domingo, 11 de maio de 2014

Nacionalismo um fenômeno que se reergue

 
A ilha de Ada Kaleh foi, durante décadas, um ímã para turistas, artistas e curiosos. Situada no Baixo Danúbio, nas proximidades de Orsova, hoje na Romênia, tinha 1,7 quilômetro de comprimento por não mais de 500 metros de largura. Havia sido povoada a partir de uma antiga fortaleza turca. Com a retirada das forças otomanas dos Bálcãs, Ada Kaleh fora deixada para trás. “Os austro-húngaros detinham uma vaga soberania sobre a ilha, mas ela pareceu ter sido esquecida até ser confiada à Romênia pelo Tratado de Versalhes, e os romenos deixaram os habitantes em paz”, relatou o escritor britânico Patrick Leigh Fermor, que visitou o lugar nos anos 1930 e se sentiu “subitamente sentado num tapete mágico”. Numa época em que o Estado turco, do outro lado do Mar Negro, adotava maneiras ocidentais, os visitantes da ilhota deleitavam-se com caligrafia arábica, narguilés e, até pouco antes da chegada de Fermor, o último harém da Europa. Hoje, Ada Kaleh não há mais. A ilha foi engolfada pelas águas da hidrelétrica romena de Portão de Ferro em 1971.

Até o início deste século, o nacionalismo parecia destinado à mesma sina de Ada Kaleh. A maré montante da mundialização financeira, da governança global e da revolução técnico-informacional avançava sobre o terreno que havia gerado Garibaldi e Collins, Atatürk e Mussolini, Nasser e Gandhi, Bolívar e Herzl. Para surpresa geral, porém, o nacionalismo voltou a emergir. A Europa assiste a um renascimento tão mais virulento quanto imprevisto das paixões nacionais. Fenômenos parecidos ocorrem no Oriente Médio, no Cáucaso e até na Índia e no Japão.

O exemplo mais proeminente, no entanto, é o do Leste europeu. Nos últimos meses, a crise explodiu no segundo maior país europeu, a Ucrânia, depois da derrubada revolucionária do presidente pró-russo Viktor Yanukovitch, à qual a Rússia respondeu com ameaça de invasão, anexação da Crimeia e incitamento à guerra civil no Leste e no Sul. Na Moldávia, a mesma Rússia estimula o movimento separatista da região setentrional da Transnístria.

Os gigantes da investigação sociológica – Marx, Durkheim, Weber, Lévi-Strauss, Foucault – tinham pouco a dizer sobre a questão nacional. O grande obstáculo, nesse campo, continua sendo o fato de que a nação “real” – aquela que deveria interessar à ciência – dificilmente corresponde à nação definida pelos nacionalistas. Há consenso em torno da noção do antropólogo britânico Benedict Anderson: uma nação é uma “comunidade imaginada”, ou seja, impossível de definir apenas em termos de local de origem, língua, etnia, religião ou qualquer outro critério observável.

Isso faz do nacionalismo um terreno naturalmente fértil para maquinações políticas de todo tipo. “No pior dos casos, nacionalismo descontrolado tem potencial de levar países a fazer coisas que os deixam pior do que estariam se não o fizessem. Em casos extremos – como a Alemanha nazista ou o Japão imperial –, crenças hipernacionalistas virulentas ajudaram a pavimentar o caminho para o desastre nacional, juntamente com o sofrimento e as mortes de milhões ao longo do caminho”, escreveu Stephen M. Walt, professor da Universidade Harvard, em artigo na revista Foreign Policy.
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POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO | luiz.araujo@zerohora.com.br
Fonte: ZH online, 11/05/2014
Imagem: Um ativista pró-russo escala um mastro para retirar uma bandeira ucraniana e substituir por uma da Rússia durante manifestação na cidade de Mariupol, na Ucrânia

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