Bispo emérito de Duque de Caxias (RJ) está em São Leopoldo para participar de debate sobre nutrição
Bispo emérito de Duque de Caxias (RJ) e presidente do Conselho de
Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, dom
Mauro Morelli está em São Leopoldo para participar de debate sobre nutrição.
Reconhecido por sua luta contra a fome e a miséria, o religioso avalia
que a batalha contra esses problemas passa por uma "mudança no conceito
de desenvolvimento".
O 15º Simpósio Internacional Alimento e Nutrição ocorre na
Unisinos e termina nesta quinta-feira. O objetivo do evento é reforçar o
compromisso com a erradicação da fome, primeiro dos oito Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU).
O planeta produz o suficiente para alimentar todos? Por que 1 bilhão ainda passa fome?
Em alguns lugares, há problema de produção, mas, em muitos outros, o
problema está no acesso. Esse é um desafio muito grande. O que
trabalhamos é o direito como fundamento. Não é porque tenho pena de
criança com fome. Tenho vergonha. A criança privada do alimento fica
mirrada, não se desenvolve, a humanidade dela foi negada e a minha foi
atingida. Você não pode ser movido pela compaixão. Você não deve tratar a
alimentação como questão de caridade ou de assistência social. Ela é um
direito inalienável do ser humano.
Como erradicar a fome?
Com uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento. Sem isso,
estamos trabalhando com um conceito de desenvolvimento que degrada o
ambiente e acumula riqueza. Há uma cultura do desperdício muito grande.
Tudo é descartável. Com esse tipo de lógica, não temos como equacionar o
problema da pobreza nem da fome. Temos de mudar nossos paradigmas,
nossos conceitos de desenvolvimento, investindo em questões fundamentais
como educação, alimentação e nutrição.
Por que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de grãos e, ainda assim, milhões não têm o que comer?
Porque se produz para o mercado externo, para a criação de animais
fora daqui. Temos um mercado interno fabuloso. Se garantíssemos a esse
mercado o acesso a alimento saudável e adequado, nosso povo seria mais
inteligente. Uma criança fica atrofiada se não for devidamente gestada,
alimentada, desenvolvida. Democracia não se faz com famintos. O que é a
democracia? É participação. Em torno da mesa, vejo a expressão mais
bonita da democracia. Você vê um pacto social de um grupo, uma família,
em que se coloca sobre a mesa tudo em comum, e todos, igualmente, têm
direito àquilo. Você cresce nas relações de humanidade em torno de uma
mesa.
Como o senhor avalia a qualidade do alimento que se consome hoje no Brasil?
Não sei quem tem certeza se o que come dá vida ou traz morte. Você
come um tomate e não sabe se é tomate ou se é veneno. Não basta
alimento. É preciso alimento e nutrição. O alimento tem de ter aquela
composição de sais minerais e outros nutrientes que são fundamentais
para a minha saúde. Muita gente tem comida hoje. Há medidas
assistenciais que possibilitam adquirir comida, mas cresce a obesidade.
Isso é grave. As pessoas comem aquilo que engorda, mas não nutre.
Quais as consequências da concentração na produção de determinados produtos?
Você extingue a riqueza que a natureza dá, porque, para ganhar mais,
concentra em poucos produtos. Enquanto o alimento for convertido em
mercadoria e moeda, vai haver miséria e fome.
O que o senhor acha do uso massivo de agrotóxicos?
Não são necessários. Várias correntes trabalham com permacultura
(agricultura sustentável) e produção orgânica. Existe conhecimento que
nos permite produzir alimentos saudáveis sem esses produtos. Agora, se
você continua na base da monocultura, é impossível afastar os insetos.
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Reportagem por Marcelo Monteiro
Fonte: ZH online, 07/05/2014
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