RENATO JANINE RIBEIRO*
Tal costume causa uma grande perda de tempo. Deve fazer parte do custo Brasil, da dificuldade na formação de mão de obra e ainda responde, em parte, pela nossa baixa produtividade. Um treinamento melhor ajudaria, talvez, a encaminhar esse problema, para gáudio de consumidores e empresários.
Mas o problema maior não está aí, na ponta do trabalho. Fico entre irritado e divertido quando me vejo numa fila de check-in, no aeroporto: as pessoas nervosas para que ande a linha, mas, tão logo chega sua vez, entram em modo zen. Desligam a percepção do mundo exterior. Fitam o nada. Concentram-se no não-ser. Enquanto isso, atendentes desesperados fazem sinais, chamam o primeiro da fila, que continua sua meditação metafísica. Isso, até que alguém lhe toca o braço, às vezes a pessoa que está depois dele, ansiosa por também entrar em modo zen.
Ou seja, o problema não é só de quem atende, não é de uma mão de obra mal treinada. É uma dificuldade nossa, mais ampla, societal. Ficam duas perguntas por quê.
A primeira: por que perguntamos ao atendente o que estamos carecas de saber (se o avião vai sair na hora, se o consultório não mudou de lugar)? A resposta óbvia é: não confiamos no outro. No Brasil, o laço social é tão fraco que não sabemos se houve mesmo acordo, trato, contrato. Ela disse que sim, mas será para valer?
Ou a espera de ser atendido no hospital, no laboratório. Vou checar se minha ficha está na mesa, se não passou o horário, se... Não temos segurança de nosso lugar, de nossa posição. Não é esta mais uma metáfora do convívio social brasileiro?
A segunda pergunta: por que, chegada a hora, remanchamos, demoramos? Por que, após longos minutos esperando, só então buscamos a identidade, o cartão, enfim, tudo o que era necessário? Por que, no pedágio, é nesta hora que lembramos de procurar a carteira?
Talvez seja uma compensação, um modo de dizer: me fizeram esperar, agora também faço que me esperem. Minha dignidade está em atrapalhar os outros. Ela poderia, numa sociedade com vínculos sociais fortes, consistir em cooperar com eles. Mas não, aqui minha identidade não está na união, está na dissonância. Só me notam se eu lhes dificultar a vida.
Por isso mesmo, se surgir um projeto bom no grupo, fazer que ele não dê certo se torna uma questão de honra.
Difícil, conviver no Brasil.
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* Filósofo. Professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, na qual se doutorou após defender mestrado na Sorbonne.
Fonte: ZH online, 18/05/2014
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