sexta-feira, 23 de maio de 2014

Deus gosta de histórias

 
Jesus, grande mestre do anúncio cristão narrativo através das suas parábolas, é por excelência o Narrador de Deus, ou seja, o revelador do mistério divino do qual não se pode falar, mas que se pode narrar, para usar uma célebre frase de Wittgenstein.

"Deus criou o homem porque Ele – bendito seja – ama os relatos." Esse curioso aforismo judaico explica o fato de a Bíblia ser uma constante sequência narrativa, até porque na base tem uma história de salvação. Na verdade, esse ditado rabínico parece antecipar a convicção de Elias Canetti, que considerava que "as vozes dos homens como o pão de Deus". Não é à toa que o Deus bíblico tem um ouvido atento para captar relatos humanos tristes e alegres, e até mesmo as provocações de quem não acredita n'Ele.

Quando Baal Shem Tov, o fundador da tradição judaica mística da Europa Central chamada dos Hassidim (os "piedosos"), tinha que enfrentar uma missão difícil, ele se retirava para a floresta e celebrava um rito de invocação e era ouvido. Uma geração depois, quando o seu sucessor se encontrava na mesma situação, se dirigia para esse lugar na floresta, mas, sendo proibidos os ritos judaicos, rezava em silêncio e era ouvido. Depois, outra geração, quando pairava a perseguição, outro mestre estava sentado na sua residência e dizia: "Não podemos mais celebrar o nosso rito, não podemos nos retirar para a floresta para rezar, mas podemos contar a história de tudo isso". E o puro e simples relato tinha a mesma eficácia para vencer todos os medos.

Resumimos um texto muito mais amplo evocado por Gershom Scholem na sua conhecida obra sobre As grandes correntes da mística judaica (1941). Ele é iluminador para exaltar a eficaz função criativa, "sacramental" do relato: não é à toa que a missa tem no seu coração o chamado "cânone", que inclui a narração evangélica da última ceia, e é assim que se implementa a presença real de Cristo na assembleia litúrgica sob os sinais do pão e do vinho.

No rito e em outras situações de alto perfil, narrar não apenas recordar, mas também gerar um renascimento, como no haggadah ("narração"), o texto da celebração pascal judaica. É também um pouco por isso que vale a piada: "Se não tem uma resposta para dar, o judeu sempre tem uma história para contar".

E é isso que Jesus também faz significativamente anunciando o Reino de Deus através das suas parábolas (ao menos 35 ou talvez 72 e mais, se englobarmos também os fragmentos narrativos ou as metáforas expandidas); a tal ponto que Mateus (13, 34) observa: "Jesus nada lhes falava sem usar parábolas".

À categoria antropológica, antes ainda que teológica, da narração foram dedicados ensaios infinitos. O narrar é o ato em que se exalta a magia da palavra, a sua capacidade não só informativa, mas também performativa, isto é, a sua eficácia transformadora e libertadora.

Por isso, Jonas tinha razão: sem a comunicação ao outro, a dor gangrena. Se for rompida a confiança que lhe faz derramar na outra pessoa o seu segredo, o isolamento está à espreita, o autismo espiritual lhe encerra em uma cela: "Quando a língua se corrompe, as pessoas perdem a confiança naquilo que sentem, e isso gera violência", escrevia um mestre da palavra autêntica, o poeta Wystan H. Auden.

O relato, portanto, é um ato de confiança, e a escuta partícipe é um ato de amor. É um "caminho rumo ao sentido", que você descobre desvendando tanto os fios da sua história quanto criando um fato exemplar, embora fictício. Não se equivocava, de fato, Italo Calvino quando, nas suas Fábulas italianas, afirmava que as fábulas são, certamente, fruto da fantasia, mas são verdadeiras, reais até serem realistas.

A eficácia do relatar é evidente na oração. Nela, a invocação à escuta do próprio drama, que muitas vezes floresce em um "corpo narrante", contém em si a certeza do cumprimento divino. Portanto, há um aspecto terapêutico ao narrar as próprias experiências e ansiedades, como ensina não só a súplica orante, mas também a psicanálise e até mesmo a "medicina narrativa".

De fato, narrar é até salvar a vida, como ensinam as Mil e uma noites, nas quais Sherazade sobrevive à pena de morte encadeando uma coleção infinita de relatos. Em síntese, podemos dizer que toda autobiografia, das Confissões de Agostinho até a Busca do tempo perdido e aos diários pessoais, é uma celebração da função libertadora ou pedagógica do narrar.

Então, é fácil compreender por que nasceu uma teologia e uma exegese "narrativa". Isso não é controlado apenas pelo fato de que, sendo a revelação bíblica uma revelação de Deus na história e nos seus acontecimentos, ela postula o relato como meio revelador, sem falar ainda do uso da ficção parabólica em páginas sagradas de tal eficácia a ponto de gerar um interminável repertório artístico.
A própria profissão de fé bíblica (leia-se, por exemplo, Josué 24, 1-13) e cristã (o Credo da missa), o anúncio da fé baseado na vida, morte e ressurreição de Cristo, a catequese ("O que nós ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o esconderemos aos filhos deles, nós o contaremos à geração futura: os louvores do Senhor, seu poder e as maravilhas que realizou", Salmo 78, 3-4) revelam um perfil narrativo evidente.

Mas há algo mais. O "memorial" bíblico não é simples comemoração, mas sim evento salvífico permanente, porque contém em si uma intervenção divina que é eterna e, por isso, pode atravessar a tridimensionalidade do tempo irradiando-a. É por isso que – como se dizia – o sacerdote na celebração eucarística, narrando a última ceia de Jesus, torna presente no hoje o Cristo vivo do qual pronuncia as palavras eficazes em primeira pessoa: "Este é o meu corpo... Este é o cálice do meu sangue".

Os próprios Evangelhos pertencem ao gênero dos relatos (diéghesis), como Lucas afirma explicitamente no seu prólogo; neles, o evento histórico (history) se torna história viva através da narração (story) e, assim, gera fé: "Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu nome", afirma programaticamente o evangelista João (20, 31).

Como ressaltou o filósofo Paul Ricoeur, nos Evangelhos, não há apenas a representação dos eventos "configurados" na trama, mas há também a sua "refiguração", isto é, a sua torção em direção à revelação de um sentido transcendente, gerador de fé. Jesus mesmo, grande mestre do anúncio cristão narrativo através das suas parábolas, é por excelência o Narrador de Deus, ou seja, o revelador do mistério divino do qual não se pode falar, mas que se pode narrar, para usar uma célebre frase de Wittgenstein.

Ora, como escreve Umberto Eco em Lector in fabula, "o texto é um mecanismo preguiçoso (ou econômico) que vive no excedente de sentido nele introduzido pelo destinatário", ou seja, o leitor. E é isso que foi reiterado pela moderna narratologia aplicada também à exegese do texto bíblico, a partir do crítico "laico" norte-americano Robert Alter, com a sua Arte da narração bíblica, de 1981, traduzida para o italiano em 1990.

"O texto, órfão do pai, o autor, torna-se o filho da comunidade dos leitores", observava sugestivamente ainda Ricoeur. Por isso, a Bíblia, como relato rico e variado, espera que a comunidade que o lê o proclame. Não é por nada que ela foi definida de "Bíblia", isto é, "os Livros", ou também "Escritura/Escrituras", mas, na tradição judaica, se torna Miqra', ou seja, "Leitura".
Para usar uma imagem da poetisa judia alemã Nelly Sachs, Nobel de 1966, "os profetas irrompem pelas portas da noite" com a sua voz que "incide feridas", buscando "um ouvido como pátria, um ouvido não obstruído por urtigas".
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A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 18-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 23/05/2014
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