Martha Medeiros*
Estava caminhando pela rua quando passei por uma mulher
muito charmosa, e seu charme era consequência de diversas escolhas
acertadas, a começar pelo cabelo. Um corte chanel repicado, rebelde,
volumoso, e uma franja comprida e displicente que dava ao look um ar de
acordei assim e saí pra rua, e deve ter acontecido mesmo, ela acordou e
saiu pra rua sem nem se olhar no espelho antes, tinha um cabelo que não
dava trabalho e a deixava com uma aparência moderna e jovial, mesmo com
seus 40 e tantos. Pensei: adoro cabelo curto. Nas outras.
Como ela usava uma camiseta regata, vi que tinha uma grande tatuagem no braço. Era um desenho estilizado, parecia uma padronagem de tecido, não era uma frase, um bicho ou qualquer coisa distinguível – apenas um desenho abstrato que para ela, e só para ela, fazia todo o sentido e a personalizava num grau único. É provável que ela tivesse também tatoos mais delicadas atrás da nuca, no pulso ou no tornozelo, mas a do braço, imensa, era um ato de bravura. Era uma mulher tão colocada, tão escandalosamente ela mesma, que também me senti tudo isso pelo simples fato de apreciar nela o que não tenho a audácia de fazer em mim. Adoro tatuagens. Nos outros.
E ela carregava nas mãos uma jaqueta de couro vermelha. Eu nem precisava ver como ela ficaria vestida com a jaqueta, simplesmente todas as blogueiras de street style a perseguiriam com suas lentes se a vissem caminhando com aquela displicência de quem nasceu para desfilar com uma jaqueta de couro vermelha no meio da tarde de uma segunda-feira a caminho de um encontro com algum amante libanês (não parecia uma mulher que estava indo à missa). E lá se foi ela portando nas mãos aquela peça vermelha que eu achei incrível, eu que não tenho uma única peça vermelha no guarda-roupa, e indo ao encontro de um fantasioso amante libanês que tampouco faz parte do meu currículo.
O que me impede de tosar o cabelo, fazer uma tatuagem no braço e comprar uma jaqueta vermelha? Nada. Simplesmente acontece de a gente gostar muito de certas coisas, mesmo não tendo impulso suficiente para adotá-las como nossas. É um exercício elevado de apreciação: saúdo quem acorda às 5h da manhã para correr e também quem atravessa a noite dançando – não faço uma coisa nem outra. Admiro quem tira um ano sabático para meditar num ashram e também quem vai a Nova York de três em três meses. Quem decide não ter filhos e quem tem e ainda adota alguns. Quem coleciona amantes e quem mantém um único e eterno casamento. Quisera eu poder contar com sete vidas para abraçar todos os jeitos de ser e de estar no mundo, mas tendo uma vidinha só, faço as escolhas que melhor me identificam, sem deixar de aplaudir as minhas renúncias. A todas as outras mulheres que não sou – ou que não sou ainda – meu sorriso e uma piscadinha cúmplice.
Como ela usava uma camiseta regata, vi que tinha uma grande tatuagem no braço. Era um desenho estilizado, parecia uma padronagem de tecido, não era uma frase, um bicho ou qualquer coisa distinguível – apenas um desenho abstrato que para ela, e só para ela, fazia todo o sentido e a personalizava num grau único. É provável que ela tivesse também tatoos mais delicadas atrás da nuca, no pulso ou no tornozelo, mas a do braço, imensa, era um ato de bravura. Era uma mulher tão colocada, tão escandalosamente ela mesma, que também me senti tudo isso pelo simples fato de apreciar nela o que não tenho a audácia de fazer em mim. Adoro tatuagens. Nos outros.
E ela carregava nas mãos uma jaqueta de couro vermelha. Eu nem precisava ver como ela ficaria vestida com a jaqueta, simplesmente todas as blogueiras de street style a perseguiriam com suas lentes se a vissem caminhando com aquela displicência de quem nasceu para desfilar com uma jaqueta de couro vermelha no meio da tarde de uma segunda-feira a caminho de um encontro com algum amante libanês (não parecia uma mulher que estava indo à missa). E lá se foi ela portando nas mãos aquela peça vermelha que eu achei incrível, eu que não tenho uma única peça vermelha no guarda-roupa, e indo ao encontro de um fantasioso amante libanês que tampouco faz parte do meu currículo.
O que me impede de tosar o cabelo, fazer uma tatuagem no braço e comprar uma jaqueta vermelha? Nada. Simplesmente acontece de a gente gostar muito de certas coisas, mesmo não tendo impulso suficiente para adotá-las como nossas. É um exercício elevado de apreciação: saúdo quem acorda às 5h da manhã para correr e também quem atravessa a noite dançando – não faço uma coisa nem outra. Admiro quem tira um ano sabático para meditar num ashram e também quem vai a Nova York de três em três meses. Quem decide não ter filhos e quem tem e ainda adota alguns. Quem coleciona amantes e quem mantém um único e eterno casamento. Quisera eu poder contar com sete vidas para abraçar todos os jeitos de ser e de estar no mundo, mas tendo uma vidinha só, faço as escolhas que melhor me identificam, sem deixar de aplaudir as minhas renúncias. A todas as outras mulheres que não sou – ou que não sou ainda – meu sorriso e uma piscadinha cúmplice.
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* Jornalista. Escritora
Fonte; ZH online, 27/04/2014
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