Reinaldo José Lopes *
O tema do nosso post de hoje, o qual, misericordiosamente (para os
leitores, ao menos), será bem mais curto que os anteriores da série, são
as referências a Jesus em textos de autores pagãos que escreveram menos
de um século depois da morte do Nazareno. Tais referências são raras e
breves, mas nem de longe são inexistentes. Mais importante ainda, nenhum
historiador sério das últimas décadas se arrisca a dizer que elas são
invenções de copistas cristãos que viveram depois dos autores — em parte
porque o conteúdo desses textos costuma ser virulentamente anticristão.
TÁCITO
Cornélio Tácito (56 d.C.-118 d.C.) é o autor dos “Anais”, escritos no
começo do século 2º d.C. Ao falar do célebre incêndio de Roma,
supostamente causado de caso pensado pelo imperador Nero em 64 d.C.,
Tácito diz o seguinte.
“Assim, para fazer calar o rumor [de que ele tinha mandado colocar
fogo na cidade], Nero criou bodes expiatórios e expôs às torturas mais
refinadas aqueles que o povo chamava de cristãos, um grupo odiado por
seus crimes abomináveis. Seu nome deriva de Cristo, que, durante o
reinado de Tibério, tinha sido executado pelo procurador Pôncio Pilatos.
Sufocada por um tempo, a superstição mortal irrompeu novamente, não
apenas na Judeia, terra onde se originou esse mal, mas também na cidade
de Roma, onde todos os tipos de práticas horrendas e infames de todas as
partes do mundo se concentram e são fervorosamente cultivadas.”
Olha, se alguém me explicar convincentemente por que um cristão teria
a manha de forjar uma descrição tão elogiosa (#sóquenão) da própria fé,
eu dou a senha do meu cartão de crédito pra esse gênio. Note que Tácito
“acerta” tanto o imperador quanto o governador da Judeia que estavam no
poder quando Jesus foi executado (embora tecnicamente Pilatos fosse
prefeito da Judeia, e não procurador).
PLÍNIO, O JOVEM
Caio Plínio Cecílio Segundo (61 d.C.-112 d.C.) foi governador do
Ponto e da Bitínia (regiões que ficam na atual Turquia) no começo do
século 2º d.C. Sua correspondência com o imperador Trajano é um dos mais
antigos indícios fora da Bíblia de perseguições romanas — esporádicas —
aos cristãos. Ao relatar ao imperador os estranhos costumes (do ponto
de vista romano) da seita cristã, ele menciona, entre outras coisas:
“Eles [os cristãos] costumavam se reunir num dia marcado antes da aurora
e cantar um hino a Cristo, como se ele [Cristo] fosse um deus” — o que
dá a entender que o tal Cristo não era um deus, segundo Plínio.
Só de passagem, é interessante notar que, como governador, o que
Plínio condenava nos cristãos era sua “obstinatio” ou “pertinacia” —
basicamente, sua teimosia em não aceitar os costumes romanos, como os
sacrifícios aos deuses do Estado romano. Isso, para ele, já era razão
suficiente, caso a pessoa se recusasse por três vezes a renunciar à
seita, para determinar uma execução.
SUETÔNIO
Caio Suetônio Tranquilo (69 d.C.-122 d.C.) é o nosso caso mais
ambíguo e complicado. Em sua biografia de Nero na série “Vida dos Doze
Césares”, ele também faz menção à perseguição aos cristãos:
“Também foram punidos os cristãos, classe de homens dados a uma nova e traiçoeira superstição.”
OK, isso indica a presença de cristãos em Roma menos de 30 anos
depois da morte de Jesus. A passagem mais duvidosa, porém, está na
biografia do imperador Cláudio, que reinou antes de Nero.
“Como os judeus estavam constantemente causando distúrbios por instigação de Cresto, ele [Cláudio] os expulsou de Roma.”
Pois é, Cresto, com “e”, e não “Cristo” — mas a maioria dos
historiadores acredita que essa seja uma referência a Jesus e uma prova
de uma imensa viajada de Suetônio. Ele teria entendido o nome errado e
assumido que “Cresto” seria o líder ainda vivo de uma facção judaica em
Roma, um perturbador da paz, em suma (os cambistas do Templo de
Jerusalém, cujas mesas foram reviradas por Jesus, provavelmente
concordariam com ele).
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E é isso, basicamente. Acho que as lições principais dessas fontes pagãs são:
1)Nem tudo no mundo é interpolação cristã;
2)Fica claro que, durante muito tempo, o movimento iniciado por Jesus
não passava de um grupo insignificante de radicais de origem judaica
aos olhos do poderio do Império. Daí a invisibilidade quase total deles.
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* Reinaldo José Lopes é jornalista de ciência e autor do livro Além de Darwin
Fonte: Folha online, 17/04/2014
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