sábado, 10 de maio de 2014

Mons. Tomasi à ONU sobre os abusos, a expulsão de 848 sacerdotes e ações capilares. Entrevista à ZENIT

 
Esta chaga na sociedade deve fazer que nos perguntemos como trabalhar com a força do Evangelho
Por Sergio Mora

A Santa Sé respondeu em duas sessões ao comitê da ONU sobre a tortura, como o fazem todos os países que aderem a esta convenção da Organização das Nações Unidas. Nas perguntas sobre o tema foram abordados também os casos de abusos de menores por sacerdotes. A Santa Sé, nesta segunda-feira, respondeu que a territorialidade que lhe compete é aquela do Estado Cidade do Vaticano, porque os crimes cometidos em outros Países estão sob a jurisdição desses Estados.

Há três dias atrás, terça-feira, o Observador Permanente da Santa Sé em Genebra, Mons. Silvano Tomasi apresentou outras respostas, indicando as medidas ‘quase capilares’ que a Igreja implementou nos últimos anos, e revelando que entre o 2004 e 2013 foram expulsos 848 sacerdotes, foram tomadas medidas nos seminários para formar adequadamente os futuros sacerdotes, e que ações empreendidas marcaram uma forte diminuição dos casos de pedofilia no clero e na Igreja.

ZENIT conversou com Mons. Tomasi em Genebra, o qual indicou como o objetivo final destas medidas tomadas é a proteção das crianças, para garantir o seu crescimento saudável e sereno, para que sejam pessoas construtivas para a sociedade na qual vivem.

Indicou que todos devem pensar nas crianças, porque de acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem mais "de 40 milhões de abusos anuais e muitas vezes em família, em associações ou na escola. E convidou a perguntar-se sobre como a força do Evangelho hoje pode obrar para transformar esta cultura e reforçar a normalidade da vida, e o desenvolvimento saudável da sociedade.

ZENIT: Não será que o comitê da ONU se confunda um pouco ao misturar a tortura com os casos de abuso?
Mons. Tomasi: Alguns membros da Comissão da CAT transformaram um pouco a situação apelando a um artigo da Convenção contra a Tortura, o artigo 16, onde se fala de comportamento cruel, humilhante e desumano, e, portanto, considerando que a violação sexual é uma ação deste tipo abriram a porta para colocar in iter estas questões, que entre outras são muito tentadoras para os meios de comunicação.

ZENIT: A Santa Sé não entrou em discussão se os abusos são tortura ou não, mas deu dados sobre o trabalho desenvolvido para combater a pedofilia
Mons. Tomasi: A definição de "tortura" na Convenção é muito precisa e a sua extensão para incluir o abuso sexual não é aceita neste momento pelas autoridades em direitos humanos. Naturalmente, a Igreja Católica rejeita qualquer ação que viola a dignidade humana. Mas talvez houvesse outro objeto nesta discussão. Além disso, muitas vezes vários meios de comunicação repetem que a Igreja impediu ou continua  a impedir a ação contra os clérigos e padres que cometeram crimes contra menores, ou que ignora esta realidade ou que não tem tomado medidas consistentes.

ZENIT: Então, você respondeu apresentando os números
Mons. Tomasi: Fornecendo estes dados estatísticos, se documenta claramente que nos últimos dez anos a Igreja fez realmente uma ação quase capilar, diria, de limpeza da casa procurando não somente punir os culpados do ponto de vista canônico, mas também com as sanções dos Estados dos quais são cidadãos ou residentes. E criou as condições para prevenir este tipo de crime tomando medidas específicas na formação dos futuros sacerdotes e com a instituição, por parte do Papa Francisco, da Comissão para a proteção dos menores.

ZENIT: E as vítimas?
Mons. Tomasi: A Igreja tem procurado sempre, na medida do possível, ressarcir as vítimas. Fê-lo com a ajuda financeira, por exemplo, dando nos Estados Unidos mais "de US $ 2,5 bilhões de dólares. Mas fê-lo também, oferecendo apoio moral, dando conselhos e apoio espiritual para facilitar a sua integração na sociedade e sua retomada de uma vida normal.

ZENIT: Foram expulsos 848 sacerdotes da Igreja em dez anos, certo?
Mons. Tomasi: É um dado de fato, esta é a realidade. É necessário ter em conta que a maior parte dos casos de pedofilia conhecidos, aconteceram nos anos 60, 70, 80. Assim, mesmo que os casos relatados à Congregação para a Doutrina da Fé sejam recentes, não significa que eles ocorreram quando foram relatadas ao tribunal civil ou eclesiástico, mas também muito tempo antes.

ZENIT: E qual é a tendência hoje?
Mons. Tomasi: Nós temos que levar em conta que a tendência dos últimos anos é a de diminuição dos casos de pedofilia no clero. Parece-me que este é um sinal de que as medidas tomadas são eficazes e que uma nova cultura entrou na Igreja e nos círculos próximos a ela, ou seja, de denunciar imediatamente quaisquer casos que surjam, seja às autoridades civis seja à eclesiástica. É claro, a melhor maneira é fazer todo o possível para viver a nossa vida sacerdotal e de serviço à Igreja no caminho certo.

O Comitê de tortura da ONU somente questionou o Vaticano sobre os abusos, ou também questionou outros Países?
Mons. Tomasi: Sim, também a outros Países foi colocada a questão sobre os abusos sexuais de menores pela Comissão da Convenção contra a tortura. Parece-me que há duas observações a serem feitas a respeito. A primeira é que a atenção dos meios de comunicação se concentra na Igreja e colocou todos os holofotes nela, porque se entende que o pessoal da Igreja deve ser de extrema confiança e quando se cometem crimes contra menores não só se comete um crime, mas há também a quebra de uma relação de confiança que deve ser assegurada.

ZENIT: E a segunda observação?
É preciso colocar estes fatos que aconteceram na Igreja, no contexto da situação mundial, global, porque a Organização Mundial da Saúde fala de mais de 40 milhões de casos de pedofilia por ano e a grande maioria desses casos ocorre na família e em outras categorias de pessoas envolvidas, como professores de escolas públicas, profissionais de todo tipo ou instituições, desde escoteiros, aos Cascos azuis, ao Parlamento britânico, como relatado pela imprensa .

ZENIT: Os dados da OMS, de cerca de 40 milhões de casos de pedofilia por ano é enorme.
Mons. Tomasi: Por isso, quando se fala da Igreja é preciso um senso de perspectiva para compreender que o problema vai além dela e que de parte de todos deve-se sentir a exigência de proteger as crianças: o objetivo final é a sua proteção e garantir o seu crescimento saudável e sereno, de modo que as pessoas possam ser pessoas construtivas para a sociedade na qual devem viver.

ZENIT: Qual cultura está na raiz destes fatos
Mons. Tomasi: Parece-me que a raiz do fenômeno da pedofilia está numa cultura baseada em formas extremas de individualismo que buscam justificar qualquer comportamento e fazer de qualquer desejo e ambição um direito humano. Em vez disso, a cultura que se baseia na tradição cristã promove a dignidade da pessoa e da sua abertura à transcendência e suporta um conceito de liberdade que está relacionado com a responsabilidade das ações que possam surgir.

Temos duas culturas que se movem em diferentes vias. Para nós, cristãos, levanta-se a questão de como o poder do evangelho hoje possa agir para transformar a cultura do individualismo extremo e ser fermento de vida para o desenvolvimento saudável da sociedade.
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(Trad.TS)
Fonte: Zenit.org. 09/05/2014
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