Mino Carta*
Joaquim Barbosa me surpreende, meus irônicos botões
pedem que não me apresse
Surpresa. Espanto, até, colheu-me no fim da
semana passada. Na sexta 3 de maio, ao participar de um evento sobre
liberdade de imprensa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Barbosa, herói da mídia nativa, voltou-se contra quem o elevou à glória
das páginas impressas. Não se deu por satisfeito: também condenou o
racismo reinante no Brasil, de várias formas e maneiras.
Em San José da Costa Rica, onde se
realizou o congresso promovido pela Unesco, ao longo de um discurso
pronunciado em inglês, o ministro Barbosa disse coisas que melhor
caberiam neste meu espaço semanal. Comentaram meus irônicos botões: “O
homem roubou-lhe a fala”. Segundo Barbosa, os três jornalões
brasileiros, Estadão, Folha e Globo, pecam pela “falta de pluralismo” e pela “fraca diversidade política e ideológica”.
Constatou o
óbvio ao registrar que esta imprensa alinha-se sistematicamente de um
lado só. A constatação não deixa, contudo, de ser audaciosa no seu
desafio à casa-grande e aos seus porta-vozes, tanto mais por cair da
boca do grão-mestre do julgamento do chamado “mensalão”. O qual não
hesita em acentuar que os três principais diários brasileiros
inclinam-se “para a direita no campo das ideias”.
As observações de Barbosa conduzem a uma
conclusão: se a mídia é reacionária, reacionário é o ataque diuturno e
concentrado contra quem governou o País nos últimos dez anos, Lula e
Dilma. Quanto ao racismo, revela-se nas próprias redações. Não há negros
em posições de liderança nos grupos de mídia, diz o magistrado,
tampouco têm presença nos vídeos e no papel. No Brasil mais de 50% da
população se compõe de negros e mulatos, “mas é como se não existissem
no mercado das ideias”.
O racismo ganha, porém, outras provas,
mais profundas e generalizadas, como se dá com o tratamento desigual
reservado pela Justiça a brancos e negros. “As pessoas são tratadas de
forma diferente – sublinha Barbosa –, de acordo com seu status, sua
fortuna e a cor da sua pele: isso tudo tem um papel enorme no sistema
judicial, especialmente em relação à impunidade.” De quem pode mais,
está claro.
Pergunto aos meus irreverentes botões
qual haverá de ser de agora em diante o comportamento reservado pela
mídia nativa ao presidente do STF. Retrucam com o estribilho de um
antigo e delicioso sambinha carnavalesco: “Sossega leão, sossega leão”.
Percebo o sarcasmo dos incrédulos, algo assim como a certeza de que este
mar não dá peixes.
Certo é que Barbosa já fez declarações similares em uma entrevista de tempos atrás a Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
Desta vez, no entanto, foi mais ao fundo do assunto e foi bem claro na
exposição diante de uma plateia internacional, a oferecer repercussão
mais vasta. Resta a derradeira consideração dos botões, soprada entre
dentes: “O ilustre prega bem, mas não parece agir em conformidade”.
Encaro-os, entre atônito e perplexo, logo peço explicações. Lembram que
Barbosa costuma ligar para o imortal Merval Pereira, uma das colunas
mestras de O Globo, como o próprio se apressou a informar seus
leitores, para oferecer pistas e esclarecimentos a respeito de temas
diversos. Merval não é personagem-símbolo do jornalista negro e de
esquerda.
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* Diretor de redação. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital e criou o Jornal da Tarde
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/autores/Mino-Carta 10/05/2013
Foto:
Nelson Jr./ SCO/ STF
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