domingo, 11 de maio de 2014

INFELIZ DIAS DAS MÃES

 Ismael Canepelle*
Eu tive depressão pós-parto. Eu já saí do hospital deprimida, na verdade. Eu deprimi em setenta e duas horas. Deprimi muito e muito rápido. O meu maior problema foi conseguir fazer com que as pessoas ao meu redor entendessem que aquilo era uma depressão. Na primeira semana senti uma tristeza materna, que depois foi piorando. Passei por um ano de medicação e terapia. Não foi fácil tomar a decisão de expor a minha dor, a dor do meu marido, e expor também o meu bebê, que não pode sequer opinar a respeito. Também é muita complicada a decisão de tomar remédio. Principalmente quando você está amamentando. Ou quando deveria estar. O grande problema é que as pessoas focam demais nos malefícios do acompanhamento psiquiátrico. Num caso como esse, nada justifica a falta de tratamento.

É importante lembrar que a depressão pode começar já na gestação. Enquanto eu estava na maternidade, não conseguia pensar muito. Gostava de receber visitas, pois era a chance de não ficar sozinha com o bebê. Sentia uma tristeza. Aquela tristeza. Mas não parecia tão grave no começo. Dois meses e meio depois foi que ela aconteceu. Até os cinco meses nós tivemos problemas muito graves. Eu fiquei com o peito todo machucado. Sangrava mesmo. Não conseguia sequer pensar em métodos para fazer uma atividade de amamentação. Eu não ia fazer. Eu sabia que eu não faria. A mamadeira era minha inimiga. Em alguns momentos passa pela cabeça... matar a criança. O grande problema é que nós somos julgadas pelas outras mães. É inadmissível você ter um filho e não ficar feliz com isso.

Quando o médico finalmente detectou o meu problema, o meu marido recebeu um atestado e acabou precisando passar um mês longe da empresa. Enquanto ele estava no trabalho, eu ligava de 15 em 15 minutos. De cinco em cinco. O tempo todo. É claro que ele achava aquilo um absurdo. Nunca iria passar pela cabeça dele que eu estava com um quadro de depressão. É preciso não ter medo dessa palavra. Depois de um tempo ele começou a notar. Eu não queria sair do quarto. Não conseguia. Foi quando eu guardei o pote de geleia no armário do banheiro, que ele percebeu que eu estava incapacitada de cuidar de uma criança.

A tristeza é mais forte do que a mãe. Não é possível comandar as próprias atitudes em relação a isso e não é uma coisa que a mulher deva enfrentar sozinha. Nem consegue. O meu marido foi muito importante no processo de recuperação. Ele percebeu e também ficou angustiado. O médico explicou para ele que eu estava em tratamento. Eu disse “olha, eu continuo amando você, eu não pretendo me separar, mas você vai ter que aguentar muita coisa”. E ele aguentou. Ele teve uma ajuda silenciosa. Ele teve uma paciência fora do normal. Eu imagino que ele tenha sofrido muito.

Talvez eu só precise desejar um “feliz dia das mães” a todas as mulheres que hoje se encontram, ou que já se encontraram, incapacitadas de amar a própria maternidade. E dizer que, com ajuda e tratamento, essa tristeza vai passar. No ano que vem, no próximo dia das mães, é possível que você esteja feliz.
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 *ESCRITOR E DRAMATURGO, AUTOR DE OS FAMOSOS E OS DUENDES DA MORTE (2010). ESCREVE MENSALMENTE.
FONTE: ZH online, 11/05/2014

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