sexta-feira, 9 de maio de 2014

Napoleão e José Dirceu no exílio

Juremir Machado da Silva*

Fuga de Elba

Tanta coisa importante acontecendo e eu preocupado com Napoleão. Sou assim. Nem sempre estou sintonizado com o presente. Vivo numa bruma do passado. Tem dias que me sinto em 1789 na pele de um sans-culotte. Um sem-calça. Certamente eu teria perdido a cabeça numa época dessas. Napoleão chegou em Elba no dia 4 de maio de 1814, há 200 anos. Era para ser uma prisão? Não exatamente. Digamos, na falta de melhor, um local de exílio involuntário. Será que José Dirceu, confinado na Papuda, pensa em Napoleão? Elba é uma ilha da Toscana. Está a 20 quilômetros da costa.

Os privilégios de Napoleão deveriam ser bem maiores do que os atribuídos a José Dirceu: uma pensão de dois mil francos e uma guarda pessoal de 400 homens devidamente armados.

Acontece que a França da época tinha alguma semelhança com o Brasil de hoje. Nem tudo funcionava bem. Ficava muita coisa incompleta por lá assim como a Copa do Mundo verá muita obra não terminada por aqui. Napoleão não gostou do que viu. A sua pensão não foi paga. Não que o ministério público da época tenha tentado cancelar o benefício. O corso tomou simplesmente um calote. Mas não ficou muito tempo no lugar. Se Dirceu foi condenado ao semiaberto e amarga o regime fechado por falta de autorização para trabalhar fora, Napoleão, que saqueou vários países, resolveu, nos 300 dias que passou fora do poder, modernizar Elba. Usou seus fundos secretos?
Mandou abrir estradas, acelerou a economia e urbanizou quase tudo.

Como Dirceu, Napoleão recebia muitas visitas. Aparecia gente para lhe pedir empregos, espiões, políticos extraviados, assassinos em potencial e uma infinidade de bajuladores. Em 26 de fevereiro de 1815, entediado e saudoso do poder, longe da mulher e do filho, abandonou a ilha e voltou para a França no peito e na raça. Reassumiu o trono. Duraria pouco. Apenas cem dias. O que faria José Dirceu se tivesse mais cem dias de poder? Há “pequenas” diferenças entre José Dirceu e Napoleão Bonaparte. Zé não escolheu a Papuda. Bonaparte, ao contrário, obrigado a se afastar do poder, optou por passar uma temporadas de “férias” em meio às águas cristalinas da ilha de Elba.

Se puder, Dirceu modernizará a Papuda. Dizem que já botou micro-ondas na sua cela. Quem sabe não faz a tão necessária reforma do sistema prisional brasileiro? Depois da volta de Napoleão, os seus adversários, liderados pelos ingleses, decidiram que era preciso declará-lo fora da lei e mandá-lo para bem longe. Escolheram Santa Helena, no meio do Atlântico, para que não exercesse sua influência nem recebesse visitas todo dia. Deveria Joaquim Barbosa fazer o mesmo com José Dirceu? A Papuda seria nossa Elba sem água cristalina?

Durante os dez anos de reinado de Napoleão, parte da França sonhou com a restauração do regime dos Bourbon. Luís XVIII, “o desejado”, assumiu para reinstalar os privilégios da nobreza. Mesmo em Santa Helena, Napoleão continuaria assustando seus inimigos. Morreu em 1821. Uma corrente sustenta que ele foi envenenado.

Qual a relação entre José Dirceu e Napoleão? Nenhuma. Claro. Puro delírio.
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* Sociólogo. Jornalista. Escritor. Cronista do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo online, 09/05/2014
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