Eu, seguidor número 4328 do guru Manuel Fonseca (o número é para
dar uma ideia da grandiosidade multitudinária dos seus
apaniguados) venho, sem mandato nem procuração, contrariar Rui
Esteves Costa o qual, do meu ponto de vista muito erradamente
entendeu o post do nosso Manuel.
Afirma Rui Esteves Costa que o mundo está mais infeliz do que
nunca. E fornece dados verídicos sobre ansiolíticos e
suicídios, atribuindo as causas desses tormentos à
Globalização. Mas Rui parte de um erro comum: o de considerar o
bem último da humanidade a procura da felicidade.
Nada mais falso, caro Rui.
O bem último da humanidade é a procura da verdade, da luz, da
origem, da fonte. Se essa procura traz ou não felicidade, eis algo
que não seremos capazes de responder. Um selvagem é mais feliz que
um doutorado em física? Provavelmente. Mas isso não significa
que os doutoramentos em física produzam infelicidade. Apenas
quer dizer que um selvagem fica feliz por ter comida e um bom leito de
folhas para dormir e que um doutorado em Física fica infeliz se não
perceber porque não são unificáveis as teorias do
infinitamente grande e do infinitamente pequeno, ou seja, como não
se chega à “grande unificação”; ou porque perdeu os óculos; ou
porque a mulher o trocou pelo professor de ténis.
A procura da verdade é algo que começa quando o Homem (acho que
agora é preciso dizer também a Mulher) deixa de ter como únicas
preocupações as necessidades básicas. Nesse momento, que deve
ter nascido – pensa-se – ainda antes da sedentarização, como se vê
por alguma arte rupestre, ganha-se tempo para a especulação. A
agricultura, da mãe Ceres, reforça esse tempo livre e com ele nasce a
Filosofia, de onde vêm todos os conhecimentos e ciências, certos e
errados, alguns dos quais nos levam à depressão e ao suicídio e à
errada ideia – como, aí sim, bem salienta Rui – de que os bens
materiais são o equivalente da felicidade.
De qualquer modo, o homem é globalmente mais bem apetrechado,
está melhor. O meu guru Manuel nunca disse que estava mais feliz, nem
tinha que dizer. Claro que se pode contra-argumentar com diversos
males, desde o nemátodo do pinheiro ao aquecimento global para dizer
que há coisas más. Mas certos exemplos, como a queda da
natalidade, apenas acontecem na Europa, que é um poucachinho e
não todo o mundo). Isto talvez seja porque na Europa, sobretudo, e no
Ocidente se perdeu Deus, a sua busca e com ela se perdeu a procura
do bem, do transcendente, da verdade, da luz, da fonte, da origem.
Adora-se o bezerro de ouro. Mas isso, caro Rui e guru Manuel, não é
culpa da globalização, é um efeito colateral do pensamento.
Quando se faz uma coisa, pode-se fazê-la bem ou mal. Quando se pensa,
pode-se pensar bem ou mal. O mérito do mundo não está na felicidade
que cada um sente – algo imensurável e menos ainda socializável –
mas no caminho da procura.
E hoje, com menos pobres, mais educação, mais democracia, menos
violência, mais esperança de vida e menos miséria e fome, cada um de
nós está mais apetrechado para a busca. Mas, como é claro, só a faz
quem a quiser fazer.
E quem a quer fazer fá-la mesma. E fala por si, não pelos outros.
Boas notícias e muita felicidade com pedido de publicação
Este texto do meu Triste Manuel S. Fonseca, levou um dos autores da sua editora, o Rui Esteves Costa, a responder-lhe, solicitando ao Escrever é Triste a publicação. Encargo a que esta vossa Tia se entrega com pundonor. Ora leiam.
As Causas da Infelicidade
de Rui Esteves Costa
Caro Manuel S. Fonsecade Rui Esteves Costa
Saúdo o seu texto, como sempre, excelentemente bem escrito e original no pensamento que traduz.
Com efeito tudo o que nos descreve é
factual e objectivamente não sujeito a contraditório: a taxa de
analfabetismo baixou drasticamente bem como a miséria no mundo, a
fome está a caminho de ser erradicada, diminui a violência, o
mundo tem mais democracias e está em franco crescimento económico.
No entanto quanto à conclusão do seu raciocínio já discordo e de forma profunda.
Com efeito refere no seu penúltimo
parágrafo “ a verdade é que o mundo está melhor e, sobretudo, tem
expectativas de ficar ainda melhor” salientando isso como uma
“etapa do capitalismo a que se chama globalização”.
O pensamento é bom, o caminho
igualmente mas a síntese é errada. Na minha modesta sabedoria
apresento-lhe outra conclusão:
- O mundo está mais infeliz do que nunca!
Se o bem último da humanidade é a
procura da felicidade então estamos cada vez mais arredados do
nosso propósito na terra. Não caminhamos, definitivamente, para
melhorar a nossa estadia neste maravilhoso planeta azul.
Também lhe posso indicar
estatísticas que comprovam o que lhe digo: o número de suicídios
no mundo aumentou drasticamente (cerca de 60%) e não é só na
terceira idade — entre os 15 e os 35 anos cresceu
exponencialmente; o consumo de ansiolíticos tem aumentado
progressivamente, bem como as doenças depressivas. Ou seja cada
vez mais há seres humanos a desistir da sua vida no mundo e aumentou o
número dos que necessitam de paliativos para tornar a sua
existência minimamente suportável. E não será que a baixa da taxa
de natalidade é proporcional à falta de esperança num mundo
melhor?
Basta estarmos atentos “vemos,
ouvimos e lemos não podemos ignorar” para verificarmos que as
pessoas vivem enfadadas, incomodadas, fartas daquilo que as
rodeia. Onde está a alegria, os sorrisos, a esperança, a
solidariedade, o sal da vida, o móbil que faz o ser humano caminhar?
Atribuo isso à globalização que, para si, conclui ser etapa do capitalismo para um mundo melhor.
A busca de um bem-estar superior, aos
olhos do mundo ocidental (mas cada vez mais globalizado) é o de uma
felicidade efémera baseada em pressupostos materiais. O que
torna as pessoas escravas, não no sentido da exploração física do
homem pelo homem mas de exploração económica: o ser humano como um
número para um ratio qualquer. A fuga ao essencial “invisível aos
olhos do homem” como disse o principezinho de Exupéry está a
levar-nos a um descalabro humanitário. Precisamos de nova
gente, novos princípios, exemplos de carácter e fundamentos
existenciais, a filosofia de volta, um arrebatamento humano que
nos tire deste torpe viver. Respeitando o diferente, promovendo o
diferente, deixando as pequenas tradições dos povos em paz, a
grandeza está e estará sempre na riqueza das particularidades.
A globalização será um desastre se não se reinventar.
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Fonte: http://www.escreveretriste.com/
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