A editora Paulus publicou em abril as "Cartas a
um amigo sobre a vida espiritual", sete pequenos livros com igual
número de meditações assinadas por Enzo Bianchi,
prior do Mosteiro de
Bose, em Itália.
A aventura interior e o empenhamento em favor da
justiça são alguns dos temas propostos pelo autor, de que o site do
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura já apresentou diversos
textos.
"Começa a caminhar" ("A aventura interior e a
oração"), "Abre o teu coração" ("A escuta"), "Aprende a viver bem o
tempo" ("Celebra o Dia do Senhor"), "Procura a vontade de Deus" ("O
discernimento"), "Resiste ao inimigo" ("A luta espiritual"), "Procura
os outros" ("A fraternidade e a esperança") e "Aprende o amor" ("A
caridade tudo vence") são os títulos dos sete volumes.
Começa a caminhar (vol. I)
Excertos
A realização de ti mesmo, daquela precisa imagem e
semelhança com Deus que cada um de nós é, não é algo de automático,
mas exige um trabalho. Trata-se de um trabalho interior, invisível mas
nem por isso menos fatigante que outros trabalhos; e muitas vezes é,
pelo contrário, muito mais fatigante e temível porque nos faz correr o
risco de colocar diante de nós a realidade que nem queremos ver nem
compreender.
Sim, a vida interior exige coragem. É como
iniciar uma viagem, não tanto em extensão quanto em profundidade, não
fora de ti mas dentro de ti. E a dificuldade que podes encontrar nos
inícios, perante a paisagem interior desconhecida, pode-te desencorajar
e revelar-te que talvez precisamente esta seja a viagem mais longa e
árdua, ainda que nunca te obrigue a percorrer um quilómetro.
Precisas de coragem não só para te interrogares,
mas também para te deixares interrogar ou assumires os eventos da vida
com perguntas que te são dirigidas: a doença que atingiu a vida de uma
pessoa querida, a morte repentina de um amigo, o casamento de um
conhecido, um nascimento que alegrou um casal amigo, e também os
eventos quotidianos, menos vistosos ou aparatosos, mas formando a trama
dos nossos dias...
Trata-se de vida ou de morte, de alegria ou de
sofrimento, que são sempre ocasiões para pensar e para refletir sobre o
que é verdadeiramente sério e importante na vida, portanto sobre
aquilo que se pode fazer para que a vida mereça ser vivida e sobre o
que pode dar sentido também à nossa vida.
Coragem: não temas; este trabalho espera por ti. (...)
O desejo de Deus colocado no coração do homem é
inextinguível. Santo Agostinho, como poeta que era, soube descrevê-lo
como poucos: «Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração anda
inquieto até que não repouse em Vós!» (...)
O clima atual faz de tudo para esvaziar esta
procura de Deus: o homem de hoje «encontra-se não apenas privado de
Deus mas também sem o homem» (Claude Geffré). Ele encontra-se perdido
na ausência de certezas, arrebatado por um absurdo caracterizado mais
pela multiplicação dos sentidos que pelo não-senso. Em tal contexto,
quer encontrar-se com Deus imediatamente, evadindo-se em práticas de
cura, reduzindo a oração a uma injunção: Deus deve satisfazer a
necessidade do homem. (...)
Mil coisas, talvez até boas em si mesmas, vêm
retirar a nossa atenção no Senhor e nos parecem ser mais importantes do
que aquele pouco tempo que gostaríamos de dedicar a escutar o Senhor e
a falar-Lhe face a face, como um amigo com o Seu amigo.
É a tentação mais quotidiana, talvez a mais
perigosa, porque parece salvaguardar um aspeto marginal da vida cristã:
no fundo, até te dás conta quando dizes, se não rezo agora posso
sempre rezar num outro momento, posso concentrar-me sobre a palavra de
Deus quando estiver mais tranquilo, após ter resolvido aquele problema
urgente... É uma tentação antiga, que todo o crente antes ou depois
conhece. (...)
Dietrich Bonhoeffer, preso numa cadeia de Berlim
pela Gestapo, afirmou: «O nosso ser cristãos hoje consistirá somente em
duas coisas: em orar e em atuar naquilo que pode ser considerado justo
pelos homens.» A vida cristã reduz-se a estes dois aspetos
inseparáveis: a oração e a ação justa entre os homens que nos seja
possível. (...)
Ouso dizer que o cume da [oração de] intercessão
não é constituído tanto por palavras sobre os outros dirigidas a Deus,
mas por uma vida que se põe perante Deus, na posição do crucificado,
com os braços estendidos. É bom de ver: existe uma estreita
reciprocidade entre a oração pelo outro e o amor ativo por ele.
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Enzo Bianchi
In Cartas a um amigo sobre a vida espiritual, ed. Paulus
Fonte:http://www.snpcultura.org/cartas_a_um_amigo_sobre_vida_espiritual.html 02.05.13
In Cartas a um amigo sobre a vida espiritual, ed. Paulus
Fonte:http://www.snpcultura.org/cartas_a_um_amigo_sobre_vida_espiritual.html 02.05.13
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