domingo, 11 de maio de 2014

O porre do capitalismo

 Moisés Mendes*
Quem cresceu depois da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim, do fim do comunismo não sabe direito o que significa viver num mundo em que tudo é dado como consumado. Não haveria nada melhor do que isso que está aí. O liberalismo, a livre-iniciativa o capitalismo, enfim, venceu e não há mais nada a fazer.

Coreanos, sírios, russos, ucranianos e chineses neomaoístas querem ser capitalistas. Mas desde a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, os mercados não conseguem reabilitar confiança, produção, emprego, renda, bolsas. Só os bancos prosperam.

O mercado dizia que todos nós seríamos sócios de fortunas extraordinárias, se apostássemos nas bolsas. A fartura seria socializada. As bolsas acabaram engolindo poupanças miúdas e graúdas, aposentadorias e pensões. Faz seis anos.

Até o século passado, uma crise como essa estaria dentro de mais um ciclo a ser vencido pelo capitalismo. Hoje, o que se diz é que o capitalismo está diante do esgotamento da sua capacidade de convencimento. O livro do francês Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, trata disso. É o best-seller do momento e deve ser lançado logo no Brasil.

Os que leram dizem que Piketty mostra como o impasse atual, de crescente desigualdade, não decorre de desajustes momentâneos. É a exacerbação da natureza de um modelo mais imperfeito do que se pensa. Ou, dito de outra forma, pela voz de Delfim Netto, também em referência ao livro: enganaram-se os que achavam que o “amadurecimento” do capitalismo levaria a mais igualdade ou à maior liberdade de iniciativa.

O que o francês tenta provar, com estatísticas, é que liberdade econômica não significa geração automática de progresso para todos e redução de desigualdades. É atacado o princípio do liberalismo mais radical, segundo o qual quanto mais o mercado estiver livre e solto, mais haverá geração generalizada de riquezas. Para quem duvida, é de se perguntar: você está satisfeito num mundo em que, segundo a ONU, 1% da população detém 40% do dinheiro e dos bens do mundo?

A causa de tudo seria a desconexão entre o ritmo de crescimento da economia e o ritmo de concentração do capital. Quem tem muito dinheiro acumula cada vez mais dinheiro. Nada parece novo, mas o livro inova e se sustenta em números buscados até no século 18.

Quem sente saudade do colo do velho Marx e dos debates no centro acadêmico deve estar pensando: é a hora de novo do socialismo. Não se empolgue tanto, porque não seria este o contraponto às aberrações amplificadas pela hegemonia do mercado financeiro. O contraponto seria a tributação da riqueza de quem acumula cada vez mais capital.

O que se pergunta é: este capitalismo aí, do jeito que ficou, é só o que nos cabe neste latifúndio? Esta é a resposta da moda: o mundo está próximo do impasse, com o esgotamento do mar-keting do liberalismo. Mas o socialismo, coitado, não entra mais neste baile.

O problema é saber quem vai desmascarar o que está aí, enquanto todos continuam falando em nome do mercado. Você acorda e ouve alguém dizer no rádio: o mercado espera que a inflação... Nos jornais, noticia-se que o mercado deseja que...

Alguém já disse que o mercado, ente a ser sempre exaltado, sem que se sabia direito do que se trata, ganha reverências como se fosse um poderoso chefão, um zangão – ou um cacique ou um pajé: o mercado acordar hoje de guampa virada e avisar que estar brabo.

O mercado seria o espírito do que sobrou de uma ideia já degradada, que teme passar perto de espelhos e sequestra o direito a uma perspectiva digna às novas gerações.

A crise seria econômica, social, moral. Mas é pedir demais que o mercado, do jeito que está, jogado na sarjeta de terno e gravata, num porre que não acaba (e pedindo cada vez mais uísque ao Estado), se submeta a questionamentos desse tipo.
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*Jornalista
Fonte: ZH online, 11/05/2014
Imagem da Interent

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