Juremir Machado da Silva*
Fuga de Elba
Tanta coisa importante acontecendo e eu preocupado com Napoleão. Sou
assim. Nem sempre estou sintonizado com o presente. Vivo numa bruma do
passado. Tem dias que me sinto em 1789 na pele de um sans-culotte. Um
sem-calça. Certamente eu teria perdido a cabeça numa época dessas.
Napoleão chegou em Elba no dia 4 de maio de 1814, há 200 anos. Era para
ser uma prisão? Não exatamente. Digamos, na falta de melhor, um local de
exílio involuntário. Será que José Dirceu, confinado na Papuda, pensa
em Napoleão? Elba é uma ilha da Toscana. Está a 20 quilômetros da costa.
Os privilégios de Napoleão deveriam ser bem maiores do que os
atribuídos a José Dirceu: uma pensão de dois mil francos e uma guarda
pessoal de 400 homens devidamente armados.
Acontece que a França da época tinha alguma semelhança com o Brasil
de hoje. Nem tudo funcionava bem. Ficava muita coisa incompleta por lá
assim como a Copa do Mundo verá muita obra não terminada por aqui.
Napoleão não gostou do que viu. A sua pensão não foi paga. Não que o
ministério público da época tenha tentado cancelar o benefício. O corso
tomou simplesmente um calote. Mas não ficou muito tempo no lugar. Se
Dirceu foi condenado ao semiaberto e amarga o regime fechado por falta
de autorização para trabalhar fora, Napoleão, que saqueou vários países,
resolveu, nos 300 dias que passou fora do poder, modernizar Elba. Usou
seus fundos secretos?
Mandou abrir estradas, acelerou a economia e urbanizou quase tudo.
Como Dirceu, Napoleão recebia muitas visitas. Aparecia gente para lhe
pedir empregos, espiões, políticos extraviados, assassinos em potencial
e uma infinidade de bajuladores. Em 26 de fevereiro de 1815, entediado e
saudoso do poder, longe da mulher e do filho, abandonou a ilha e voltou
para a França no peito e na raça. Reassumiu o trono. Duraria pouco.
Apenas cem dias. O que faria José Dirceu se tivesse mais cem dias de
poder? Há “pequenas” diferenças entre José Dirceu e Napoleão Bonaparte.
Zé não escolheu a Papuda. Bonaparte, ao contrário, obrigado a se afastar
do poder, optou por passar uma temporadas de “férias” em meio às águas
cristalinas da ilha de Elba.
Se puder, Dirceu modernizará a Papuda. Dizem que já botou micro-ondas
na sua cela. Quem sabe não faz a tão necessária reforma do sistema
prisional brasileiro? Depois da volta de Napoleão, os seus adversários,
liderados pelos ingleses, decidiram que era preciso declará-lo fora da
lei e mandá-lo para bem longe. Escolheram Santa Helena, no meio do
Atlântico, para que não exercesse sua influência nem recebesse visitas
todo dia. Deveria Joaquim Barbosa fazer o mesmo com José Dirceu? A
Papuda seria nossa Elba sem água cristalina?
Durante os dez anos de reinado de Napoleão, parte da França sonhou
com a restauração do regime dos Bourbon. Luís XVIII, “o desejado”,
assumiu para reinstalar os privilégios da nobreza. Mesmo em Santa
Helena, Napoleão continuaria assustando seus inimigos. Morreu em 1821.
Uma corrente sustenta que ele foi envenenado.
Qual a relação entre José Dirceu e Napoleão? Nenhuma. Claro. Puro delírio.
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* Sociólogo. Jornalista. Escritor. Cronista do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo online, 09/05/2014
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