sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ler e escrever na cibercultura

 Talita Moretto*
 
Recentemente, eu fui questionada se as práticas que envolviam o conceito da educomunicação (ou mídia e educação) poderiam contribuir para incentivar o gosto pela leitura entre crianças e adolescentes, considerando que muitas pesquisas* realizadas em nível nacional apontam para o baixo índice dessa habilidade importante para a aquisição do conhecimento e para a formação do sujeito crítico.

É importante, antes de avaliar se os jovens integrantes de um grupo específico (uma sala de aula, por exemplo), leem ou não, os professores perguntarem-se até que ponto a cibercultura (relacionada aos fenômenos sociais relacionados à internet e às formas de comunicação em rede) está sendo contemplada naquele ambiente e quais são as possibilidades dadas aos alunos para reconhecer a leitura como parte do processo do seu letramento e da sua aprendizagem.

Um texto divulgado no portal Todos Pela Educação com o título "Leitura no papel ou na tela: a diferença está em quem lê” traz as considerações da professora da área de linguística da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Rejane Dania, a respeito das diferenças entre a leitura em papel e na tela. Ela afirma que essas diferenças estão relacionadas com as características de quem lê, ou seja, idade, experiência em leitura e grau de contato com a tecnologia, fatores individuais de cada leitor, é que vão apontar se ele terá dificuldades em apreender os significados em qualquer um dos formatos. Então, conclui-se que o processo de leitura é o mesmo, independente do suporte, mas a capacidade de absorção depende do objetivo da leitura.

Terá um jovem de 16 anos algum objetivo para ler clássicos da literatura em um livro com páginas amarelas, letras pequenas e palavras rebuscadas? Pode ser que sim, mas pode ser que não. No entanto, se o professor inserir a obra em uma proposta de leitura interativa, com recursos visuais e incentivos de criação em cima do tema, promovendo o trabalho em equipe, a cooperação, a partilha e a divulgação dos resultados, talvez a leitura seja mais apreciada, talvez ela faça mais sentido para esse jovem. 

Na década de 1990, Jesús Martín-Barbero definiu a educomunicação como "um processo educativo que permite aos alunos apropriarem-se criativamente dos meios de comunicação, integrar a voz dos estudantes ao Ecossistema comunicativo da escola e, em última instância, melhorar a gestão do ambiente escolar com a participação dos educandos" (a definição pode ser lida aqui: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_educomunicacao.pdf )

Para isso acontecer, os jovens precisam ter acesso aos meios de informação e às novas tecnologias e o direito à livre expressão, lembrando que um "ecossistema” inclui as pessoas, o ambiente e as suas interrelações. Neste sentido, eu acredito que se os profissionais da educação entenderem as práticas educomunicativas como alavancas para resgatar o potencial de criação do aluno, tornando-o agente e participativo no ambiente da escola e no seu processo de ensino e aprendizagem, a educomunicação pode incentivar a frequência da leitura, pois os alunos produzem (escrevem) mais quando sabem que serão lidos, quando terão o seu conhecimento, a sua criatividade e a sua criação conhecidos, e a leitura é uma consequência da escrita. 
 
Uma atividade dinâmica e atual que incentiva a leitura e a escrita são os Programas Jornal e Educação, que funcionam assim: aos alunos, dentro da sala de aula, é entregue um meio de comunicação impresso, com informações que fazem parte do seu cotidiano; a leitura acontece naturalmente e com interesse, pois as notícias estão relacionadas à cidade, ao bairro ou à escola; com isso, debate-se o tema/assunto/fato exposto e dialoga-se com os participantes da aula, constrói-se um olhar crítico; em seguida, acontece uma pesquisa mais profunda em outros meios de informação (outras fontes), a fim de se obter mais dados a respeito do assunto, o que significa mais leitura; munidos com informações, os alunos partem para a produção textual (no papel ou no computador); a livre expressão deve ser incentivada e a opinião respeitada; um novo diálogo surge com essas reflexões. No caso do Programa Vamos Ler , os textos dos alunos são publicados e lidos pela população local. Trata-se de uma estratégia educomunicativa para se trabalhar leitura e escrita.

Os estudantes leem muito hoje, porém são imediatistas. Desejam estar informados, mas que isso aconteça sem delonga; gostam de aprender, desde que a orientação seja rápida. Percebe-se que não querem perder tempo, mas sim ler o máximo que conseguirem para conhecer cada vez mais. Com a mediação certa, essa forma de leitura também é possível. 

Conhecer o que o aluno espera de um ecossistema comunicativo ideal dentro da escola e aceitar as mudanças nas esferas social e educacional, ambas sob a influência das novas tecnologias e da web 2.0, e inovar as práticas de leitura com novas plataformas, novos formatos de textos e de livros, pode ser o caminho para melhorar os números das pesquisas.


*Um exemplo é a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil(3ª edição) realizada pelo Instituto Pró-Livro ,com apoio da ABRELIVROS, CBL e SNEL. O estudo tem como objetivo medir intensidade, forma, motivação e condições de leitura da população brasileira. A primeira edição foi em 2011 e tornou-se uma referência quando se trata do comportamento leitor; seus resultados orientaram estudos e projetos e a implantação de políticas públicas do livro e da leitura no país.
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* Jornalista, educomunicadora, especialista em mídias e tecnologias na aprendizagem, coordenadora de Programa Jornal e Educação e blogueira:www.salaaberta.com. Twitter: @talitamoretto
Fonte:  http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=80818
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