Enzo Bianchi*
A oração cristã é antes de tudo escuta para chegar ao
acolhimento de uma presença, a presença de Deus Pai, Filho e Espírito
Santo. A operação é simples mas não é por isso que é fácil, antes é
laboriosa e requer capacidade de silêncio interior e exterior,
sobriedade, luta contra os múltiplos ídolos que nos ameaçam.
Deus fala: esta é a afirmação fundamental que
atravessa toda a Escritura, sem a qual não poderemos ter qualquer
relação pessoal com Ele. Com decisão absoluta, com iniciativa livre e
gratuita, Deus dirigiu-se aos seres humanos para entrar em relação com
eles, para instaurar um diálogo finalizado na comunhão. No Deuteronómio
é colocada sobre a boca de Moisés esta reflexão:
«Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o
dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Pergunta se jamais houve,
de uma extremidade à outra do céu, coisa tão extraordinária como esta,
ou se jamais se ouviu coisa semelhante. Sabes, porventura, de algum
povo que tenha ouvido a voz de Deus falando do meio do fogo, como tu
ouviste, e tenha continuado a viver?» (Dt 4, 32-33).
Deus revela-se como Palavra e faz de Israel o povo da
escuta, antes ainda que o povo da fé, revelando a vocação permanente: o
chamamento a escutar. Não por acaso, a oração hebraica é ritmada pelo Shema’ Jusra’el,
«Escuta, Israel» (cf. Dt 6, 4-9), uma ordem que, de várias maneiras, é
repetida mais vezes na Torah, a qual, ao contrário, raramente pede
para falar a Deus.
Se a oração do homem como desejo de Deus apresenta um
sentido ascendente de palavras para o céu, a escuta é, por sua vez,
caracterizada por um movimento descendente, por uma descida da Palavra
de Deus no ser humano: o verdadeiro orante, a partir de Abraão (cf. Gen
12, 1), é aquele que escuta, aquele que dá ouvidos a Deus. Por isso,
«escutar é melhor que o sacrifício» (1 Samuel 15, 22), melhor que
qualquer outra relação homem-Deus que se apoia sobre o frágil
fundamento da iniciativa humana.
Além disso, poder-se-ia dizer que se para Deus no
princípio está a Palavra (cf. Jo 1, 1; Gen 1, 3.6…), para o homem «no
princípio está a escuta». No Novo Testamento esta verdade é sintetizada
de modo admirável na exortação da Carta aos Hebreus:
«Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos
pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são
os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho» (Heb 1, 1-2).
Agora é a Ele, ao Filho, que deve dirigir-se a nossa
escuta, no seguimento da ordem da voz do Pai: «Este é o meu Filho, o
amado, escutai-o» (Marcos 9, 7).
Fica claro, portanto, que a oração autêntica brota onde
está a escuta. «Fala, Senhor, que o teu servo escuta» (1 Samuel 3, 9):
este é o primeiro ato da oração, que nós – infelizmente – somos
constantemente tentados a subverter em: «Escuta, Senhor, que o teu
servo fala».
Sim, a escuta é oração e tem um primado absoluto
enquanto reconhece a iniciativa de Deus, o facto de Deus ser o sujeito
do nosso encontro com Ele: não é passividade, mas resposta ativa, ação
por excelência da criatura diante do seu Criador e Senhor.
É significativo que ao convite que Deus dirigiu ao
jovem rei Salomão para que este lhe apresentasse pedidos, o monarca
pediu um lev shomea’ (1 Reis 3, 9), «um coração capaz de escutar»; e o Senhor gostou que Salomão tivesse feito esse pedido (1 Reis 3, 10).
Com efeito, este é o pedido que agrada grandemente ao
Senhor na nossa oração, porque é o pedido que é gerado pela vontade de
Deus, é o pedido primordial, a necessidade primeira e fundamental, o
pressuposto da fé. Não é à toa que Paulo dirá que «a fé nasce da
escuta» (fides ex auditu: Romanos 10, 17).
Compreende-se, então, porquê, interrogado sobre qual é o
primeiro mandamento, Jesus tenha respondido antes de tudo «escuta»,
bem sabendo que dessa capacidade depende também a de conhecer e amar
Deus e o próximo (cf. Marcos 12, 29-31).
Eis assim traçado o movimento da oração cristã: da
escuta à fé, da fé ao conhecimento de Deus, e do conhecimento ao amor,
resposta última ao seu amor gratuito e primeiro pelo ser humano.
Nunca se dirá suficientemente: quando não está bem
clara o primado da escuta de Deus, a oração tende a tornar-se uma
atividade humana e é forçada a alimentar-se de atos e fórmulas, em que
se procura a própria satisfação e segurança: torna-se a epifania de uma
arrogância espiritual, a substituição da execução da vontade de Deus.
No máximo transforma-se numa disciplina de concentração que talvez
elimine as distrações, mas não abre realmente para uma atenção orante
ao Senhor que fala (cf. Deuteronómio 4, 32-33) e que ama (cf.
Deuteronómio 7, 7-8): que fala porque ama.
Recorde-se, por fim, um dado de que é mais difícil ter
consciência, mas que envolve sempre a nossa oração: com a escuta da
Palavra entramos no mistério do diálogo intratrinitário. A comunhão de
amor que reina entre o Pai, o Filho e o Espírito é, com efeito,
alimentada pela escuta recíproca, como atestam algumas palavras de
Jesus:
«Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (João
15,15); «Quando Ele vier, o Espírito da Verdade (...) não falará por si
próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir» (Jo 16, 13); «Pai,
dou-te graças por me teres escutado» (Jo 11,41).
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* Enzo Bianchi é monge italiano e Priore del Monsatero Di Bose/Itália. Escritor.
In Perché pregare, come pregare, ed. San Paolo
Fonte e Trad.: SNPC/rjm
Fonte e Trad.: SNPC/rjm
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14.04.14
14.04.14
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