Não basta ter talento.
Charles Watson ministra curso sobre o processo criativo na Capital
Você acha que talento é fundamental para ter ideias criativas?
Especialista no tema, Charles Watson se esforça para derrubar essa
crença. Para ele, o que impede as pessoas de se destacarem no universo
das ideias novas é... a preguiça. O artista e educador
escocês está de volta a Porto Alegre neste fim de semana para ministrar o
primeiro módulo de seu prestigiado curso "O Processo Criativo".
Formado em Arte e Literatura pela Bath Academy/Bath University na
Inglaterra, Watson leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no
Rio de Janeiro, desde 1982. Durante o workshop, que é recomendado pela
University of Arts de Londres, o professor busca demonstrar que a
semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre
linguagens.
Leia a seguir a entrevista concedida por Watson a ZH por telefone.
Zero Hora — Você acredita que exista predisposição à criatividade?
Charles Watson - Não. Muitas pesquisas apontam que talento, se é que existe, tem uma importância muito pequena numa vida criativa.
Charles Watson - Não. Muitas pesquisas apontam que talento, se é que existe, tem uma importância muito pequena numa vida criativa.
ZH — Por quê?
Watson — Porque as pessoas que são vistas como "os
grandes talentosos", como Tiger Woods, Michael Johnson, Mozart ou
Michelangelo, por exemplo, começaram a ter um contato diário com os seus
assuntos com três ou quatro anos de idade. E Mozart não era uma gênio
quando ele tinha oito anos. Ele era, talvez, um menino prodígio em poder
aprender piano, mas ele era também uma pessoa obcecada desde os quatro
anos com o instrumento. O pai dele era um professor de música já com
dois livros publicados sobre isso. Mozart fez seu primeiro grande
trabalho com 21 anos de idade. Ou seja, 17 anos depois de uma relação
diária de internalização das regras da sua área de atuação, a música.
Não estou dizendo que não existe habilidade inata de algumas pessoas
para fazer certas coisas, mas a pesquisa mostra que, por exemplo, entre
crianças bem dotadas no violino ou piano, são pouquíssimas que crescem
para fazer uma vida criativa. Isso é um dado que poucas pessoas
conhecem. As pessoas que parecem fazer a diferença não a fazem por causa
de habilidades inatas. Aliás, Tiger Woods fala que o que fez a
diferença na sua carreira foi o que ele chama de controle mental, uma
coisa que seu pai o ensinou desde pequeno para superar as dificuldades
que ele tinha como
golfista. Woods tinhas desvantagens em termos de esforço, em termos do
próprio corpo e ele aprendeu a pensar diferente para superar essas
dificuldades. Isso é muito comum na vida das pessoas que fazem a
diferença nas suas áreas. No entanto, a população em geral adora ter uma
ideia de que "veio do céu", "o cara nasceu assim", "Deus abençoou ele",
isso é bobagem. Em um estudo prolongado sobre criatividade, nada
sustenta isso.
ZH — O que bloqueia o processo criativo?
Watson — A preguiça. Todo mundo tem ideias. Quando
você tem uma ideia que acha muito especial, você pode contar com o fato
de que outras 250 mil pessoas tiveram essa ideia. A diferença está em
quem decide concretizá-la e isso envolve intenso trabalho. Quando você
lê um trechinho em um romance que te toca muito, em nove vezes de dez
vezes, te toca porque também é uma coisa que você pensou ou sentiu. A
diferença é que o mestre menciona isso, enquanto você deixou passar.
Então, na verdade, o papel do escritor, do artista ou de qualquer pessoa
envolvida em atividades criativas, é colocar um farol nas coisas que
ficaram cinzentas na vida. Em toda a história da arte não tem mais do
que sete assuntos e, sendo assim, o que importa não são os assuntos
novos, mas a maneira de abordá-los para parecer que estão sendo vistos
pela primeira vez. A questão principal sobre o curso é que, em uma
entrevista com um artista que faz a diferença ou com um cientista que
faz a diferença, se vai descobrir que não tem a ver com a especificidade
das suas linguagens, mas com o tipo de personalidade, que tolera muito
trabalho. Não só tolera, mas que também tem uma relação passional com o
que faz. Quando você é passionalmente envolvido com o que faz, não sente
que as suas horas de investigação são um sacrifício, você quer estar no
lugar que traz mais significado para você. E o produto que surge não é a
sua meta, a sua meta é estar fazendo o que te traz significado. O
produto acaba decorrendo disso. É o que se chama de
atividade autotélica, cujo significado é nela mesma.
ZH — Como é o curso que será ministrado a partir desta sexta-feira em Porto Alegre?
Watson — O curso é composto por uma série de
palestras interativas. Há interação com plateia, mas são palestras sobre
o processo criativo e algo que se pode chamar de comportamento
otimizado. Isso quer dizer, quem são as pessoas que fazem a diferença
dentro das suas áreas de trabalho, como é o pensamento delas em termos
criativos, em termos de levar um assunto até as últimas consequências e
se destacar dentro de um contexto de criação, seja isso na área
empresarial, na área da literatura, coreografia, arte e etc. Parte do
princípio que, a partir de um certo ponto de investigação, a semelhança
entre os processos criativos é maior do que a diferença entre as
linguagens. Ou seja, se eu faço uma entrevista com evolucionista ou com
um bioquímico que está na linha de frente da sua área, vou ter uma
entrevista que se assemelha em muitos sentidos com a entrevista com um
artista que está na frente na sua área também. Apesar de existirem
diferenças evidentes no sistema de pensamento de ciência e arte, também
há muitas semelhanças. Por exemplo: se Picasso não tivesse vivido, a
gente não teria tido um quadro como Guernica. Agora, se Watson e Crick
nunca tivessem vivido, outra pessoa teria descoberto o DNA. Concorda?
ZH — Acho que sim...
Watson — É evidente que sim, porque o DNA foi
descoberto. É fruto de um processo de investigação convergente. Isso
quer dizer que há uma resposta em algum lugar, ela existe. Cabe a alguém
descobrir. Guernica não existia já feita em nenhum lugar, é um produto
de uma investigação extremamente particular de um artista. Nenhuma outra
pessoa teria pintado Guernica. Essa é a diferença entre pensamento
convergente e pensamento divergente. E um processo criativo é fruto da
capacidade de criar uma ponte entre essas duas maneiras de pensar.
ZH — De tudo que você transmite aos alunos, qual é a lição que mais gostaria que eles absorvessem?
Watson — Eu não posso especular sobre a lição, isso é
com eles. Eu sei que eles vão sentir um certo desconforto, porque
quando você tira talento e Deus da cena, o que fica é a responsabilidade
pessoal pelo que você faz. Ou melhor, pelo que você não faz. E isso nem
sempre é muito confortável para todo mundo ouvir. Mas é um curso que
joga muita responsabilidade sobre o que a gente faz com as nossas vidas,
sobre o indivíduo, não sobre circunstâncias alheias.
------------Reportagem por Isadora Neumann
Fonte: ZH on line, 30/05/2014 | 10h02
Foto:
Divulgação / Dynamic Encounters
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Pensamento inovador é altamente valorizado e depende de experiências inusitadas
16/04/2014 | 17h31
Alterar a perspectiva e analisar o problema dentro de outros contextos auxilia a propor novos conceitos
Foto:
Stock.xchng / Stock.xchng
O pensamento criativo é um diferencial importante em praticamente
todos os ramos de atuação. A criatividade é uma função altamente
sofisticada do cérebro humano, que de tempos em tempos nos surpreende
com uma visão diferente, inédita e altamente efetiva sobre determinado
problema.
Segundo o neurologista Leandro Teles, a solução criativa aflora
quando conseguimos driblar os caminhos do raciocínio lógico sequencial.
Quando escapamos do óbvio e alcançamos uma visão alternativa, diferente
da média da população.
A criatividade resolve elegantemente inúmeros problemas do dia-a-dia e é altamente valorizada social e profissionalmente.
— Pensar diferente, de forma não ortodoxa, lançar um foco novo sobre
um dilema antigo, isso é criatividade. Fazer os outros enxergarem aquilo
que sempre esteve diante deles, criar atalhos mentais, surpreender o
cérebro alheio gerando a famosa pergunta: como eu não pensei nisso
antes? Para isso, devemos desenvolver uma série de modalidades
cognitivas, colocá-las em prática e, enfim, colher os frutos— explica o
especialista.
O médica enumera e esclarece cinco passos fundamentais para quem quer se tornar mais criativo:
Direito ao erro
Quem quer ser criativo tem, obrigatoriamente, que se permitir o erro.
O que diferencia a ideia genial da absolutamente equivocada é, muitas
vezes, um detalhe. O raciocínio lógico e de senso comum é menos fadado
ao erro. O criativo arrisca mais, inventa, testa, ousa… com isso paga
seu preço: erra bem mais.
Mudar a visão do problema
Se quiser ver o que ninguém viu, precisa olhar as coisas como ninguém
ainda olhou. Mude a visão do problema! Dê um passo pra trás e olhe tudo
de longe, aperte os olhos, desfoque. Se coloque na visão de outras
pessoas, brinque de resolver o problema em outros contextos. Você vai
ver como o cérebro irá traçar caminhos novos e pode surgir um conceito
inédito a ser trabalhado.
Conhecer os caminhos já trilhados
Não é fácil fugir do lugar comum se não conhecemos o lugar comum.
Tentar ser criativo sem determinar o que já foi dito, pensado e sentido
sobre o problema é perder tempo. Conhecer as trilhas já abertas ajuda a
evitá-las. Busque criar atalhos, fundir conceitos, condensar. Estude o
assunto, sob vários aspectos, pesquise, não menospreze tudo que já foi
feito sobre ele antes. Conhecimento e visão são modalidades fundamentais
para as pessoas altamente criativas.
Dar liberdade ao cérebro
O raciocínio criativo precisa do cérebro apto a alçar voos livres e
complexos. O cérebro humano é fruto de genética, vivência e contexto. A
genética é imutável, cada um nasce com um potencial criativo. Mas a
vivência e o contexto estão em nossas mãos! Alimente-se de experiências
novas, diferentes, inusitadas. Conheça pessoas, culturas e artes em
todas as suas formas. Seja uma esponja de soluções criativas. Saia do
escritório, afrouxe a gravata, medite, corra na praia, aguarde a
resposta olhando uma lagoa em um dia ensolarado, etc. A resposta não
tradicional surge, muitas vezes, em momentos não tradicionais. O repouso
e o sono também são fontes criativas.
Entenda e use a intuição
Sexto sentido, o que tem de ciência nisso? Tudo. O que chamamos de
intuição é um tipo peculiar de raciocínio dissociado de linguagem. Surge
um conceito pronto sem o rastro da lógica. Não dá pra argumentar,
explicar, traçar a linha que justifica a conclusão. Ela aflora
geralmente de divagações do hemisfério direito do cérebro (uma vez que a
linguagem fica geralmente no hemisfério esquerdo). Não a menospreze,
nem dê a ela ares de magia e misticismo sem credibilidade. Pessoas
criativas exercitam, valorizam e expressão suas intuições. Dê vazão, com
bom senso, a suas sensações pouco ancoradas na lógica e na razão.
----
FONTE: ZH on line, 16/04/2014
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