Jesus, grande mestre do anúncio cristão narrativo
através das suas parábolas, é por excelência o Narrador de Deus, ou
seja, o revelador do mistério divino do qual não se pode falar, mas que
se pode narrar, para usar uma célebre frase de Wittgenstein.
"Deus criou o homem porque Ele – bendito seja – ama os relatos." Esse curioso aforismo judaico explica o fato de a Bíblia
ser uma constante sequência narrativa, até porque na base tem uma
história de salvação. Na verdade, esse ditado rabínico parece antecipar a
convicção de Elias Canetti, que considerava que "as
vozes dos homens como o pão de Deus". Não é à toa que o Deus bíblico tem
um ouvido atento para captar relatos humanos tristes e alegres, e até
mesmo as provocações de quem não acredita n'Ele.
Quando Baal Shem Tov, o fundador da tradição judaica mística da Europa Central chamada dos Hassidim
(os "piedosos"), tinha que enfrentar uma missão difícil, ele se
retirava para a floresta e celebrava um rito de invocação e era ouvido.
Uma geração depois, quando o seu sucessor se encontrava na mesma
situação, se dirigia para esse lugar na floresta, mas, sendo proibidos
os ritos judaicos, rezava em silêncio e era ouvido. Depois, outra
geração, quando pairava a perseguição, outro mestre estava sentado na
sua residência e dizia: "Não podemos mais celebrar o nosso rito, não
podemos nos retirar para a floresta para rezar, mas podemos contar a
história de tudo isso". E o puro e simples relato tinha a mesma eficácia
para vencer todos os medos.
Resumimos um texto muito mais amplo evocado por Gershom Scholem na sua conhecida obra sobre As grandes correntes da mística judaica (1941).
Ele é iluminador para exaltar a eficaz função criativa, "sacramental"
do relato: não é à toa que a missa tem no seu coração o chamado
"cânone", que inclui a narração evangélica da última ceia, e é assim que
se implementa a presença real de Cristo na assembleia litúrgica sob os
sinais do pão e do vinho.
No rito e em outras situações de alto perfil, narrar não apenas recordar, mas também gerar um renascimento, como no haggadah
("narração"), o texto da celebração pascal judaica. É também um pouco
por isso que vale a piada: "Se não tem uma resposta para dar, o judeu
sempre tem uma história para contar".
E é isso que Jesus também faz significativamente
anunciando o Reino de Deus através das suas parábolas (ao menos 35 ou
talvez 72 e mais, se englobarmos também os fragmentos narrativos ou as
metáforas expandidas); a tal ponto que Mateus (13, 34) observa: "Jesus
nada lhes falava sem usar parábolas".
À categoria antropológica, antes ainda que teológica, da narração
foram dedicados ensaios infinitos. O narrar é o ato em que se exalta a
magia da palavra, a sua capacidade não só informativa, mas também
performativa, isto é, a sua eficácia transformadora e libertadora.
Por isso, Jonas tinha razão: sem a comunicação ao
outro, a dor gangrena. Se for rompida a confiança que lhe faz derramar
na outra pessoa o seu segredo, o isolamento está à espreita, o autismo
espiritual lhe encerra em uma cela: "Quando a língua se corrompe, as
pessoas perdem a confiança naquilo que sentem, e isso gera violência",
escrevia um mestre da palavra autêntica, o poeta Wystan H. Auden.
O relato, portanto, é um ato de confiança, e a escuta partícipe é um
ato de amor. É um "caminho rumo ao sentido", que você descobre
desvendando tanto os fios da sua história quanto criando um fato
exemplar, embora fictício. Não se equivocava, de fato, Italo Calvino quando, nas suas Fábulas italianas, afirmava que as fábulas são, certamente, fruto da fantasia, mas são verdadeiras, reais até serem realistas.
A eficácia do relatar é evidente na oração. Nela, a invocação à
escuta do próprio drama, que muitas vezes floresce em um "corpo
narrante", contém em si a certeza do cumprimento divino. Portanto, há um
aspecto terapêutico ao narrar as próprias experiências e ansiedades,
como ensina não só a súplica orante, mas também a psicanálise e até
mesmo a "medicina narrativa".
De fato, narrar é até salvar a vida, como ensinam as Mil e uma noites, nas quais Sherazade sobrevive à pena de morte encadeando uma coleção infinita de relatos. Em síntese, podemos dizer que toda autobiografia, das Confissões de Agostinho até a Busca do tempo perdido e aos diários pessoais, é uma celebração da função libertadora ou pedagógica do narrar.
Então, é fácil compreender por que nasceu uma teologia e uma exegese
"narrativa". Isso não é controlado apenas pelo fato de que, sendo a
revelação bíblica uma revelação de Deus na história e nos seus
acontecimentos, ela postula o relato como meio revelador, sem falar
ainda do uso da ficção parabólica em páginas sagradas de tal eficácia a
ponto de gerar um interminável repertório artístico.
A própria profissão de fé bíblica (leia-se, por exemplo, Josué 24, 1-13) e cristã (o Credo da missa), o anúncio da fé baseado na vida, morte e ressurreição de Cristo,
a catequese ("O que nós ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos
pais, não o esconderemos aos filhos deles, nós o contaremos à geração
futura: os louvores do Senhor, seu poder e as maravilhas que realizou", Salmo 78, 3-4) revelam um perfil narrativo evidente.
Mas há algo mais. O "memorial" bíblico não é simples comemoração, mas
sim evento salvífico permanente, porque contém em si uma intervenção
divina que é eterna e, por isso, pode atravessar a tridimensionalidade
do tempo irradiando-a. É por isso que – como se dizia – o sacerdote na
celebração eucarística, narrando a última ceia de Jesus, torna presente
no hoje o Cristo vivo do qual pronuncia as palavras eficazes em primeira
pessoa: "Este é o meu corpo... Este é o cálice do meu sangue".
Os próprios Evangelhos pertencem ao gênero dos relatos (diéghesis), como Lucas afirma explicitamente no seu prólogo; neles, o evento histórico (history) se torna história viva através da narração (story)
e, assim, gera fé: "Estes sinais foram escritos para que vocês
acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que,
acreditando, vocês tenham a vida em seu nome", afirma programaticamente o
evangelista João (20, 31).
Como ressaltou o filósofo Paul Ricoeur,
nos Evangelhos, não há apenas a representação dos eventos
"configurados" na trama, mas há também a sua "refiguração", isto é, a
sua torção em direção à revelação de um sentido transcendente, gerador
de fé. Jesus mesmo, grande mestre do anúncio cristão narrativo através
das suas parábolas, é por excelência o Narrador de Deus, ou seja, o
revelador do mistério divino do qual não se pode falar, mas que se pode
narrar, para usar uma célebre frase de Wittgenstein.
Ora, como escreve Umberto Eco em Lector in fabula,
"o texto é um mecanismo preguiçoso (ou econômico) que vive no excedente
de sentido nele introduzido pelo destinatário", ou seja, o leitor. E é
isso que foi reiterado pela moderna narratologia aplicada também à
exegese do texto bíblico, a partir do crítico "laico" norte-americano Robert Alter, com a sua Arte da narração bíblica, de 1981, traduzida para o italiano em 1990.
"O texto, órfão do pai, o autor, torna-se o filho da comunidade dos leitores", observava sugestivamente ainda Ricoeur.
Por isso, a Bíblia, como relato rico e variado, espera que a comunidade
que o lê o proclame. Não é por nada que ela foi definida de "Bíblia",
isto é, "os Livros", ou também "Escritura/Escrituras", mas, na tradição
judaica, se torna Miqra', ou seja, "Leitura".
Para usar uma imagem da poetisa judia alemã Nelly Sachs,
Nobel de 1966, "os profetas irrompem pelas portas da noite" com a sua
voz que "incide feridas", buscando "um ouvido como pátria, um ouvido não
obstruído por urtigas".
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A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 18-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 23/05/2014
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