terça-feira, 6 de maio de 2014

Resposta a uma resposta sobre o mundo melhor

Henrique Monteiro

mundo
Eu, segui­dor número 4328 do guru Manuel Fon­seca (o número é para dar uma ideia da gran­di­o­si­dade mul­ti­tu­di­ná­ria dos seus apa­ni­gua­dos) venho, sem man­dato nem pro­cu­ra­ção, con­tra­riar Rui Este­ves Costa o qual, do meu ponto de vista muito erra­da­mente enten­deu o post do nosso Manuel.

Afirma Rui Este­ves Costa que o mundo está mais infe­liz do que nunca. E for­nece dados verí­di­cos sobre ansi­o­lí­ti­cos e sui­cí­dios, atri­buindo as cau­sas des­ses tor­men­tos à Glo­ba­li­za­ção. Mas Rui parte de um erro comum: o de con­si­de­rar o bem último da huma­ni­dade a pro­cura da felicidade.
Nada mais falso, caro Rui.

O bem último da huma­ni­dade é a pro­cura da ver­dade, da luz, da ori­gem, da fonte. Se essa pro­cura traz ou não feli­ci­dade, eis algo que não sere­mos capa­zes de res­pon­der. Um sel­va­gem é mais feliz que um dou­to­rado em física? Pro­va­vel­mente. Mas isso não sig­ni­fica que os dou­to­ra­men­tos em física pro­du­zam infe­li­ci­dade. Ape­nas quer dizer que um sel­va­gem fica feliz por ter comida e um bom leito de folhas para dor­mir e que um dou­to­rado em Física fica infe­liz se não per­ce­ber por­que não são uni­fi­cá­veis as teo­rias do infi­ni­ta­mente grande e do infi­ni­ta­mente pequeno, ou seja, como não se chega à “grande uni­fi­ca­ção”; ou por­que per­deu os ócu­los; ou por­que a mulher o tro­cou pelo pro­fes­sor de ténis.

A pro­cura da ver­dade é algo que começa quando o Homem (acho que agora é pre­ciso dizer tam­bém a Mulher) deixa de ter como úni­cas pre­o­cu­pa­ções as neces­si­da­des bási­cas. Nesse momento, que deve ter nas­cido – pensa-se – ainda antes da seden­ta­ri­za­ção, como se vê por alguma arte rupes­tre, ganha-se tempo para a espe­cu­la­ção. A agri­cul­tura, da mãe Ceres, reforça esse tempo livre e com ele nasce a Filo­so­fia, de onde vêm todos os conhe­ci­men­tos e ciên­cias, cer­tos e erra­dos, alguns dos quais nos levam à depres­são e ao sui­cí­dio e à errada ideia – como, aí sim, bem sali­enta Rui – de que os bens mate­ri­ais são o equi­va­lente da felicidade.

De qual­quer modo, o homem é glo­bal­mente mais bem ape­tre­chado, está melhor. O meu guru Manuel nunca disse que estava mais feliz, nem tinha que dizer. Claro que se pode contra-argumentar com diver­sos males, desde o nemá­todo do pinheiro ao aque­ci­mento glo­bal para dizer que há coi­sas más. Mas cer­tos exem­plos, como a queda da nata­li­dade, ape­nas acon­te­cem na Europa, que é um pou­ca­chi­nho e não todo o mundo). Isto tal­vez seja por­que na Europa, sobre­tudo, e no Oci­dente se per­deu Deus, a sua busca e com ela se per­deu a pro­cura do bem, do trans­cen­dente, da ver­dade, da luz, da fonte, da ori­gem. Adora-se o bezerro de ouro. Mas isso, caro Rui e guru Manuel, não é culpa da glo­ba­li­za­ção, é um efeito cola­te­ral do pensamento.

Quando se faz uma coisa, pode-se fazê-la bem ou mal. Quando se pensa, pode-se pen­sar bem ou mal. O mérito do mundo não está na feli­ci­dade que cada um sente – algo imen­su­rá­vel e menos ainda soci­a­li­zá­vel – mas no cami­nho da procura.

E hoje, com menos pobres, mais edu­ca­ção, mais demo­cra­cia, menos vio­lên­cia, mais espe­rança de vida e menos misé­ria e fome, cada um de nós está mais ape­tre­chado para a busca. Mas, como é claro, só a faz quem a qui­ser fazer.

E quem a quer fazer fá-la mesma. E fala por si, não pelos outros.


Boas notícias e muita felicidade com pedido de publicação

Happiness
Este texto do meu Triste Manuel S. Fon­seca, levou um dos auto­res da sua edi­tora, o Rui Este­ves Costa, a responder-lhe, soli­ci­tando ao Escre­ver é Triste a publi­ca­ção. Encargo a que esta vossa Tia se entrega com pun­do­nor. Ora leiam.
As Cau­sas da Infe­li­ci­dade
de Rui Este­ves Costa
 Caro Manuel S. Fonseca

Saúdo o seu texto, como sem­pre, exce­len­te­mente bem escrito e ori­gi­nal no pen­sa­mento que traduz.
Com efeito tudo o que nos des­creve é fac­tual e objec­ti­va­mente não sujeito a con­tra­di­tó­rio: a taxa de anal­fa­be­tismo bai­xou dras­ti­ca­mente bem como a misé­ria no mundo, a fome está a cami­nho de ser erra­di­cada, dimi­nui a vio­lên­cia, o mundo tem mais demo­cra­cias e está em franco cres­ci­mento económico.

No entanto quanto à con­clu­são do seu raci­o­cí­nio já dis­cordo e de forma profunda.

Com efeito refere no seu penúl­timo pará­grafo “ a ver­dade é que o mundo está melhor e, sobre­tudo, tem expec­ta­ti­vas de ficar ainda melhor” sali­en­tando isso como uma “etapa do capi­ta­lismo a que se chama globalização”.

O pen­sa­mento é bom, o cami­nho igual­mente mas a sín­tese é errada. Na minha modesta sabe­do­ria apresento-lhe outra conclusão:

 - O mundo está mais infe­liz do que nunca!

Se o bem último da huma­ni­dade é a pro­cura da feli­ci­dade então esta­mos cada vez mais arre­da­dos do nosso pro­pó­sito na terra. Não cami­nha­mos, defi­ni­ti­va­mente, para melho­rar a nossa esta­dia neste mara­vi­lhoso pla­neta azul.

Tam­bém lhe posso indi­car esta­tís­ti­cas que com­pro­vam o que lhe digo: o número de sui­cí­dios no mundo aumen­tou dras­ti­ca­mente (cerca de 60%) e não é só na ter­ceira idade — entre os 15 e os 35 anos cres­ceu expo­nen­ci­al­mente; o con­sumo de ansi­o­lí­ti­cos tem aumen­tado pro­gres­si­va­mente, bem como as doen­ças depres­si­vas. Ou seja cada vez mais há seres huma­nos a desis­tir da sua vida no mundo e aumen­tou o número dos que neces­si­tam de pali­a­ti­vos para tor­nar a sua exis­tên­cia mini­ma­mente supor­tá­vel. E não será que a baixa da taxa de nata­li­dade é pro­por­ci­o­nal à falta de espe­rança num mundo melhor?

Basta estar­mos aten­tos “vemos, ouvi­mos e lemos não pode­mos igno­rar” para veri­fi­car­mos que as pes­soas vivem enfa­da­das, inco­mo­da­das, far­tas daquilo que as rodeia. Onde está a ale­gria, os sor­ri­sos, a espe­rança, a soli­da­ri­e­dade, o sal da vida, o móbil que faz o ser humano caminhar?

Atri­buo isso à glo­ba­li­za­ção que, para si, con­clui ser etapa do capi­ta­lismo para um mundo melhor.

A busca de um bem-estar supe­rior, aos olhos do mundo oci­den­tal (mas cada vez mais glo­ba­li­zado) é o de uma feli­ci­dade efé­mera base­ada em pres­su­pos­tos mate­ri­ais. O que torna as pes­soas escra­vas, não no sen­tido da explo­ra­ção física do homem pelo homem mas de explo­ra­ção eco­nó­mica: o ser humano como um número para um ratio qual­quer. A fuga ao essen­cial “invi­sí­vel aos olhos do homem” como disse o prin­ci­pe­zi­nho de Exu­péry está a levar-nos a um des­ca­la­bro huma­ni­tá­rio. Pre­ci­sa­mos de nova gente, novos prin­cí­pios, exem­plos de carác­ter e fun­da­men­tos exis­ten­ci­ais, a filo­so­fia de volta, um arre­ba­ta­mento humano que nos tire deste torpe viver. Res­pei­tando o dife­rente, pro­mo­vendo o dife­rente, dei­xando as peque­nas tra­di­ções dos povos em paz, a gran­deza está e estará sem­pre na riqueza das particularidades.

A glo­ba­li­za­ção será um desas­tre se não se reinventar.
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Fonte: http://www.escreveretriste.com/

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