terça-feira, 13 de maio de 2014

Rushdie afirma que literatura ajuda a entender a história

 
Com fala pausada, arrancando alternadamente risos e expressões de concordância da plateia, o escritor anglo-indiano Salman Rushdie fez ontem à noite um lúcido e comovente elogio da literatura. Conhecido em todo o mundo por ter sido alvo de uma sentença de morte proferida por radicais islâmicos nos anos 1980, fez a palestra de abertura do Fronteiras do Pensamento no Salão de Atos da UFRGS.

Bem-humorado, Rushdie não demorou a obter já nas primeiras frases a cumplicidade da audiência ao prometer que, apesar de estar no palco, não cantaria:

– Fui convidado certa vez para subir ao palco em um show do U2, e meu filho, então adolescente, me pediu: “Pai, não cante, senão vou ter que me matar”.

O tema que Rushdie havia preparado para a conferência era bastante sério, embora sua condução da palestra tenha obtido outras gargalhadas ao longo da noite. Rushdie detalhou a importância da literatura em uma realidade na qual os eventos históricos têm tanto impacto na vida de todos.

– O espaço entre eventos históricos e vida privada encolheu. No tempo de Jane Austen, a Inglaterra estava engajada em um conflito contra Napoleão. E isso não aparece nos livros. O exército até aparece, mas vestindo uniformes galantes e frequentando bailes. Aquele mundo privado que ela retrata estava tão distante dos grandes eventos da história que ela não precisava mencioná-los, os assuntos públicos, porque não impactavam a vida dos personagens sobre os quais ela estava escrevendo. Hoje não é assim.

Rushdie reforçou que a literatura, embora não tenha a rapidez do noticiário cada vez mais presente, apresenta algo com uma profundidade que as notícias não alcançam: a experiência vivida do mundo.

– Como é a realidade do Afeganistão, da Coreia do Norte? O romance é capaz de responder perguntas como essas, que permaneceriam um mistério se só acompanhássemos as notícias.

AMEAÇA DE MORTE É PARTE DO TRABALHO

O escritor relatou a história de alguns de seus livros, o que pensou ao escrevê-los e como – desde os primeiros, e não apenas em Os Versos Satânicos –, houve rea- ções indignadas de autoridades apegadas a histórias oficiais:

– Em Os Filhos da Meia-Noite, mencionei a guerra de libertação de Bangladesh, na qual o exército do Paquistão matou grande número de pessoas. E depois, governantes civis e militares negaram esses crimes, embora as pessoas ainda se lembrassem dele. Desse modo, o simples ato, por parte daqueles que lembravam daquilo, se tornou político.

O escritor, portanto, é aquele que corre o risco de lembrar. E de acordo com Rushdie, fechando o círculo que retorna à ameaça de morte que sofre, esse risco “é parte do trabalho”.

O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado pela Braskem e tem patrocínio de Unimed Porto Alegre, Gerdau e Hospital Mãe de Deus. Parceria acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e parceria cultural de Natura, PUCRS e Celulose Riograndense. Promoção Grupo RBS.
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Fonte: ZH online, 13/05/2014

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