RIO - Após cancelar sua participação na Feira de Frankfurt, que
homenageava o Brasil, no ano passado, Paulo Coelho também não vem a seu
país para a Copa do Mundo, em protesto. Ele fez campanha pela escolha do
Brasil, mas se diz decepcionado com os rumos do país. Prestes a lançar
seu novo romance, “Adultério” (Sextante), que chega às livrarias na
quinta-feira, ele falou ao GLOBO por telefone de sua casa, em Genebra,
na Suíça. O livro, escrito após o mago participar anonimamente de fóruns
na internet sobre traição, conta a história de uma mulher que resolve
trair o marido com um ex-namorado de adolescência. Na entrevista abaixo,
Coelho, nunca alheio a polêmicas, volta a criticar a comitiva de
Frankfurt, defende as biografias não autorizadas e explica por que,
depois de anos apoiando o PT, resolveu não participar da campanha
eleitoral do partido.
Como um homem casado há mais de 30 anos com a mesma mulher se inspirou para escrever sobre adultério?
São 28 milhões de seguidores nas redes sociais, e pedi que me falassem anonimamente sobre depressão, para escrever no meu blog. Recebi mais de mil respostas. Notei que, dessas, 10% tinham mesmo depressão, e 90% tinham na verdade problemas afetivos. Depois, me inscrevi anonimamente em fóruns de pessoas que sofrem com traição. E reuni um material riquíssimo. Cheguei a cinco pessoas que tinham histórias bem emblemáticas, disse quem eu era e usei as histórias. Troquei nomes e o lugar de origem delas. Quando vi, estava pronto. É um livro sobre amor. O adultério não é sobre sexo. O problema do adultério se resume à traição afetiva.
O que motiva as pessoas a cometer adultério?
Minha intenção não é julgar e analisar. Meu medo é só que as pessoas não comprem o livro por causa do título. Foi a preocupação de alguns editores no exterior, que sugeriram nomes como “O caso” ou “Fidelidade”, que dá menos bandeira. Mas, a esta altura da vida, eu tenho que fazer aquilo em que acredito. Eu corro meus riscos. Sempre corri. Não é agora que vou deixar de correr.
Em “As valkírias”, você também fala de uma crise no casamento. Alguma relação entre as duas histórias?
“As valkírias” é sobre a minha relação com a Christina (Oiticica, sua mulher). “Adultério” é baseado em experiências alheias. Mas nem estabeleci essa relação. Eu começo o novo livro com a protagonista quase em depressão. Ela tem uma sensação, muito comum, de que o casamento limitou sua vida.
É verdade que pela primeira vez você não vai participar da campanha do PT?
Há uma profunda decepção. Eu acho que o poder cega. O PT foi muito bem, é responsável por um grande avanço; mas que não começou com ele, e sim com o FHC. De repente eu vi que a coisa toda começou a virar meio um clientelismo. Acho que o PT infelizmente perdeu o rumo, como qualquer partido que fica muito tempo no poder.
Essa decisão tem algo a ver com as manifestações do ano passado?
Não. Mas acho as manifestações profundamente justas. Foi um momento para o PT se dar conta de que não pensa o Brasil sozinho. E também não vou à Copa, embora tenha ingressos.
Por quê?
Eu não posso estar dentro do estádio sabendo o que se passa lá fora com os hospitais, a educação e tudo o que o clientelismo do PT tem renegado muito.
Esse afastamento do partido também significou um afastamento das amizades, como de José Dirceu?
Podendo pular essa pergunta, eu te agradeço. Não tem nada a ver. O Zé é uma pessoa... Eu não falei com ele porque ele está preso. Não tem nada a ver.
O que achou da polêmica das biografias no ano passado?
Dia 18 eu vi o filme sobre a minha vida (“Não pare na pista”, de Daniel Augusto, com previsão de estreia em agosto). Não li roteiro, não quis nem saber o que era. Mas, se você tem uma vida pública, você não pode querer, a não ser que você se encarregue disso, que ela seja privada. A atitude dessas pessoas me decepcionou muito. Acho que fora o Gilberto Gil, que é um cara que sei que entrou naquilo por amizade, essas pessoas não estão sabendo envelhecer. Pessoas que lutaram pela liberdade, usaram a arte contra a ditadura. Talvez eu também não esteja sabendo envelhecer. Mas me entristeceu muito.
Você gostou do filme?
Eu adorei. Pensei que, já que minha agente vendeu os direitos, fosse o que Deus quisesse. Falei que não ia ver. Sabe aquele negócio de dar uma de avestruz? O que eu não ia era censurar. Eu já tinha permitido ao Fernando Morais entrar fundo na minha vida, embora não ache a melhor biografia.
Na época da biografia escrita por Morais, “O mago”, você disse que não se lembrava de ter sido tão trágico.
O filme também tem esse lado. Minha irmã estava lá. Eu a vi chorar o tempo todo ao meu lado. E eu fiquei muito comovido. O que fica de mais marcante é que no fundo esse filme é uma apologia do meu pai. Coitado! Eu era severo, ele também. Batemos os dois de frente. E o filme é muito justo com ele.
No ano passado, comentou-se que você cancelou a participação na Feira de Frankfurt porque não foi convidado para fazer o discurso de abertura. É verdade?
Não. Vive-se nesse negócio do Estado que sustenta. Está bem o Estado sustentar a literatura, o que não fica bem é se criar um núcleo de escritores avalizados pelo Estado. Li uma boa entrevista com o (escritor) Luiz Ruffato dizendo que não sobrou nada do que se gastou em Frankfurt. E é verdade. Você vai à Alemanha e não vê absolutamente nenhum resultado do esforço gigantesco que foi feito. Porque foi um esforço muito mal feito. Havia pessoas com imensa capacidade, mas a maioria estava ali pelo famoso nepotismo. Nem toca nesse negócio de discurso de abertura, porque é desmentir uma coisa que não é verdade: “Paulo Coelho diz que não assaltou o banco”.
Você foi a Frankfurt “à paisana”?
Fui, para falar com meus editores. Vi de longe os ônibus, todos tinham o meu rosto. Estava tudo preparado para eu ir. E eu vou este ano, porque não quero me queimar com a feira.
Sua aproximação dos autores fantásticos se dá por identificação, por ter sido rejeitado pela crítica no começo da carreira?
Não é que a crítica não goste deles. A crítica os ignora, como me ignorava. Quando descobre, é para falar mal. Eu não fui descoberto pela crítica. Hoje é muito diferente. Naquela época não havia alternativas. Sabe quem é o (escritor) Eduardo Spohr? Foi a primeira vez em que pedi para dar uma entrevista. Pedi para ele me botar em contato com o pessoal do Jovem Nerd (blog com que Spohr colabora). Foi a única entrevista que dei em Frankfurt.
Você dançou “Sandra Rosa Madalena” na entrevista...
Era “O meu sangue ferve por você” (risos). São pessoas interessantíssimas e representam uma virada nessa cultura (literária). Comecei a ler e gostar dessa nova literatura, acho uma linguagem maravilhosa. E a aproximação se deu por isso. Eles são nerds, mas não têm o ranço do pseudointelectualismo.
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Reportagem POR Maurício Meireles (Email)
Fonte: Jornal o Globo online, 05/04/2014
Como um homem casado há mais de 30 anos com a mesma mulher se inspirou para escrever sobre adultério?
São 28 milhões de seguidores nas redes sociais, e pedi que me falassem anonimamente sobre depressão, para escrever no meu blog. Recebi mais de mil respostas. Notei que, dessas, 10% tinham mesmo depressão, e 90% tinham na verdade problemas afetivos. Depois, me inscrevi anonimamente em fóruns de pessoas que sofrem com traição. E reuni um material riquíssimo. Cheguei a cinco pessoas que tinham histórias bem emblemáticas, disse quem eu era e usei as histórias. Troquei nomes e o lugar de origem delas. Quando vi, estava pronto. É um livro sobre amor. O adultério não é sobre sexo. O problema do adultério se resume à traição afetiva.
O que motiva as pessoas a cometer adultério?
Minha intenção não é julgar e analisar. Meu medo é só que as pessoas não comprem o livro por causa do título. Foi a preocupação de alguns editores no exterior, que sugeriram nomes como “O caso” ou “Fidelidade”, que dá menos bandeira. Mas, a esta altura da vida, eu tenho que fazer aquilo em que acredito. Eu corro meus riscos. Sempre corri. Não é agora que vou deixar de correr.
Em “As valkírias”, você também fala de uma crise no casamento. Alguma relação entre as duas histórias?
“As valkírias” é sobre a minha relação com a Christina (Oiticica, sua mulher). “Adultério” é baseado em experiências alheias. Mas nem estabeleci essa relação. Eu começo o novo livro com a protagonista quase em depressão. Ela tem uma sensação, muito comum, de que o casamento limitou sua vida.
É verdade que pela primeira vez você não vai participar da campanha do PT?
Há uma profunda decepção. Eu acho que o poder cega. O PT foi muito bem, é responsável por um grande avanço; mas que não começou com ele, e sim com o FHC. De repente eu vi que a coisa toda começou a virar meio um clientelismo. Acho que o PT infelizmente perdeu o rumo, como qualquer partido que fica muito tempo no poder.
Essa decisão tem algo a ver com as manifestações do ano passado?
Não. Mas acho as manifestações profundamente justas. Foi um momento para o PT se dar conta de que não pensa o Brasil sozinho. E também não vou à Copa, embora tenha ingressos.
Por quê?
Eu não posso estar dentro do estádio sabendo o que se passa lá fora com os hospitais, a educação e tudo o que o clientelismo do PT tem renegado muito.
Esse afastamento do partido também significou um afastamento das amizades, como de José Dirceu?
Podendo pular essa pergunta, eu te agradeço. Não tem nada a ver. O Zé é uma pessoa... Eu não falei com ele porque ele está preso. Não tem nada a ver.
O que achou da polêmica das biografias no ano passado?
Dia 18 eu vi o filme sobre a minha vida (“Não pare na pista”, de Daniel Augusto, com previsão de estreia em agosto). Não li roteiro, não quis nem saber o que era. Mas, se você tem uma vida pública, você não pode querer, a não ser que você se encarregue disso, que ela seja privada. A atitude dessas pessoas me decepcionou muito. Acho que fora o Gilberto Gil, que é um cara que sei que entrou naquilo por amizade, essas pessoas não estão sabendo envelhecer. Pessoas que lutaram pela liberdade, usaram a arte contra a ditadura. Talvez eu também não esteja sabendo envelhecer. Mas me entristeceu muito.
Você gostou do filme?
Eu adorei. Pensei que, já que minha agente vendeu os direitos, fosse o que Deus quisesse. Falei que não ia ver. Sabe aquele negócio de dar uma de avestruz? O que eu não ia era censurar. Eu já tinha permitido ao Fernando Morais entrar fundo na minha vida, embora não ache a melhor biografia.
Na época da biografia escrita por Morais, “O mago”, você disse que não se lembrava de ter sido tão trágico.
O filme também tem esse lado. Minha irmã estava lá. Eu a vi chorar o tempo todo ao meu lado. E eu fiquei muito comovido. O que fica de mais marcante é que no fundo esse filme é uma apologia do meu pai. Coitado! Eu era severo, ele também. Batemos os dois de frente. E o filme é muito justo com ele.
No ano passado, comentou-se que você cancelou a participação na Feira de Frankfurt porque não foi convidado para fazer o discurso de abertura. É verdade?
Não. Vive-se nesse negócio do Estado que sustenta. Está bem o Estado sustentar a literatura, o que não fica bem é se criar um núcleo de escritores avalizados pelo Estado. Li uma boa entrevista com o (escritor) Luiz Ruffato dizendo que não sobrou nada do que se gastou em Frankfurt. E é verdade. Você vai à Alemanha e não vê absolutamente nenhum resultado do esforço gigantesco que foi feito. Porque foi um esforço muito mal feito. Havia pessoas com imensa capacidade, mas a maioria estava ali pelo famoso nepotismo. Nem toca nesse negócio de discurso de abertura, porque é desmentir uma coisa que não é verdade: “Paulo Coelho diz que não assaltou o banco”.
Você foi a Frankfurt “à paisana”?
Fui, para falar com meus editores. Vi de longe os ônibus, todos tinham o meu rosto. Estava tudo preparado para eu ir. E eu vou este ano, porque não quero me queimar com a feira.
Sua aproximação dos autores fantásticos se dá por identificação, por ter sido rejeitado pela crítica no começo da carreira?
Não é que a crítica não goste deles. A crítica os ignora, como me ignorava. Quando descobre, é para falar mal. Eu não fui descoberto pela crítica. Hoje é muito diferente. Naquela época não havia alternativas. Sabe quem é o (escritor) Eduardo Spohr? Foi a primeira vez em que pedi para dar uma entrevista. Pedi para ele me botar em contato com o pessoal do Jovem Nerd (blog com que Spohr colabora). Foi a única entrevista que dei em Frankfurt.
Você dançou “Sandra Rosa Madalena” na entrevista...
Era “O meu sangue ferve por você” (risos). São pessoas interessantíssimas e representam uma virada nessa cultura (literária). Comecei a ler e gostar dessa nova literatura, acho uma linguagem maravilhosa. E a aproximação se deu por isso. Eles são nerds, mas não têm o ranço do pseudointelectualismo.
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Reportagem POR Maurício Meireles (Email)
Fonte: Jornal o Globo online, 05/04/2014
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