Ruben Gorge Oliven*
O dinheiro é frequentemente visto no Brasil como
algo intrinsecamente sujo e que estraga as relações afetivas. Entre o
dinheiro e o amor, optamos sempre pelo segundo. Fita Amarela, um dos
mais famosos sambas de Noel Rosa, gravado em 1933, termina dizendo “Não
tenho herdeiros/ Nem possuo um só vintém/ Eu vivi devendo a todos/ Mas
não paguei a ninguém”. Nos sambas daquela época, quando alguém se
encontrava no miserê, isto é, na penúria, a maneira educada de pedir
ajuda a um conhecido era dizer “Você pode me emprestar algum?”. A
palavra dinheiro não era sequer pronunciada pois sua simples menção
poderia contaminar o ambiente e a relação com o amigo. Mas os sambistas
aos poucos foram se dando conta de que sem uma base financeira era
difícil sobreviver e amar. É o caso de Sinhô, o Rei do Samba, que na
marcha carnavalesca Amor sem Dinheiro, grande êxito do carnaval de 1926,
discute a relação entre dinheiro e amor, mostrando a impossibilidade de
viver plenamente o último sem condições financeiras adequadas: “Amor
sem dinheiro, meu bem/ Não tem valor”.
Nos EUA, existe a expressão “Not a penny to my name” (sem um tostão para meu nome) para designar a pobreza, indicando que não é o dinheiro mas sua falta que mancha o nome de uma pessoa. Lá existe inclusive um provérbio que diz que todo o dinheiro é limpo, mesmo quando ele é sujo. Mas apesar de o dinheiro ser tratado de forma mais explícita pelos norte-americanos, há uma tendência a querer separá-lo do mundo dos sentimentos. Num livro fascinante, intitulado A Negociação da Intimidade, Viviana Zelizer, socióloga nascida na Argentina e radicada nos Estados Unidos, mostra que os norte-americanos tendem a acreditar que atividades econômicas e relações íntimas são esferas separadas e mundos hostis. Quando essas esferas entram em contato inevitavelmente ocorreria a contaminação e a desordem. A isso, ela contrapõe a ideia de que pessoas estão constantemente misturando intimidade e atividade econômica, processo através do qual estão ativamente envolvidas em construir e negociar vidas conectadas. Argumenta que na verdade o dinheiro coabita regularmente com a intimidade e a sustenta. Quanto mais íntima for uma relação mais o dinheiro fará parte dela.
Pensemos no casamento, nos filhos, no sexo e veremos que todas estas esferas envolvem o dinheiro. A resistência em reconhecer que relações íntimas são permeadas por questões financeiras faz com que, quando elas se rompem, surjam conflitos que acabam nos tribunais. A paixão avassaladora é vista como totalmente alheia ao dinheiro; já o divórcio é todo ele permeado por discussões que envolvem valores financeiros.
Na primeira metade do século 20, a maior parte da população brasileira vivia no campo, onde boa parte das transações não envolvia dinheiro diretamente. Hoje somos um país urbano, e a maioria das trocas econômicas é monetária. O grau de monetarização de nossa economia pode ser medido pelo fato de que no ano passado o Brasil tornou-se o segundo maior mercado de cartões de débito e crédito do mundo, com 20 bilhões de transações registradas.
Hoje tudo é medido pelo dinheiro: a passagem de ônibus, os gastos da Copa, a corrupção, o custo de uma festa etc. E vale lembrar que o Dia das Mães implica a compra de presentes, cujo volume é superado apenas no Natal. Ainda que amor filial não se meça pelo valor do presente, os filhos sabem o que cabe em seus orçamentos. Isto não quer dizer que as pessoas se amem menos, que os filhos não gostem dos pais ou vice-versa. Significa apenas que o dinheiro, enquanto equivalente universal, passa a ser um modo prático de medir valores econômicos. Isso inclui não apenas mercadorias e serviços, mas também o tempo. Afinal, como lembra o ditado, “time is money”.
Nos EUA, existe a expressão “Not a penny to my name” (sem um tostão para meu nome) para designar a pobreza, indicando que não é o dinheiro mas sua falta que mancha o nome de uma pessoa. Lá existe inclusive um provérbio que diz que todo o dinheiro é limpo, mesmo quando ele é sujo. Mas apesar de o dinheiro ser tratado de forma mais explícita pelos norte-americanos, há uma tendência a querer separá-lo do mundo dos sentimentos. Num livro fascinante, intitulado A Negociação da Intimidade, Viviana Zelizer, socióloga nascida na Argentina e radicada nos Estados Unidos, mostra que os norte-americanos tendem a acreditar que atividades econômicas e relações íntimas são esferas separadas e mundos hostis. Quando essas esferas entram em contato inevitavelmente ocorreria a contaminação e a desordem. A isso, ela contrapõe a ideia de que pessoas estão constantemente misturando intimidade e atividade econômica, processo através do qual estão ativamente envolvidas em construir e negociar vidas conectadas. Argumenta que na verdade o dinheiro coabita regularmente com a intimidade e a sustenta. Quanto mais íntima for uma relação mais o dinheiro fará parte dela.
Pensemos no casamento, nos filhos, no sexo e veremos que todas estas esferas envolvem o dinheiro. A resistência em reconhecer que relações íntimas são permeadas por questões financeiras faz com que, quando elas se rompem, surjam conflitos que acabam nos tribunais. A paixão avassaladora é vista como totalmente alheia ao dinheiro; já o divórcio é todo ele permeado por discussões que envolvem valores financeiros.
Na primeira metade do século 20, a maior parte da população brasileira vivia no campo, onde boa parte das transações não envolvia dinheiro diretamente. Hoje somos um país urbano, e a maioria das trocas econômicas é monetária. O grau de monetarização de nossa economia pode ser medido pelo fato de que no ano passado o Brasil tornou-se o segundo maior mercado de cartões de débito e crédito do mundo, com 20 bilhões de transações registradas.
Hoje tudo é medido pelo dinheiro: a passagem de ônibus, os gastos da Copa, a corrupção, o custo de uma festa etc. E vale lembrar que o Dia das Mães implica a compra de presentes, cujo volume é superado apenas no Natal. Ainda que amor filial não se meça pelo valor do presente, os filhos sabem o que cabe em seus orçamentos. Isto não quer dizer que as pessoas se amem menos, que os filhos não gostem dos pais ou vice-versa. Significa apenas que o dinheiro, enquanto equivalente universal, passa a ser um modo prático de medir valores econômicos. Isso inclui não apenas mercadorias e serviços, mas também o tempo. Afinal, como lembra o ditado, “time is money”.
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*PROFESSOR TITULAR DE ANTROPOLOGIA DA UFRGS E MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. ESCREVE MENSALMENTE.
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