Carta do I Encontro dos/das Atingidos/as
– Quem perde com os Megaeventos
e Megaempreendimentos
Reunidos
em Belo Horizonte no "I Encontro dos(as) Atingidos(as) – Quem perde com os
Megaeventos e Megaempreendimentos”, de 1 a 3 de maio de 2014, constatamos que
as violações geradas a partir dos megaprojetos e da saga privatista é comum em
todas as cidades-sede da Copa 2014. Afirmamos que a Copa e as Olimpíadas estão
a serviço de um modelo de país e de mundo que não atende aos interesses gerais
do povo trabalhador e dos setores oprimidos pelo sistema capitalista. A Lei
Geral da Copa, inconstitucional e autoritária, escancara que o Estado funciona
a serviço das corporações e das empreiteiras. Abaixo expressamos algumas
dimensões do sofrimento do nosso povo, potencializados pelos megaeventos como a
Copa e as Olimpíadas.
Moradia
A Copa
intensificou aumento dos despejos e remoções violentas nas cidades brasileiras.
Duzentos e cinquenta mil pessoas com suas famílias estão sendo desestruturadas,
levadas para longe de seus lugares de origem, causando impactos na saúde, na
educação, no transporte público, além da violência física e psicológica. Tem
gente com depressão, se endividando, esperando por soluções que nunca chegam.
São vítimas da especulação imobiliária que expulsa os pobres das áreas do seu
interesse.
Histórias
semelhantes de violências contra populações ocorrem em todo o território
brasileiro. Não pedimos essa Copa da Fifa. Mais do que barrar a Copa, queremos
barrar os despejos e remoções no Brasil. Nossa luta é antes, durante e depois
da Copa, para que nenhuma família brasileira sofra a violência e humilhação de
um despejo ou remoção forçada. Decidimos sair deste encontro com uma grande
união para barrar os despejos e remoções no Brasil. Sairemos juntos daqui numa
articulação permanente, e assim estaremos mais fortes. Por um Brasil sem
despejos! Brasil sem remoção! Respeito ao cidadão!
Trabalhadores
e trabalhadoras ambulantes, catadores e da construção civil
Defendemos
e valorizamos os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras ambulantes vítimas
das arbitrariedades da Fifa e do governo, como a imposição da Lei Geral da Copa
que proíbe o comércio de produtos nas proximidades dos estádios. Enfrentamos a
repressão por parte das prefeituras municipais que estão "higienizando” as
cidades licitando para que grandes empresas controlem as ruas. A Lei Geral da
Copa estabelece zonas de exclusão de 2 quilômetros no entorno das áreas da
Fifa, estádios e áreas oficiais de torcedores com telões, onde apenas os
patrocinadores oficiais poderão comercializar. É necessário fortalecer canais
de comunicação para denunciar os casos de impedimento de trabalho e violações
ao direito dos ambulantes. Também propomos um boicote aos patrocinadores da
Copa, em solidariedade aos ambulantes.
Denunciamos
também que as prefeituras tem dificultado o trabalho de catadores e catadoras
de resíduos sólidos nas cidades-sede da Copa. Na construção civil a velocidade
da execução das obras produziu 8 mortes nas arenas da Copa e mais 3 em outros
estádios, e uma infinidade de acidentes graves. Exigimos que se intensifique o
controle sobre a segurança dos operários nos canteiros de obra e a garantia
plena de seus direitos trabalhistas, como o direito à greve.
Comunicação
e Cultura
A
comunicação é um direito humano, desrespeitado pela mídia hegemônica e pelo
Estado. O oligopólio dos meios de comunicação invisibiliza e tenta calar as
lutas populares. Os mesmos que detêm o poder político e econômico, utilizam a
mídia para fomentar uma sociedade mercantilizada, excludente, cheia de
preconceitos e opressões. Reforçando o extermínio da população negra com a criminalização
da pobreza e a esteriotipação da mesma. Enquanto as reais consequências da Copa
da Fifa no Brasil são ocultadas.
Reivindicamos
a democratização dos meios de comunicação, a partir da revisão do marco
regulatório da mídia, incluindo uma revisão da atual regulação das rádios
comunitárias para que de fato a comunicação seja um direito humano, que
vocalize a realidade do povo brasileiro e que seja diversa, popular e
emancipadora. Defendemos o respeito aos midiativistas e à imprensa popular e
independente.
Mulheres
As
violações históricas sofridas pelas mulheres são acirradas com a Copa.
Denunciamos o aumento da exploração sexual e do tráfico de mulheres, o
acirramento da mercantilização do corpo feminino - exposto como disponível em
diversas campanhas publicitárias, como a da Adidas, tornando-as mais
vulneráveis a estupros e assédios de diversas ordens. Atingindo
majoritariamente à mulher negra, através da precarização do trabalho e
estereótipos mantidos pela mídia e todos os aparatos institucionais.
Pessoas em
situação de prostituição também são alvo da violência do Estado, que se
intensifica no período da Copa do Mundo com a higienização forçada das ruas,
principalmente nas cidades-sede. Ademais, as experiências das Copas da África
do Sul e da Alemanha demonstram que os megaeventos mercantilizam as vidas e os
corpos das mulheres. O Brasil não pode fazer parte da rota! As mulheres
trabalhadoras continuam a ser exploradas e mesmo nas falas críticas às péssimas
condições de trabalho, as companheiras são invisibilizadas. Continuaremos na
luta por melhores serviços públicos e equipamentos urbanos de qualidade –
políticas universais de mobilidade, saúde, moradia e educação são pautas
feministas e merecem total atenção.
Diversidade
Sexual
Pretendemos
também estreitar os laços com os movimentos LGBTT, para somar espaços na luta
pelo respeito à diversidade sexual antes, durante e depois da Copa.
Desmilitarização
A
repressão do Estado às manifestações populares que questionaram a Copa
intensificou o caráter de militarização da segurança pública pautada na
identificação dos movimentos sociais como "inimigos internos”. Isto contribuiu
também para dar mais força ao processo histórico de extermínio da juventude
negra e da periferia pela polícia. A juventude deve ser respeitados em seu
direito a se manifestar. O Brasil está vivendo uma escalada autoritária, onde
governo e Congresso buscam criminalizar movimentos sociais. Devemos promover
lutas contra as leis antiterrorista e antimanifestações. Defender a anistia dos
processados e uma Campanha Nacional pela desmilitarização da Polícia Militar e
desarmamento das Guardas Municipais.
O povo
palestino foi atingido diretamente pela Copa do Mundo no Brasil, uma vez que há
um fluxo importante de financiamento saídos dos cofres públicos para o complexo
industrial-militar israelense, sustentando a política do genocídio e o
apartheid contra os palestinos.
Comunidades
Tradicionais
Entendemos
que as injustiças aplicadas aos povos originários e tradicionais se agravam com
os megaeventos. O projeto de desenvolvimento trazido com esses eventos impede a
demarcação e titulação de nossas terras. O número de lideranças das comunidades
tradicionais que estão sendo exterminadas e a intensificação dos conflitos
entre indígenas e ruralistas são exemplos disso. A mesma situação enfrenta
os/as pescadores/as de áreas extrativistas de pesca que perdem seus territórios
de vida ameaçados pela especulação imobiliárias, hotéis, construção de portos,
etc.
Vivemos
hoje um contexto urbano, onde as lutas das cidades ganham muito mais pauta, mas
entendemos que a mesma força que tira o direito à moradia é a que não deixa
demarcar os territórios. Repudiamos a PEC 215/00 e outros mecanismos que visam
impedir novas demarcações e titulações e abrem precedente para a revisão dos
territórios já legalizados. Para enfrentar esta violência, os povos se
organizam em mobilização nacional como forma de resistência, numa agenda de
luta conjunta que culminará no Encontro Nacional Indígena e Quilombola, entre
25 e 29 de maio, em Brasília. Pela soberania dos povos aos territórios!
Megaeventos
e a financeirização da Natureza
A Copa de
2014 está sendo apresentada como copa sustentável, gol verde, parques da copa,
copa orgânica, carbono zero, enfim, uma maquiagem verde que busca invisibilizar
as violações de direitos, colocando a compensação como fato consumado e
validando a economia verde e a mercantilização da natureza como mais uma falsa
solução. Haja visto a quantidade de árvores que estão cortadas nas cidades da
Copa, defendemos a campanha "Quantas copas por uma Copa? Nem mais uma árvore
cortada!”
Crianças e
adolescentes
Crianças e
adolescentes estarão em situação de extrema vulnerabilidade durante a Copa em
virtude das férias escolares, associadas à ausência de políticas públicas.
Destaca-se a desvirtuação do papel do esporte, que passa por um duplo processo
de elitização. Primeiro, como mercadoria pouco acessível, com ingressos e
produtos caros. Segundo, como prática restrita a espaços privados e a setores
privilegiados da sociedade. Neste contexto, as grandes máfias da exploração e
do tráfico de pessoas poderão atuar com muita facilidade. É necessário e
urgente criar campanhas de combate à exploração sexual e ao tráfico de pessoas
nas escolas da rede pública, rede hoteleira, proximidades dos estádios e nas
regiões turísticas. Deve ser incluída a capacitação dos profissionais do
turismo e da rede hoteleira, o fortalecimento e ampliação das políticas de
promoção dos direitos das mulheres e crianças e adolescentes. Não à redução da
idade penal.
Mobilidade
Urbana
Diante do
cenário de modelo mercadológico de gestão da cidade, é fundamental reconhecer a
bandeira da Tarifa Zero e da PEC 90 (transporte como direito social) como
passos para se criar condições para efetivação do direito à cidade e da
participação popular na gestão das cidades. Combatemos o modelo de mobilidade
urbana que privilegia o transporte rodoviário em detrimento do transporte de
massa, ciclovias, etc. Combatemos também a privatização das cidades e de seus
espações públicos como praças, ruas, etc.
População
de Rua
A
organização da Copa do Mundo tem uma política social para a população de rua:
abandono das políticas integradas, fechamento de equipamentos de assistência
social (albergues e abrigos) e o aumento da violência e repressão das forças da
segurança pública (Guarda Civil, Polícia Militar, etc.). O intuito é expulsar e
coibir a população de rua das regiões centrais das cidades-sede da Copa do
Mundo, gerando clima de insegurança e medo do que pode ocorrer antes, durante e
depois dos jogos. Pelo fim do recolhimento e internação compulsórios.
Copa das
Mobilizações
Diante de
todo este cenário de violações e demandas concretas das comunidades e
populações atingidas, é necessário fazer desta a Copa das Mobilizações. Não
queremos a violência do Estado, mas a garantia e o fortalecimento dos direitos.
Estar nas ruas durante a Copa do Mundo é um ato de fortalecimento da democracia
e de avanço de um novo modelo de país que avance na participação direta do povo
e na construção de políticas públicas efetivas em favor da justiça e igualdade
social. Conclamamos a população a fazer desta a Copa das Mobilizações,
mostrando ao mundo a força e a alegria do povo brasileiro em luta!
"Copa sem povo! Tô na rua de novo!”
Só a luta transforma!! #copapraquem
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Carta final do "Encontro dos Atingidos - Quem Perde com os Megaeventos e Megaempreendimentos?”, organizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), que aconteceu entre 1 e 3 de maio, em Belo Horizonte (MG).
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