domingo, 25 de maio de 2014

Por que amamos odiar o Facebook?

 Paulo Gleich*
 
Se você tem Facebook, provavelmente já viu – ou até mesmo compartilhou – postagens criticando as interações virtuais e/ou exaltando a vida e as relações fora da Internet. A cada tanto, surge um novo vídeo ou texto que pretende nos abrir os olhos para a vida “de verdade”, condenando o uso do celular e das redes sociais. Tenho dúvidas quanto à eficácia dessas mensagens para além de um efeito nostálgico passageiro: caso funcionassem, não estaria em ascensão o uso desses aparelhos e das formas de comunicação à distância.

Outro alvo frequente de críticas é o conteúdo postado (sempre pelos outros, claro!), como se o Facebook fosse responsável por uma suposta mediocrização do mundo. Há uma fantasia de que se não existisse (ou se não o usássemos), poderíamos estar nos dedicando a atividades mais construtivas, lendo os clássicos, mudando o mundo. De fato, esses comportamentos “nobres” são pregados timeline afora, mas suspeito que em muitos casos para expiar a culpa por estar fazendo exatamente o mesmo que os demais: jogando conversa fora, compartilhando coisas de que gostamos e vendo o que os outros estão fazendo.

Vários estudos têm mostrado que no mundo virtual não somos tão diferentes da vida pública, diminuindo a distância imaginária que insistimos em manter entre ambos. Tanto na vida cotidiana quanto no Facebook nos empenhamos em mostrar aos outros nossa versão preferida de nós mesmos. Ser ignorado no Facebook é similar a ser ignorado fora dele: gera tristeza e efeitos negativos sobre a percepção de si mesmo. Curtidas e comentários positivos levantam o moral, assim como elogios ou outras formas de aprovação que recebemos no convívio.

Por mais independentes que acreditemos (ou desejemos) ser, estamos fadados, de nascença, a depender do olhar e da aprovação do outro. Precisamos nos sentir amados para garantir que tem sentido aquilo em que acreditamos – enfim, que a vida vale a pena. Mesmo o asceta mais solitário não é imune a isso: sente-se reconhecido por seu deus por sua renúncia ao convívio e aos prazeres da vida mundana. No mundo virtual não é diferente: defendemos nossas certezas, mas precisamos de outros que as reconheçam como válidas.

Num mundo cada vez mais privado de espaços públicos de encontro e convivência, o Facebook e as redes sociais se tornaram a ágora contemporânea à qual (quase) todos têm acesso. Na vida “lá fora” limitamos nossa convivência a pessoas em número e variabilidade menor, mas nessa praça pública virtual nos encontramos com um espectro mais amplo de formas de ser e pensar. Não será a bronca com o Facebook em parte por nos lembrar que muita gente pensa e vive de forma diferente de nós? Por outro lado, o prazer embutido por quem critica os demais também revela sua função essencial para garantir nossa identidade – o que seria dos gremistas sem os colorados?

As críticas às redes sociais e aos vínculos que nelas estabelecemos podem ser uma tentativa de minimizar o medo do desamparo que as mudanças no mundo atual trazem consigo. Mas talvez as coisas não sejam tão diferentes assim: também no mundo virtual, dependemos dos laços que tecemos com os outros, alguns mais consistentes que outros. Talvez amemos tanto odiar o Facebook por odiar admitir que, no fundo, o amamos: precisamos dele para nos sentirmos conectados com o próximo. Mesmo que venhamos nos isolando na vida “lá fora”, seguimos sendo, através das redes virtuais, seres sociais.
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*  Jornalista. Escritor
Fonte: ZH online, 25/05/2014

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