sexta-feira, 23 de maio de 2014

O edifício de 1 km de altura e o pico do petróleo na Arábia Saudita

José Eustáquio Diniz Alves*
 
“It has taken between 50-300 million years to form, and yet we have managed
to burn roughly half of all global oil reserves in merely 125 years or so”.
http://www.oildecline.com/
“It took us 125 years to use the first trillion barrels of oil.
We’ll use the next trillion in 30”.
Cambridge Energy Research Associates

A Arábia Saudita está planejando construir o edifício mais alto do mundo, com um quilômetro (1 km) de altura. Se for realmente construído e concluído, o Kingdom Tower será 173 metros mais alto do que o atual prédio mais alto do mundo, o Burj Khalifa, que fica em Dubai.

A torre de 200 andares deverá custar pelo menos US$ 1,23 bilhão, devendo exigir 80.000 toneladas de aço e a capacidade de bombear 500 mil metros cúbicos de concreto a 1 km de altura. Os desafios da engenharia são enormes. Mas a Arábia Saudita tem planos de ampliar e construir novas cidades que terão uma população de quatro a cinco milhões de habitantes, requerendo um investimento de US$ 60 bilhões. Cada cidade ficará localizada em uma área do país para desenvolver suas regiões – Rabigh, Hail, Medina e Jazan. Por exemplo, a Cidade Econômica King Abdullah (nome inspirado no rei saudita) pretende abarcar 2 milhões de pessoas e tem conclusão prevista para 2020. Vale dizer que a Arábia Saudita já tem o segundo prédio mais alto do mundo, o Makkah Royal Clock Tower Hotel, com 601 metros de altura (o prédio mais alto do Brasil, com 51 andares, tem 170 metros).

Aproveitando a riqueza gerada pela exportação da energia fóssil acumulada durante milhões de anos, a Arábia Saudita teve um dos maiores crescimentos demográficos e econômicos do mundo. A população era de 3,1 milhões de habitantes em 1950 e passou para 27,5 milhões de habitantes em 2010. A divisão de população da ONU estima, na projeção média, um volume populacional de 45 milhões em 2050 (crescimento de 15 vezes em 100 anos). Contrastando com o estilo de vida beduína, a sociedade saudita adotou um alto padrão de vida e consumo, construído em cima da aridez do deserto, o que só foi garantido pela existência dos combustíveis fósseis. As divergências internas na elite política e econômica do país foram amenizadas.

Assim, a pegada ecológica per capita do país chegou a 3,39 hectares globais (gha) em 2008, para uma biocapacidade per capita de apenas 0,65 gha, de acordo com o relatório Planeta Vivo, da WWF. Portanto, o país possui um dos maiores déficits ambientais do mundo. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) passou de 0,65 em 1980 para 0,77 em 2010.


Portanto, os dados mostram que a Arábia Saudita teve um grande crescimento demoeconômico e tudo isto ocorreu às custas do petróleo e do gás. Esta riqueza, contudo, é finita e já tem prazo para acabar. O mais provável é que a Arábia Saudita passe por enormes dificuldades quando a riqueza fóssil se esgotar, especialmente se não fizer os investimentos necessários para mudar sua base produtiva e educacional para uma situação pós-petróleo. Noventa por cento das exportações sauditas são de petróleo e produtos derivados e o país é totalmente dependente destas exportações para importar a maior parte dos alimentos e bens de consumo.

Desta forma, fica claro que a Arábia Saudita montou um modelo de sociedade de alto consumo e baixa capacidade autônoma de produção. O problema é que 90% da extração de hidrocarbonetos vem de apenas 5 mega-campos, que estão todos em risco de colapso de produção, segundo o site Oil Decline. Durante anos, a Aramco, a companhia petrolífera saudita, usou técnicas de recuperação secundária por injeção de enormes quantidades de água do mar (7 milhões de barris por dia) em seu maior campo para aumentar a produção. Estes métodos têm efeitos meramente temporários , e levar a taxas aceleradas de esgotamento no futuro. Isto vai provocar uma divisão política e econômica no país e tenderá a incentivar manifestações populares.

Matt Simmons, no livro “Twilight in the Desert”, considera que a Arábia Saudita em breve atingirá o pico do petróleo e depois que sua produção vai diminuir e o mundo vai ser confrontado com uma escassez catastrófica de óleo. A base factual do livro tem mais de 200 trabalhos técnicos publicados nos últimos 20 anos, que mostram problemas com poços particulares ou campos específicos, e que demonstram coletivamente que todo o sistema do petróleo saudita é “velho e desgastado” com reservas deliberadamente superestimadas.

No final de 2009, a universidade da empresa Kuwait Oil Kuwait elaborou um estudo para prever a tendência de produção de petróleo e com base em modelos estatísticos sofisticados estimou o pico para 2014. Outras estimativas variam entre 2015 e 2020. O que é certo é que a produção mundial de combustíveis fósseis vai entrar em um declínio permanente ainda na atual geração.

Reportagem da Bloomberg, mostra que a Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, corre o risco de se tornar um importador de petróleo nos próximos 20 anos. Isto porque, o petróleo e seus derivados são usados ??para atender uma demanda interna crescente, que aumenta em cerca de 8% ao ano (nesta taxa o consumo dobra em menos de 10 anos e quadruplica em menos de 20 anos), para sustentar o maior consumo populacional per capita do mundo, inclusive superando as nações mais industrializadas. Para a Bloomberg, a solução parcial deveria ser a retirada dos subsídios que mantêm a energia muito barata e o desperdício muito alto. Se o consumo de combustíveis fósseis se multiplicar por 4 nos próximos 20 anos e a produção cair, a Arábia Saudita vai enfrentar grandes dificuldades. O mundo industrializado também sofrerá com a escassez de petróleo disponível.


O fim das receitas de exportação geraria um caos social na Arábia Saudita e tenderia a espalhar as manifestações populares e as divisões políticas na elite no poder. Segundo Immanuel Wallerstein: “O fato é que o regime saudita esconde poeira debaixo do tapete. A elite interna está mudando da chamada segunda geração, dos filhos de Ibn Saud (os poucos filhos sobreviventes estão bem idosos), para os netos. Eles são um grupo grande e inexperiente, que pode ajudar a derrubar a casa real devido à competição pelos espólios, que ainda são consideráveis”.

As ambições imperiais da Arábia Saudita são muito altas e infinitas, mas dependem de um combustível que não é renovável, finito e tende a chegar a um pico em breve, para depois iniciar o declínio. Não será fácil para a Arábia Saudita manter as suas cidades, seus enormes edifícios e o alto padrão de consumo importado, depois que houver a depleção dos seus campos de petróleo.

Referências:

Ayesha Daya and Dana El Baltaji. Saudi Arabia May Become Oil Importer by 2030, Citigroup Says. Sep 4, 2012

Immanuel Wallerstein. Saudi Arabia: Besieged and Fearful. Fernand Braudel Center, Binghamton University, Commentary No. 372, Mar. 1, 2014
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte:  http://www.ecodebate.com.br/2014/05/23/

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