sábado, 11 de maio de 2013

Mamãe, hoje eu consigo te amar

 Dercy Furtado*
Quando eu e meus cinco irmãos éramos pequenos, lá em Morungava, nossa mãe, Etelvina, era muito rígida. Várias vezes me bateu. Nos obrigava a rezar o terço todas as noites, o que, para mim, ainda uma criança, era uma tortura. A mim, particularmente, obrigava a dar discursos nos casamentos, aniversários e primeiras comunhões. É claro que a agressão não faz bem a ninguém, mas acho que eu soube tirar daqueles momentos algum proveito. Se eu não tivesse passado por tudo que passei, talvez não tivesse tido coragem de ser uma das primeiras mulheres a subir numa tribuna no Brasil. Talvez justamente o sofrimento me tenha feito lutar pelos mais humildes.

Em 1972, apresentei um projeto em Brasília, com apoio do deputado federal Nelson Marchezan, referente aos direitos trabalhistas das empregadas domésticas: salário mínimo, férias e 13º. Era um projeto viável, que foi aprovado. Lógico que, na época, as patroas não gostaram. Tive que tirar o número do meu telefone do guia de tantos xingamentos que ouvia. O planejamento familiar também foi outro projeto de minha autoria, na década de 1970, apresentado ao prefeito de Porto Alegre Telmo Thompson Flores. A proposta era de ter em todos os postos de saúde da cidade orientação às mulheres sobre métodos anticonceptivos. Sempre acreditei que devemos ter filhos por amor e deixar de tê-los por amor. O prefeito aprovou, mas na Câmara de Vereadores fui vencida pela oposição, que era maioria.

Minha mãe já morreu, mas talvez hoje ficasse orgulhosa por eu ter pensado nos direitos dos mais carentes. Os temas que eu tratava anos atrás, atualmente são defendidos por muitos, mas, mesmo que os mais jovens não saibam, eu sei que contribuí tendo coragem de plantar algumas sementes. Na véspera do dia das mães, eu penso: se não fossem os limites que minha mãe me deu e os “chatos” terços noturnos, talvez eu não tivesse ajudado tanta gente. Como fiquei feliz, por exemplo, quando nossa empregada, dona Eva, já idosa, se aposentou!

Por isso, refletindo, agora eu consigo dizer: obrigada, mamãe, pelas tuas orações, pela disciplina que me deste. Sei que foste muito rígida e que não sabias amar de outra forma. Entendo que foi esse o caminho que encontraste para fazer de mim uma pessoa que pensa nos outros. Obrigada, principalmente, por teres me apresentado a Jesus, o homem que disse: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. É esse o principal ensinamento que carrego comigo e é por isso que hoje eu consigo dizer: mamãe eu te amo.
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*Ex-deputada estadual
Fonte: ZH on line, 11/05/2013
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