Marcelo Gleiser*
Vivemos dentro de um útero azul, um oásis de vida no Cosmo, mas celebramos pouco nossa mãe coletiva
Como hoje é Dia das Mães, nada mais apropriado do que celebrar a nossa
mãe coletiva, o planeta Terra, pois somos todos filhos dela,
consequência da sua história e da sua relação com o Cosmo.
Tudo começou em torno de 13,8 bilhões de anos atrás, quando o pai de
todos, o Universo, surgiu. (Talvez fosse mais adequado usar o feminino
para o Universo também, mas como a palavra é masculina...)
Não vamos contar a história dele em detalhe. Deixo isso para o Dia dos
Pais. Basta saber que uns 200 milhões de anos após seu surgimento, foi a
vez das primeiras estrelas aparecerem. Estrelas são agregados do
elemento químico mais abundante e simples do Cosmo, o hidrogênio, e
fazem algo de extraordinário: transformam o hidrogênio em todos os
outros elementos químicos que existem.
Perdão, Paulo Coelho, mas as estrelas são os verdadeiros alquimistas.
Trazemos em nossos corpos essa herança cósmica, a química do Universo,
forjada em estrelas que pereceram bilhões de anos atrás. Somos a memória
desse passado, que, ao assumir a forma humana, permitiu que as estrelas
pudessem se lembrar.
Depois das primeiras estrelas, foi a vez das galáxias. Numa coreografia
de dimensões astronômicas, a gravidade foi esculpindo o Universo como
ele é hoje, com a matéria fluindo daqui e dali, se aglomerando, girando.
São algumas centenas de bilhões de galáxias, cada uma com milhões ou
mesmo centenas de bilhões de estrelas. Delas, estamos na Via Láctea, uma
magnífica estrutura espiral, que lembra um furacão visto de cima, um
vórtex de estrelas e gases girando pelo espaço. Em meio a essas
estrelas, em torno de 4,6 bilhões de anos atrás, surgiu o Sol e seus
planetas. Dentre eles, a Terra, nossa mãe.
A Terra é um planeta especial. Basta olhar para nossos planetas vizinhos
e nos damos conta disso. Especial porque é um planeta coberto de água,
com uma atmosfera rica em oxigênio, que protege a superfície dos
bombardeios constantes que vêm do espaço, como a radiação solar e os
raios cósmicos.
Vivemos dentro de um útero azul, um oásis de vida em um Cosmo destituído
de vida, frio e hostil. A Terra proporciona um clima quente e estável
para que a vida possa existir e explodir em sua diversidade. Quem já
passeou pela mata atlântica ou pela Amazônia vislumbrou uma ecologia
explosiva, uma criatividade aparentemente infinita, plantas e bichos de
todos os tipos buscando comida e tentando se reproduzir, passar sua
herança genética para a prole, perpetuando sua permanência e memória. A
vida usa o presente para criar o futuro.
Celebramos muito pouco essa nossa mãe coletiva. Somos filhos rebeldes e
ingratos, esquecidos de nossas origens. Aquele tipo de criança que não
queremos, desrespeitosa com nossos pais, que, quando sai de casa, nunca
mais olha para trás.
A diferença, crucial, é que não podemos sair de casa, escapar do abraço
de nossa mãe. Se tentamos, o fazemos de forma precária, e aprendemos o
quanto precisamos dela. Podemos até tentar encontrar outras mães pelo
espaço, na busca por outras Terras. Mas como é verdade com todas as
mães, por mais acolhedora que seja, nenhuma será como a nossa.
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