CAROL BENSIMON*
Do que trata o erotismo solar? Em primeiro lugar, da desconstrução de um modelo de relacionamento – e busca por um relacionamento – que, segundo o filósofo, nasce nas páginas de O Banquete, de Platão, com o mito dos Andróginos. Esses seres superiores, de características masculinas e femininas, teriam sido separados em duas metades por uma espécie de punição divina (eram perfeitos demais), condenados a partir daí a uma busca eterna pelo pedaço perdido. O mito dos Andróginos estaria na origem da concepção judaico-cristã de casamento, do amor romântico, do casal hétero e da monogamia como única possibilidade, da ideia de que existem “almas gêmeas” e, sobretudo, da de que, sozinhos, seríamos seres incompletos.
A busca por uma metade idealizada é, sem dúvida, uma fonte inesgotável de frustração, assim como o é manter o foco mais no modelo prestabelecido do que no objeto de nosso afeto. Por que não construir novas configurações com amor, respeito e diálogo? Diz Onfray: “Não se imagina – ou muito raramente – o casal fora do casamento, da fidelidade, da monogamia, da coabitação, da procriação. O modelo dominante segue uma lógica consumista: ter, possuir, colecionar, gastar, descartar após o uso. Ele não leva à construção de uma história, mas à justaposição de histórias, que têm uma certa data de validade, e certos fatos funcionam como limites imediatos e definitivos: o adultério, por exemplo. É preciso inventar novas possibilidades de existência, inclusive e sobretudo no que diz respeito ao casal, à vida a dois. Construir para si, no campo amoroso, uma vida sob medida.”
O tal mito dos Andróginos sugere, além disso, que desejo é falta. Mas Onfray acredita justamente no contrário: desejo só pode ser excesso. E viver guiado por uma ética hedonista significa transformar o desejo em prazer. Isso não quer dizer que não haja limites, mas que os limites são estabelecidos por nós e pelo outro, e não segundo a lógica de um modelo previamente construído: “A ética que proponho é contratual; devem-se realizar aqueles desejos que não causam mal ao outro. E fugir das pessoas que, delinquentes dos relacionamentos, são incapazes de estabelecer uma relação contratual com seu semelhante porque são psicóticos, neuróticos, perversos ou acometidos por problemas de comportamento – o que toca milhões de pessoas… Minha ética hedonista é democrática porque é destinada a todos, mas aristocrática porque somente um punhado pode aderir a ela e realizá-la.”
Será essa a última fronteira que a revolução de costumes precisará derrubar?
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* Escritora
Fonte: ZH online, 18/05/2014
Imagem da Internet: Michel Onfray
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