sexta-feira, 23 de maio de 2014

Nunca haverá paz na Terra Santa só para um povo sem o outro

 

Patriarca latino de Jerusalém projeta visita do Papa Francisco à região

O patriarca latino de Jerusalém, D. Fouad Twal, fala à Agência ECCLESIA, SIC e ‘Vida Nueva’ sobre a tripla dimensão ecuménica, inter-religiosa e política da visita do Papa Francisco, que estará na Jordânia, Palestina e Israel entre os dias 24 e 26.

Que expectativas tem para a visita do Papa Francisco?
D. Fouad Twal (FT) A situação é muito complicada na Terra Santa. Esperamos que as pessoas não se contentem com a manifestação e o espetáculo da chegada do Papa, mas que tenham tempo de estudar profundamente os discursos do Santo Padre, que devem ser uma mensagem para os líderes políticos, para os crentes – crentes cristãos, muçulmanos e judeus.

Ali há uma verdadeira guerra mundial, o Papa tem uma mensagem mundial. Esperamos que esses discursos sejam um programa de vida, uma mensagem a seguir no futuro. Estou certo de que ele não vai mudar a situação imediatamente, mas espero e rezo para que ele mude ao menos o coração dos homens, que ele toque o coração dos homens. Tocar o coração dos homens é falar da conversão. Estamos em Jerusalém, e quando falamos de conversão estamos em Fátima de novo. É essa unidade de mensagem da Virgem que nos une mais do que nunca.

Em 14 anos, é a terceira visita de um Papa à Terra Santa. Desta vez, o Papa viaja com um rabi judeu e um imã muçulmano na sua comitiva. É mais uma viagem de um papa ou crê que desta vez haverá consequências positivas para o processo de paz?
FT A viagem é, em primeiro lugar, para comemorar o encontro de Paulo VI com [o patriarca ortodoxo] Atenágoras, em 1964. A primeira ideia é um movimento ecuménico, a unidade, a comunhão e a unidade dos cristãos, segundo o desejo de Cristo e segundo o desejo do Santo Padre. Esse encontro será comemorado pelo encontro do Papa com o patriarca Bartolomeu, para fortificar a nossa comunhão eclesial, a nossa unidade.

Depois, há os judeus, os muçulmanos, o diálogo ecuménico, a unidade, a paz. Estou certo de que os discursos do Papa serão discursos de um Papa em visita pastoral, em visita de oração e de diálogo. Mas nada disso impede que esses discursos tenham uma dimensão política sobre a situação.

Na Terra Santa, considerando a situação que vivemos, não podemos evitar a dimensão política: tudo é política. Se se falar do fim da ocupação, do trabalho, se se falar da liberdade religiosa, dos muros ou dos postos de controlo, é de política que falamos.

Espero que os seus discursos toquem a cabeça e o coração dos dirigentes políticos, de modo a terem a coragem de mudar de modo a que haja mais paz e harmonia para todos. Quando falo de paz, é para todas as pessoas, judeus, cristãos ou muçulmanos, não haverá nunca uma paz apenas para um povo apenas, sem os outros. Ou vivemos juntos, em paz, todos juntos, ou continuaremos este círculo de violência que não acabará nunca.

Convidou em Fátima os cristãos a peregrinar à Terra Santa. Para fazer o quê: para ver os lugares e as pedras, as igrejas, ou também para conhecer as comunidades cristãs, as suas dificuldades e problemas e os seus modos de viver?
FT - Falando com peregrinos, dizia-lhes que uma peregrinação à Terra Santa (como a Fátima), deve ser uma dádiva. É a vossa fé, a vossa vida de fé de cristãos, antes da peregrinação, e a vossa vida e fé cristã depois da peregrinação. Um peregrino deve ser bom antes de uma peregrinação, deve ser ainda melhor depois, muito mais jovens, muito mais entusiastas. A peregrinação é um suplemento de alma, que serve em primeiro lugar para o próprio peregrino, para fortificar a sua fé e o seu sentido de pertença à Igreja. Deve voltar como uma pessoa nova.

Mas indo à Terra Santa, não deve contentar-se em ver arqueologia, os muros, os caminhos, os lugares santos. É belo ver os lugares santos, mas é mais belo ver a comunidade cristã, de pedras vivas, visitar as paróquias, rezar com as pessoas, rezar pelas pessoas, rezar pela paz que ainda falta. A paz em Jerusalém significa paz para todo o Médio Oriente e a guerra que continua em Jerusalém significa violência e guerra em toda a região.

Quando um peregrino chega a Jerusalém, a pequena comunidade cristã fica muito feliz porque não se sente só, abandonada e esquecida. Vê que há ainda fiéis, amigos e benfeitores que chegam e que não estamos sós. E isso dá-nos um suplemento de alma. Esta ligação deve ser mais sólida.

No seu livro ‘Jerusalém, capital da humanidade’, diz que os cristãos da Terra Santa vivem uma Sexta-Feira Santa sem fim. Está pessimista?
FT - Não estou pessimista, nem optimista, tenho os pés no chão. Sou sobretudo realista. Os judeus dizem que Jerusalém é a sua capital, mas até agora nenhum embaixador deixou Telavive para ir para Jerusalém. Todos continuam em Telavive, todos dizem que o estatuto final de Jerusalém ainda espera uma resposta.

No meu livro, digo que, num certo sentido, Jerusalém não depende de ninguém, mas todos dependem de Jerusalém. Jerusalém está lá, é uma Igreja-mãe que acolhe todos os crentes, todos os fiéis, de todo o mundo. É uma mãe, uma cidade santa, que deve ser santa, que acolhe todos. O grande segredo de Jerusalém é que é uma cidade que une todos os crentes e, ao mesmo tempo, ela divide-nos.

A Igreja do Santo Sepulcro é uma imagem profunda da divisão dos cristãos...
FT - Não, é belo ver todos a rezar e a cantar lá dentro. É uma boa mistura, mas no fim temos que as nossas igrejas – Católica, Ortodoxa, Reformada – estão ainda divididas. Com a visita do Papa e os seus discursos, haverá um sentimento de união, mas é preciso ter os pés no chão, de que estamos e ainda estaremos divididos.

No seu livro, fala da tarefa dos cristãos, de darem um testemunho de perdão e reconciliação no meio de judeus e muçulmanos. Como é isso possível, com uma tal imagem de divisão em tantas igrejas?
FT - Não podemos ser pessimistas. Nós, enquanto Igreja Católica, temos 118 escolas, 12 hospitais. Nessas instituições, nessas escolas, na rede da Cáritas, nos hospitais, somos dois por cento de cristãos. Todos os outros são outros e todos estão nas nossas escolas e nas nossas instituições e hospitais. É através dessas instituições que damos um bom testemunho aos outros, a cristãos, a muçulmanos e a judeus.

As novas gerações poderão mudar a situação, mas há atos de vandalismo, de intolerância…
FT Entre os desafios que enfrentamos, há a situação política, há um despertar do fanatismo religioso, seja judeu ou muçulmano – que é mau para todos –, em todo o Médio Oriente. A minha resposta a esse despertar é a educação nas escolas, nas universidades, nos nossos encontros, na oração. Uma oração pela paz na Terra Santa não faz mal nenhum.
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Fonte:http://www.agencia.ecclesia.pt/23/05/2014

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