Andrew Jennings revela esquema ilegal de
venda de ingressos para a Copa do Mundo (Foto:o.canada.com) |
"Conseguir
um ingresso para a Copa do Mundo é ganhar na loteria”, resume o jornalista britânico
Andrew Jennings, parceiro da Pública, ao falar de seu novo livro "Um jogo cada vez
mais sujo”, lançado no Brasil no dia 5 de maio pela Panda Books. A FIFA novamente
é o alvo das investigações de Jennings, desta vez focada na distribuição de ingressos
por sorteio anunciada para os torcedores que, segundo ele, esconde um mundo de negócios
sujos, mercado negro e troca de favores. O repórter também revela outro negócios
ilegais que enriqueceram dirigentes da FIFA, incluindo os brasileiros Ricardo Teixeira
(ex-presidente da CBF e do Comitê Organizador Local) e João Havelange (ex-presidente
da CBF e da FIFA).
Jennings
recebeu e-mails do advogado dos Byrom, ameaçando processar jornalista e editora,
mas não pretende se calar. "Eu disse que se eles continuassem, ia publicar os documentos”,
contou o jornalista em entrevista à Pública em que detalha os negócios ilegais relacionados
aos ingressos e os motivos que fazem da Copa do Mundo um pote de ouro para a FIFA
e os patrocinadores sem trazer benefícios para o torcedor.
Capa do novo livro de Andrew Jennings "Um
Jogo Cada Vez Mais Sujo” (Foto: Reprodução) |
Existe um mundo negro que os fãs do futebol não conhecem, que é o mundo dos negócios de ingressos. Há 209 associações nacionais de futebol na FIFA, como a CBF, no Brasil. Algumas são bem honestas, mas a maioria não é. As associações nacionais pedem ingressos aos Byrom, que os fornecem em nome do Blatter [presidente da FIFA] e da FIFA. Os negociadores de ingressos do mercado negro vão até essas pessoas em diferentes países da África, da Ásia, alguns da Europa – especialmente os do antigo bloco soviético – e conseguem os ingressos com eles.
Em 2006
na Alemanha, eu revelei que eles estavam vendendo milhares e milhares de
ingressos para Jack Warner, que agora está sendo forçado a sair da FIFA. Foi uma
grande história, uma grande confusão, e eles fizeram isso de novo em 2010! O Warner,
[presidente] da União Caribenha de Futebol, solicitou ingressos [por e-mail] mas
copiou um negociante na Noruega! Então os Byrom sabiam que Jack estava comprando
deles em nome do cara na Noruega. E eles copiam a correspondência para a FIFA e
para a Infront, empresa do Philippe Blatter [sobrinho do presidente da entidade].
Então todos eles sabem o que está acontecendo.
Na Alemanha
eles tiveram muito lucro, mas na África do Sul esse mercado entrou em colapso porque
ninguém queria ir para lá. É por isso que o escritório de ingressos dos Byrom estava
entrando em contato com o Jack e com a Noruega, dizendo: "se vocês não mandarem
o dinheiro logo, nós cancelamos seus ingressos”. O Jack Warner estava comprando
os ingressos em nome do cara do mercado negro na Noruega e os Byrom precisavam dar
ingressos para ele porque ele controla pelo menos três votos no Comitê Executivo
da FIFA: se Jack, quer ingressos, ele ganha
ingressos. E o que ele dá em troca é que ele e os amigos votam em você para que
você consiga todos os contratos dos ingressos.
O que
nós não sabemos é: que outros membros do Comitê Executivo ganha ingressos nessa
escala?
Os Byrom conseguem os ingressos por meio do
contrato que a FIFA tem com a Match?
Não, a
Match é hospitalidade. Existem três diferentes contratos entre os Byrom e a FIFA.
Um é para os 3 milhões de ingressos para todos os jogos que vocês vão ter no Brasil
nos próximos meses. Esses ingressos são para pessoas como eu e você ficarmos nas
arquibancadas de concreto gritando e torcendo pelos times. Outro é para acomodação,
porque nós estrangeiros e vocês brasileiros de outras cidades que precisam de um
lugar para ficar. Então os Byrom reservam uma grande quantidade de quartos, perto
da Copa do Mundo percebem que não venderam todos e começam a se livrar deles.
A terceira
coisa é a Match Hospitality, da qual os Byrom são acionistas majoritários, da qual
o Philippe, sobrinho do sir Blatter, tem 5% e outros grupos também têm ações… A
Match é responsável pela hospitalidade, que são aqueles grandes e caros camarotes
de vidro nos estádios, todos novos, pagos, em sua maioria, pelos contribuintes.
Tem muito dinheiro na hospitalidade. Eu acho que vai ser um desastre porque essas
pessoas não vão vir, mas isso é outra questão.
O que os pacotes de hospitalidade oferecem e
para quem eles são vendidos?
Você pode
ver no artigo eu fiz para a Pública: A hospitalidade é um bom translado
para o estádio, muito espaço, comida, bebidas…Você é pode comprar até as mais luxuosas
suítes hospitalidade com uma parede de vidro para que você possa assistir um pouco
do jogo de vez em quando, quando você não está fazendo negócios. Onde você não precisa
se misturar com as pessoas comuns. Imagine ficar no mesmo terraço que todos esses
brasileiros? Urgh.
Está tudo
no site deles, com preços
astronômicos. Quem compra esses pacotes são pessoas muito ricas que levam seus amigos;
executivos; e empresas que levam seus melhores clientes ou seus melhores vendedores,
como uma espécie de prêmio. O alvo é o mercado corporativo, é uma hospitalidade
corporativa.
Os contribuintes
pagaram por esses camarotes de vidro luxuosos, mas vocês não podem comprar esses
pacotes. Você pode ter sorte na loteria e conseguir um ingresso para ver um jogo,
mas não vai ter dinheiro para esse camarote a não ser que seja um brasileiro muito
rico do mundo dos negócios.
A FIFA argumenta que a Match ter o controle
exclusivo das vendas de ingressos e de pacotes de hospitalidade impede vendas não
autorizadas. Isso é verdade? Por que é interessante para a FIFA manter esse esquema?
Isso é
uma besteira. Os Byrom controlam todos os ingressos. Você vai no site da FIFA e
encontra todo tipo de lixo sobre impedir as vendas não autorizadas, o que é ridículo,
porque todo ingresso vem da porta do fundo dos Byrom. Eu não consigo imprimi-los,
você também não. Muitos ingressos são impressos na última hora, porque agora nós
não sabemos que time vai jogar na segunda fase e em qual estádio.
Então
você ouve um monte de lixo sobre como você deve comprar deles, se não você pode
ter o ingresso rasgado na entrada do estádio. Se você compra exclusivamente dos
Byrom ou de seus amigos, você vai entrar. Mas o Warner estava comprando ingressos
para outras pessoas! Ele não queria 5 mil ingressos para ele assistir à Copa da
Alemanha, era para colocá-los direto no mercado!
A FIFA
diz que está policiando esse mercado paralelo de ingressos, mas não está. É como
um padre que olha para o outro lado!
E os líderes da FIFA também lucram com esse
esquema?
Nós não
podemos provar. Eu valorizo muito os documentos. Eu ouço histórias, vejo como Jack
Warner se safou com milhares e milhares de ingressos, será que outros líderes da
FIFA fazem negócios semelhantes? É legítimo fazer essa pergunta, mas nós não temos
prova.
Os Byrom controlam todos os ingressos para a
Copa do Mundo no Brasil. Os parceiros comerciais deles aqui são o Grupo Traffic
e o Grupo Águia, que, como você mostra, tem ligações comprovadas com a CBF e o Ricardo
Teixeira. O que isso sugere?
No caso
dos ingressos, o Teixeira forçou os Byrom a terem parceiros brasileiros para que
seus amigos pudessem ganhar uma fatia. Por isso esses grupos têm alguma ação. Você
encontra as referências à Traffic se olhar os relatórios do senador Álvaro Dias
[relatórios finais da CPI da CBF, elaborados em 2001] (volume 1 – volume 2 – volume 3 – volume 4).
Isso significa
que o povo brasileiro está excluído. Vocês estão pagando pela Copa do Mundo e para
vocês é dito que os ingressos vão ser distribuídos de forma justa. Aí você descobre
que todo tipo de atividade ilegal relacionada aos ingressos está acontecendo.
No livro, você faz uma analogia entre a pilha
de ingressos para a Copa do Mundo e um iceberg, mostrando que apenas a ponta está
disponível para os torcedores, enquanto, embaixo d’água, o resto é vendido por meio
de negócios ilegais. Então, o documento em que a FIFA explica a distribuição dos ingressos é
falso?
Sim, porque
existe um mercado negro. E se você está comprando um ingresso de mercado negro,
ele pode vir de um país africano, ou de outro lugar. A FIFA fala sobre a ponta do
iceberg, mas o fato é que existe um outro mundo sombrio embaixo da superfície, onde
existe um imenso mercado de ingressos.
Qual é a chance de um brasileiro que ama futebol
assistir o Brasil jogar no estádio na Copa do Mundo?
Gaste
o seu dinheiro em uma televisão. Eles não colocam todos os ingressos na loteria!
Você não pode acreditar nos gráficos, porque não há como checá-los!
Os Byrom têm todas as estatísticas! Você pode checar o que o governo está fazendo,
porque você consegue os números, mas os Byrom não precisam publicá-los. Se eles
dizem que 100% dos ingressos estão na loteria, você nunca vai provar que isso não
é verdade.
Segundo o jornalista, dirigente da FIFA
vendia ingressos no mercado negro (Foto: Marcello Casal Jr/Abr/ Reprodução Portal
da Copa) |
O ingressos do mercado negro são vendidos apenas
para pessoas ricas ou para pessoas comuns também?
Pessoas
como Jack Warner comprariam ingressos, mas ele os venderia para empresas que os
colocariam em pacotes com vôos e acomodação. Se você fosse um turista na Copa do
Mundo da Alemanha ou da África do Sul, você viajaria no vôo que eles reservaram,
ficaria no quarto que eles reservaram. Mas você olharia no seu ingresso e veria
que em vez do seu nome, nele está escrito "Fred Smith”. Todo ano você ouve que eles
vão checar os passaportes, mas eles nunca fazem isso. Isso faz parte da farsa de
dizer que se você não tem seu nome no ingresso, você está em apuros. É uma grande
mentira.
O Ricardo Teixeira e o João Havelange (ex-presidente
da CBF e da FIFA) têm relação com esse esquema?
O que
nós sabemos é que antes de forçarmos o Teixeira a sair, eles estava no Comitê Organizador
Local, que fazia de tudo: ingressos, estádios… Eu não sei qual fatia o Havelange
ainda consegue. Ele tem 96 anos. Mas Ricardo estava lá desde o começo. Ele preparou
tudo, os negócios, tudo que tinha a ver com a Copa. Nós o forçamos a sair apenas
por escândalos externos, ele não esperava por isso. Então você pode atribuir a ele
tudo que está errado com a Copa, porque antes dele sair, todos esses contratos já
estavam sendo arranjados, não são contratos novos. Ele diz que não tinha controle
sobre o que estava acontecendo. Ah, por favor…
O que você descobriu sobre o Ricardo Teixeira?
Eu investiguei
as propinas dele na Suíça e os relatórios do Álvaro Dias [da CPI da CBF]. As investigações
nos relatórios provam que Teixeira é um grande ladrão. Eu li todas as 500 mil palavras
com a ajuda do Google Tradutor [risos]. Você tem que fazer um ato muito criminoso
antes de entrar em uma máfia. Eu estaria errado se dissesse que a FIFA deu a Copa
do Mundo para o Brasil. Isso é besteira. Blatter deu a Copa do Mundo para o Teixeira.
Não a FIFA, o Blatter. São coisas diferentes.
A FIFA
é uma máfia, uma família de crime organizado. No livro, eu mostro que ela não é
uma organização legítima. Os líderes são ladrões, eles dividem tudo entre eles e
estava na hora de dar ao Ricardo a sua Copa do Mundo. A CBF estava falida e isso provou ao Blatter que Teixeira era justamente
o tipo que ele queria para organizar a Copa do Mundo.
Que pessoas e organizações lucram com a Copa
do Mundo?
Vocês
contribuintes pagam por ela. A FIFA consegue lucrar com a bilheteria. Todos o dinheiro
da FIFA vem da Copa do Mundo, é sua grande fonte de renda. Nos outros torneios:
futebol feminino, sub-17, sub-21, eles perdem dinheiro. Mas eles precisam fazê-los
para mostrar que são inclusivos. O Valcke prevê que a FIFA vai ganhar US$ 2,7 bilhões
com a Copa, os brasileiros ficam bravos e ele responde: "Mas nós estamos colocando
tanto dinheiro de volta”. Isso não é verdade. Quando um quarto de hotel é alugado,
isso não é colocar dinheiro, é alugar um quarto de hotel!
Os patrocinadores,
como McDonald’s, Visa, Samsung e outros conseguem uma maravilhosa isenção fiscal
de 12 meses pela "lei da FIFA”. O Romário lutou contra ela, mas a Dilma forçou sua
aprovação. A isenção fiscal para eles é um fardo para vocês. Se eles não pagam os
impostos, vocês pagam. Eles estão roubando vocês! Essas empresas, como a Coca-Cola
e a Samsung, estão vendendo produtos e não há impostos! Não tem motivo! Se eu for
começar uma empresa em São Paulo, eu tenho isenção fiscal? Não, não tenho.
Então a Copa do Mundo é um pretexto para eles
lucrarem?
Eu acho
que nós poderíamos ter um campeonato mundial de futebol sem eles. Nós não precisamos
desse nível de pessoas não transparentes só se preocupando com eles e com seus associados
comerciais. Só o dinheiro da venda dos direitos televisivos, que você conseguiria
legitimamente, é suficiente para pagar pela Copa do Mundo. As emissoras pagam uma
fortuna para transmitir. Você não precisa de negócios por baixo dos panos com patrocinadores
ou isenções fiscais especiais.
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Reportagem Por Giulia Afiune
Fonte:http://site.adital.com.br/12/05/2014
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