quarta-feira, 21 de maio de 2014

O fetiche dos artefatos como mediadores das relações sociais

Alf Hornborg aborda criticamente a defesa da tecnologia como organização social, tese proposta por Bruno Latour


“Eu aprovo completamente o entendimento de Latour sobre a tecnologia como uma organização social — se ele concordasse com tal simplificação —, mas gostaria de convidá-lo para criticar a tecnologia precisamente porque ela incorpora e reproduz relações sociais de exploração”, sustenta Alf Hornborg, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “Ele tem mostrado como artefatos materiais mediam e organizam relações sociais humanas, e que isto é a diferença essencial entre sociedades humanas e sociedades de outros primatas, mas não desfetichiza tais artefatos por expor suas funções como instrumentos de poder e exploração”, complementa. 
 
Para o pesquisador, a visão de que a tecnologia opera a partir de um conjunto neutro de instrumentos, que visam a determinados objetivos práticos, funciona com uma espécie de ideologia. “A tecnologia moderna é um fetiche no mesmo sentido que o dinheiro e as mercadorias: objetos materiais atribuídos com produtividade e agência autônoma, dissimulando quanta produtividade e agência realmente derivam de relações desiguais de troca”, argumenta o entrevistado.

Alf Hornborg é professor e coordenador do departamento de Ecologia Humana da Universidade de Lund, Suécia. Realizou seu doutorado em Antropologia Cultural na Universidade de Uppsala (1986). É autor de diversos textos e artigos, sendo mais conhecido por The Power of the Machine: and Global Inequalities of Economy, Technology, and Environment (AltaMira Press, 2001) e Technology as Fetish: Marx, Latour, and the Cultural Foundations of Capitalism (Theory, Culture, Society, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em relação às propostas teóricas de Bruno Latour  sobre a tecnologia, onde ele demonstra sua falta de interesse e atenção? Por que o conceito marxista de fetiche é necessário para uma visão crítica de sua obra?
Alf Hornborg - Eu aprovo completamente o entendimento de Latour sobre a tecnologia como uma organização social — se ele concordasse com tal simplificação —, mas gostaria de convidá-lo para criticar a tecnologia precisamente porque ela incorpora e reproduz relações sociais de exploração. Ele tem mostrado como artefatos materiais mediam e organizam relações sociais humanas, e que isto é a diferença essencial entre sociedades humanas e sociedades de outros primatas, mas não desfetichiza tais artefatos por expor suas funções como instrumentos de poder e exploração. Ao invés, ele sugere que todos artefatos são  “feitiches” , desse modo desarmando o projeto marxista de revelar como nossa percepção convencional de objetos materiais (tais como dinheiro e mercadorias) pode servir para esconder relações sociais e trocas desiguais.

IHU On-Line - Por que é tão importante estabelecer uma crítica política sobre os objetos tecnológicos modernos (ou como você os chama, sobre as Máquinas)?
Alf Hornborg - Seguindo o que foi mencionado acima, meu argumento é de que a tecnologia moderna é um fetiche no mesmo sentido que o dinheiro e as mercadorias: objetos materiais atribuídos com produtividade e agência autônoma, dissimulando quanta produtividade e agência realmente derivam de relações desiguais de troca. 

IHU On-Line - Aqui no Brasil, a Teoria Ator-Rede de Bruno Latour (ANT) encontrou um número surpreendente de seguidores, especialmente entre pesquisadores dos campos de gestão, economia, direito, comunicação social, jornalismo, relações internacionais, etc. Quais são os riscos ou problemas teóricos que pesquisadores podem incorrer usando essa teoria, em particular, quando eles não estão familiarizados com os debates sobre natureza/cultura?
Alf Hornborg - A Teoria Ator-Rede é geralmente entendida como a convicção de que artefatos materiais têm agência. Neste sentido, ela expressa a ilusão que Marx  chamou de fetichismo. Uma análise marxista iria revelar que a agência foi delegada aos artefatos por agentes humanos reais. Artefatos somente mediam relações sociais humanas, eles não agem por si mesmos.

IHU On-Line - Existe um lugar para a ideologia na discussão acadêmica sobre tecnologia?
Alf Hornborg - Ver a tecnologia como um conjunto moral e politicamente neutro de instrumentos para atingir certos objetivos práticos, decorrente da engenhosidade humana; não exigir relação de preços determinados e as relações desiguais de troca, é uma ideologia. 

IHU On-Line - Como podemos superar limites disciplinares entre as ciências sociais e ciências naturais em discussões sobre estratégias sociais de exploração e tecnologia?
Alf Hornborg - Precisamos manter a distinção analítica entre aspectos sociais e naturais quando estamos reconhecendo seu amálgama na realidade física. Negar esta distinção é obscurecer a forma como os fenômenos naturais são mobilizados na organização das relações sociais.

IHU On-Line - É uma "abordagem social animista" a resposta às trocas desiguais e aos problemas ecológicos que cometem o planeta? Como a economia ecológica pode contribuir neste debate?
Alf Hornborg - O animismo é relevante para esta discussão porque denota a atribuição de agência para coisas não humanas. Fetichismo, neste sentido, é um tipo específico de animismo. Mas eu gostaria de restringir a definição de “animismo” para outras coisas viventes como animais e plantas. Esta versão do animismo é algo que eu poderia defender: maior empatia com respeito a coisas viventes com as quais dividimos o planeta. Fetichismo é, ao invés disso, a atribuição de agência para coisas mortas, como as máquinas.
Economia ecológica é crucial ao observar o quanto o pensamento econômico convencional ignora os processos biofísicos (“natureza”) como se esta fosse a Segunda Lei da Termodinâmica. Fornece-nos ferramentas transdisciplinares para identificar trocas ecológicas desiguais, mensurada como redes assimétricas de transferência de recursos biofísicos que são escondidos pela aparente reciprocidade dos preços de mercado.

IHU On-Line - Nós sempre fomos modernos?
Alf Hornborg - Sim, a modernidade (e o capitalismo moderno) é uma condição social gerada pelo uso expansivo do dinheiro para fins gerais (a ideia de permutabilidade generalizada) em conjunção com combustíveis fósseis como fonte da energia mecânica. O cidadão regular da civilização (globalizada) euro-americana hoje é mais “moderno” — no sentido de se basear em abstrações universalizadas, como dinheiro, experts e tempo e espaço padronizados —, então regular, mediano. Encontrar pessoas “pré-modernas” em qualquer lugar é coisa do século XVI e, mais do que a média, pessoas “não modernas” se encontram em comunidades locais na periferia do sistema-mundo de hoje, incluindo neste quinhão, é claro, as pessoas “indígenas”.
--------------
Reportagem  Por: Caio Coelho e Ricardo Machado
Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5495&secao=443 - acesso: 21/05/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário