seu doutorado em Antropologia Cultural na Universidade de
Uppsala (1986). É autor de diversos textos e artigos, sendo mais
conhecido por The Power of the Machine: and Global Inequalities of
Economy, Technology, and Environment (AltaMira Press, 2001) e Technology
as Fetish: Marx, Latour, and the Cultural Foundations of Capitalism
(Theory, Culture, Society, 2013).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em relação às propostas teóricas de Bruno
Latour sobre a tecnologia, onde ele demonstra sua falta de interesse e
atenção? Por que o conceito marxista de fetiche é necessário para uma
visão crítica de sua obra?
Alf Hornborg - Eu aprovo completamente o
entendimento de Latour sobre a tecnologia como uma organização social —
se ele concordasse com tal simplificação —, mas gostaria de convidá-lo
para criticar a tecnologia precisamente porque ela incorpora e reproduz
relações sociais de exploração. Ele tem mostrado como artefatos
materiais mediam e organizam relações sociais humanas, e que isto é a
diferença essencial entre sociedades humanas e sociedades de outros
primatas, mas não desfetichiza tais artefatos por expor suas funções
como instrumentos de poder e exploração. Ao invés, ele sugere que todos
artefatos são “feitiches” , desse modo desarmando o projeto marxista de
revelar como nossa percepção convencional de objetos materiais (tais
como dinheiro e mercadorias) pode servir para esconder relações sociais e
trocas desiguais.
IHU On-Line - Por que é tão importante estabelecer uma
crítica política sobre os objetos tecnológicos modernos (ou como você os
chama, sobre as Máquinas)?
Alf Hornborg - Seguindo o que foi mencionado acima,
meu argumento é de que a tecnologia moderna é um fetiche no mesmo
sentido que o dinheiro e as mercadorias: objetos materiais atribuídos
com produtividade e agência autônoma, dissimulando quanta produtividade e
agência realmente derivam de relações desiguais de troca.
IHU On-Line - Aqui no Brasil, a Teoria Ator-Rede de Bruno
Latour (ANT) encontrou um número surpreendente de seguidores,
especialmente entre pesquisadores dos campos de gestão, economia,
direito, comunicação social, jornalismo, relações internacionais, etc.
Quais são os riscos ou problemas teóricos que pesquisadores podem
incorrer usando essa teoria, em particular, quando eles não estão
familiarizados com os debates sobre natureza/cultura?
Alf Hornborg - A Teoria Ator-Rede é geralmente
entendida como a convicção de que artefatos materiais têm agência. Neste
sentido, ela expressa a ilusão que Marx chamou de fetichismo. Uma
análise marxista iria revelar que a agência foi delegada aos artefatos
por agentes humanos reais. Artefatos somente mediam relações sociais
humanas, eles não agem por si mesmos.
IHU On-Line - Existe um lugar para a ideologia na discussão acadêmica sobre tecnologia?
Alf Hornborg - Ver a tecnologia como um conjunto
moral e politicamente neutro de instrumentos para atingir certos
objetivos práticos, decorrente da engenhosidade humana; não exigir
relação de preços determinados e as relações desiguais de troca, é uma
ideologia.
IHU On-Line - Como podemos superar limites disciplinares
entre as ciências sociais e ciências naturais em discussões sobre
estratégias sociais de exploração e tecnologia?
Alf Hornborg - Precisamos manter a distinção
analítica entre aspectos sociais e naturais quando estamos reconhecendo
seu amálgama na realidade física. Negar esta distinção é obscurecer a
forma como os fenômenos naturais são mobilizados na organização das
relações sociais.
IHU On-Line - É uma "abordagem social animista" a resposta às
trocas desiguais e aos problemas ecológicos que cometem o planeta? Como
a economia ecológica pode contribuir neste debate?
Alf Hornborg - O animismo é relevante para esta
discussão porque denota a atribuição de agência para coisas não humanas.
Fetichismo, neste sentido, é um tipo específico de animismo. Mas eu
gostaria de restringir a definição de “animismo” para outras coisas
viventes como animais e plantas. Esta versão do animismo é algo que eu
poderia defender: maior empatia com respeito a coisas viventes com as
quais dividimos o planeta. Fetichismo é, ao invés disso, a atribuição de
agência para coisas mortas, como as máquinas.
Economia ecológica é crucial ao observar o quanto o pensamento
econômico convencional ignora os processos biofísicos (“natureza”) como
se esta fosse a Segunda Lei da Termodinâmica. Fornece-nos ferramentas
transdisciplinares para identificar trocas ecológicas desiguais,
mensurada como redes assimétricas de transferência de recursos
biofísicos que são escondidos pela aparente reciprocidade dos preços de
mercado.
IHU On-Line - Nós sempre fomos modernos?
Alf Hornborg - Sim, a modernidade (e o capitalismo
moderno) é uma condição social gerada pelo uso expansivo do dinheiro
para fins gerais (a ideia de permutabilidade generalizada) em conjunção
com combustíveis fósseis como fonte da energia mecânica. O cidadão
regular da civilização (globalizada) euro-americana hoje é mais
“moderno” — no sentido de se basear em abstrações universalizadas, como
dinheiro, experts e tempo e espaço padronizados —, então regular,
mediano. Encontrar pessoas “pré-modernas” em qualquer lugar é coisa do
século XVI e, mais do que a média, pessoas “não modernas” se encontram
em comunidades locais na periferia do sistema-mundo de hoje, incluindo
neste quinhão, é claro, as pessoas “indígenas”.
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Reportagem Por: Caio Coelho e Ricardo Machado
Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5495&secao=443 - acesso: 21/05/2014
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