quarta-feira, 15 de maio de 2013

A neurociênciA explica


Peter Whybrow*
 
Radicado nos estados unidos, o psiquiatra inglês Peter Whybrow, diretor do instituto Semel para neurociência e comportamento humano da universidade da Califórnia, em Los Angeles, é referência quando o assunto é depressão e distúrbios maníaco-depressivos. Ficou conhecido inicialmente por seus trabalhos sobre os efeitos de hormônios da tireoide no cérebro e no comportamento humano, mas passou a se dedicar à escrita de livros para o público geral. O último, American mania: when more is not enough (Mania americana: quando mais não é o bastante, ainda não traduzido no brasil), além de elogiado pela comunidade científica, foi considerado um dos mais notáveis de 2005 pelo jornal The New York Times.
Na obra, Whybrow mescla história, filosofia e neurociência para analisar como o modo de vida atual foi moldado pela forma como nosso cérebro funciona. ele acredita que o consumismo, a dedicação extrema ao trabalho e a dependência de aparelhos eletrônicos, entre outras tendências, são efeitos negativos da evolução humana que precisam mudar para garantir a sobrevivência da nossa espécie. em visita a curitiba para participar de um simpósio internacional de neurociência, o psiquiatra conversou com Ciência Hoje.
Ultimamente tem se falado muito nos benefícios da cetamina contra a depressão. o que o senhor acha dessa substância? Há evidências de que a injeção de cetamina por via intravenosa faz com que o paciente se sinta melhor mais rapidamente. Os medicamentos antidepressivos geralmente levam de duas a três semanas para começar a funcionar. A cetamina tem os mesmos efeitos químicos no cérebro, porém eles são obtidos de modo muito mais rápido. Ou seja, essa é uma intervenção de curto prazo. A cetamina é uma droga que merece ser investigada, mas não funciona no que diz respeito ao tratamento de longo prazo da depressão. É preciso entender que a depressão não é consequência apenas de mudanças químicas no cérebro.
A depressão é um problema sério hoje, em boa parte porque a vida se tornou muito estressante. 
A depressão não é um problema genético, mas um problema cultural
O que é exatamente a depressão? A alteração química é só uma parte do problema. A depressão é uma disfunção no lobo frontal, que é a parte mais, digamos, ‘humana’ do cérebro; e no sistema límbico, que é a parte emocional. Na depressão, a interação entre essas partes diminui. É como uma via interrompida em uma grande cidade; em consequência disso, todo o trânsito fica mais lento. O que os antidepressivos fazem é acelerar o fluxo de informações, mas, de fato, não atacam o problema fundamental, que pode ser resolvido com psicoterapia ou com mudanças de comportamento. A depressão é um problema sério hoje, em boa parte porque a vida se tornou muito estressante. A depressão não é um problema genético, mas um problema cultural.
Então o modo de vida atual, em que as pessoas estão cada vez mais atarefadas e dependentes de aparatos eletrônicos, tem alguma repercussão na incidência de casos de depressão? É difícil afirmar isso categoricamente. Mas há evidências de que uma exposição maior de crianças pequenas a meios eletrônicos, como televisão, internet e videogames, desenvolve mais o pensamento de curto prazo, o que traz problemas. Elas não são capazes de estudar bem, por exemplo, por ter momentos de atenção muito curtos para integrar as informações adequadamente. Um desafio para educadores é ajudar crianças e jovens a explorar a tecnologia da informação de modo crítico. Infelizmente, as novas tecnologias têm forte poder de sedução inclusive na sala de aula. Crianças e jovens usam laptops em sala, mas em geral os professores não orientam de modo adequado como usar as informações encontradas. Por outro lado, as novas tecnologias permitem obter informações que antes não estavam disponíveis. Acho que precisamos aprender a usar as novas ferramentas de modo útil e com senso crítico.
Por falar em educação, qual sua opinião sobre as chamadas drogas do futuro, que seriam ministradas não para tartar doenças, mas para tornar as pessoas mais inteligentes, por exemplo? Sou cético quanto a isso; não acho que existam drogas que aumentem a inteligência. Esse é outro problema da mentalidade de curto prazo: a ideia de que alguém pode se tornar um físico apenas tomando pílulas. Isso não existe. O que somos capazes de fazer é tornar camundongos de laboratório mais espertos, fazendo alterações genéticas. Eles passam a completar um labirinto mais rapidamente, por exemplo. Mas isso é diferente de melhorar a inteligência de alguém especificamente.
A ideia de administrar pílulas para que pessoas se tornem mais inteligentes fascina a população porque é uma solução de curto prazo. Fazer um gênio é bastante trabalhoso, e não se consegue issoo de uma hora para outra, por meio de uma solução milagrosa 
Mas se isso fosse possível, o senhor consideraria eticamente aceitável? Não acho que administrar drogas para as pessoas se tornarem mais inteligentes seja eticamente correto. Para mim, é o mesmo que pensar na ideia de que temos que tomar esteroides para ser bons jogadores de beisebol. Não há certeza de que seja útil em longo prazo – não sabemos quais são os efeitos colaterais. Provavelmente, o mais próximo que já chegamos disso é dar anfetaminas para crianças pequenas a fim de que elas melhorem a atenção de curto prazo. Mas há evidências de que isso não aumenta a concentração. A ideia de administrar pílulas para que pessoas se tornem mais inteligentes fascina a população porque, repito, é uma solução de curto prazo. Fazer um gênio é bastante trabalhoso, e não se consegue isso de uma hora para outra, por meio de uma solução milagrosa.
O que o senhor tem estudado ultimamente? Estou interessado na forma como a sociedade moderna cria suas pró
prias dificuldades, porque temos um cérebro modelado
 para se preocupar com circunstâncias imediatas. Estamos muito preocupados com o presente e nos esquece
mos de pensar no futuro. Muitos dos problemas que
 temos na cultura moderna, desde a obesidade e os vícios 
até a poluição ambiental, são consequência do fato de
 nos preocuparmos com o que está próximo e não pensarmos no que está num futuro mais distante. O curto
 prazo tende a se sobressair sobre o longo prazo. Em uma cultura devotada ao imediatismo, temos que aprender
a projetar o futuro; pensar que, se fazemos algo que nos satisfaz hoje, podemos ter problemas amanhã.
É normal pensar em soluções imediatas, e é por isso que aparelhos eletrônicos são tão atraentes: eles promovem estímulos imediatos. 
Essa atração resulta da atividade normal de nosso cérebro. A parte dele que pensa no futuro é minúscula
É disso que o senhor trata em seu último livro, American mania? Essencialmente sim. Mas falo também sobre o modo como a cultura americana tende a criar grandes expectativas que, no longo prazo, não se concretizam. Foi esse comportamento que ocasionou bolhas financeiras como a da internet e a imobiliária. De certa forma, o livro previu os problemas financeiros que tivemos em 2008. Agora estou escrevendo um novo livro, que deve ser lançado ainda este ano, sobre o que podemos fazer para evitar isso. Não é algo fácil.
Pode falar um pouco sobre esse novo livro? O título provisório é The intuitive mind: common sense for the common good [A mente intuitiva: senso comum para o bem comum]. Basicamente traça os problemas do presente com a pergunta de que eu falava anteriormente: estamos pensando no futuro? Se pudermos entender em detalhes a maneira como o cérebro funciona, talvez possamos lidar melhor com coisas que nos distraem, que parecem ser boas, mas que posteriormente se mostram ruins. Acredito que o primeiro passo é entendermos que esse é o comportamento natural do ser humano. É normal pensar em soluções imediatas, e é por isso que aparelhos eletrônicos são tão atraentes: eles promovem estímulos imediatos. Essa atração resulta da atividade normal de nosso cérebro. A parte dele que pensa no futuro é minúscula. Somos muito bons para pensar na solução de um quebra-cabeça, mas, quando somos atraídos por situações ou objetos que nos dis- persam, não conseguimos mais resolvê-lo.
Como mudar isso? Acho que é um processo demorado percebermos que temos que pensar no longo prazo e não no curto. Não que devamos abrir mão de aproveitar as vantagens da tecnologia, mas devemos aproveitá-las de um modo que não criemos problemas para o futuro. O progresso humano não pode ser apenas material, sob o risco de destruirmos rapidamente o planeta e nossa possibilidade de sobrevivência na Terra.
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* Psiquiatra inglês Fonte:  http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/303/pdf_aberto/entrevista303.pdf

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