Frei Betto*
O título pode parecer paradoxal, mas faz sentido. Hoje em
dia quase ninguém curte a velhice. Ou se assume como velho. Mesmo quem já
atingiu idade avançada costuma fazer questão de dar a impressão de ser mais
jovem.
Chamar alguém de "velho” é quase uma ofensa. Eu, que velho
estou, costumo brincar que sou "seminovo”, como em revendas de veículos. O
carro é velho, mas o adjetivo ajuda a iludir o freguês.
Ficar velho está cada vez mais caro. Tanto para o governo,
obrigado a arcar com o crescente número de aposentadorias e pensões, e
atendimento pelo SUS, quanto para o cidadão, impelido a investir em plano de
saúde, academia de ginástica, medicamentos fitoterápicos e alimentação
saudável, como frutas e legumes orgânicos.
Agora a Cellectis, empresa francesa de biotecnologia, coloca
no mercado a iPS (sigla em inglês para designar células-tronco de pluripotência
induzida). A última novidade em medicina regenerativa.
Para produzir iPS basta introduzir quatro genes em células
maduras e, assim, estas regridem ao estado de células-tronco. Esse processo,
descoberto pelo cientista japonês Shinya Yamanaka, assegurou-lhe o prêmio Nobel
de Medicina, em 2012. As células-tronco obtidas por esse método (iPS) teriam a
mesma capacidade que caracteriza as células embrionárias: transformar-se em
novos tecidos e órgãos.
Quem deseja evitar a natural degradação de seu organismo e,
desde já, estocar células da pele para que se tornem iPS, basta recorrer à
empresa francesa Scéil, braço da Cellectis. A saúde em idade provecta não custa
barato. A Scéil cobra US$ 60 mil (pouco menos de R$ 140 mil) para coletar as
células, e uma taxa anual de US$ 500 (cerca de R$ 1,1 mil) para armazená-las.
Por enquanto esse luxo está disponível apenas nos EUA, Reino Unido, Suíça,
Dubai e Cingapura.
"As pessoas devem poder viver jovens”, alardeia André
Choulika, presidente da Cellectis. Por enquanto é um luxo adotar esse
procedimento de recauchutagem genética, mas pode-se recorrer, a preços mais em
conta, a cirurgias plásticas por mero capricho estético. De preferência em
regiões predominantemente frias, para justificar o uso de cachecol e luvas.
Pescoço e mãos são traiçoeiros à vaidade senil: denunciam que o nosso corpo e a
nossa idade não são tão jovens quanto o rosto remodelado.
No México, o Instituto de Medicina Regenerativa promete
operar curas via células-tronco. Basta extrair 200 mililitros de gordura da
coxa do paciente e, em seguida, colher cerca de 130 milhões de células-tronco
para implantá-las no órgão enfermo. O procedimento custa, em média, US$ 13,5
mil (em torno de R$ 30 mil).
Além de jovialidade perene, muitos buscam a imortalidade
(sem entrar para academias de letras). Como o limite natural da célula humana é
de 130 anos, há esperança de que, graças às células-tronco, haja possibilidade
de substituir células envelhecidas, com prazo de validade vencido, por novas.
O título de pessoa mais velha do mundo é atribuído à
francesa Jeanne Calment, que viveu 122 anos (1885-1997). Passeou de bicicleta
até os 100 anos, andou até os 115, e tinha o hábito de beber um copo de vinho e
fumar um cigarro todo dia.
O boliviano Carmelo Flores Laura, índio Aimara, alega ter
123 anos, graças às longas caminhadas como pastor de gado e ovelhas. Para o Guinness
de Recordes, ninguém ainda superou a japonesa Misao Okawa, de 115 anos. A
chinesa Alimihan Seyiti afirma ter 127 anos. Seus maiores prazeres são beber
água gelada, e cantar e brincar com crianças.
O curioso é que, em geral, vive muito quem não teme morrer.
E sobretudo quem imprime à sua vida um sentido altruísta. A ansiedade de
prolongar a existência a qualquer custo pode gerar na pessoa um estresse que
lhe abrevia os dias.
Vi na TV, há tempos, Datena entrevistando um casal longevo,
habitantes da zona rural paulista. Ele com 111 anos, ela com 108. O marido se
mostrava mais lúcido que a mulher. O entrevistador perguntou a ele a que
atribuía tão longa existência. Dieta? "Adoro um torresminho”, reagiu o homem. E
beber? Não se fez de rogado: "Uma cachacinha antes da comida cai muito bem. ” E
fumar? perguntou Datena. "Fumar? Nem pensar. Parei desde os 108."
Importa na vida é ser feliz. E a felicidade não resulta da
soma de prazeres nem do acúmulo de bens. É fruto do sentido que se imprime à
existência.
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*Frade dominicano. Escritor, autor de "O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
Fonte: Adital
Imagem da Internet
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